Rede Unida, Encontro Regional Norte 2015

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Auditoria do SUS: ferramenta de gestão para o controle interno assistencial
Olivam Silva Conceição, Andrea Caldas Cipriano, Cristiano Conceição Garcia Viana, Igor Liberato Tuma, Irismar Vieira de Souza, Kátia Cristina Motta Fontes, Luiz Mario Fernandes, Maria Margarida de Souza Athayde, Maria de Nazaré Farias Lira, Ruth Maria Mello Makaren, Tai-Li Marrero

Última alteração: 2016-05-30

Resumo


Introdução. A Constituição Federal de 1988 é um marco histórico para a saúde pública que se consagra com “o pedido popular”. Anos anteriores, a qualidade de vida estava da maioria da população estava comprometida, a dignidade do cidadão em viver num país rico com tantas desigualdades era um paradoxo, a democracia estava ofuscada pela ditadura, ricos e pobres, homens e mulheres, trabalhadores e desempregados, conviviam em exacerbada desigualdade. Em 1988 é promulgada a nova Constituição e logo o Sistema Único de Saúde - SUS, em 1990, com princípios de justiça social, universalidade, integralidade e controle social. Diante de um sistema público de saúde de tamanha abrangência tornou-se imperioso a instituição de um organismo para realizar o controle e fiscalização da aplicabilidade dos recursos da saúde pública. Nesse desiderato, nasce o Sistema Nacional de Auditoria do SUS, descentralizado para Estados, Municípios e Distrito Federal. Este trabalho tem o objetivo de apresentar a experiência exitosa do componente municipal de auditoria do SUS, da Secretaria Municipal de Saúde de Manaus, traduzindo a identidade e a importância da Auditoria do SUS como ferramenta de gestão para o controle interno assistencial da saúde pública, tendo como método a revisão bibliográfica e as experiências vivenciadas por este serviço no período de 2004 a 2014.



A Reforma Sanitária. A mudança do cenário político-institucional da saúde pública no Brasil se inicia com o movimento pela Reforma Sanitária, em meados da década de 1960, em razão do dramático quadro da saúde pública vivenciada pela população. Este movimento estruturou-se e fortaleceu-se nas universidades, nos movimentos sindicais, nos movimentos populares, motivados em prol de uma política de saúde, com acesso universal e igualitário, com regionalização e hierarquização, descentralização, participação da comunidade e atendimento integral (Caleman et al, 1998). Estes segmentos da sociedade brasileira tiveram um peso imprescindível para a consolidação da nova saúde pública brasileira, instituída com o Sistema Único de Saúde. Caleman et al (apud Rosa, 2012) descreve que outro marco da reforma sanitária se dá em 1978 quando das proposições formuladas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) na Conferência de Alma-Ata ocorrida em 1978, preconizava “saúde para todos no ano 2000”. Nesse momento se discutia que a intensificação de investimentos na atenção primária iria promover redução dos fatores de riscos de adoecimento da população e consequentemente redução das hospitalizações. Em 1986, a 8ª Conferência Nacional da Saúde, consagra os princípios preconizados pelo movimento da reforma sanitária, e discute a proposta da nova política de saúde com o tema: “Saúde como dever do Estado e direito do cidadão, Reformulação do Sistema Nacional de Saúde e Financiamento setorial”. Assim, a Conferência trouxe como resultado um conceito ampliado de saúde, resultado das condições de “habitação, alimentação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, educação, emprego, lazer, liberdade, acesso a posse da terra e acesso a serviços de saúde”

A Nova Carta Constitucional e o Sistema Único de Saúde. A promulgação da Constituição Federal, com princípios de justiça social, democracia participativa e acima de tudo valorizando em seu instituto fundamental a dignidade da pessoa humana, o que fez dela ser conhecida como Constituição Cidadã. Criou-se no âmago da carta cidadã, o coração do novo Brasil, a democracia participativa. Modelo este que não engessa a democracia representativa, mas avança no instituto da democracia, permitindo ao povo, além de escolher seus representantes, participar da formulação das políticas públicas. A mesma Constituição que dita regras para uma vida pública democrática e participativa também exige rigidez quanto aos controles administrativos. Figura neste ínterim os órgãos representativos de controle externo e interno, com a finalidade de fiscalizar a aplicação dos recursos financeiros utilizados para subsidiar as políticas públicas em benesses da população. No que diz respeito ao controle e fiscalização dos recursos da saúde pública, foi instituído um sistema de auditoria descentralizado e efetivo com atuação diretamente no SUS, o Sistema Nacional de Auditoria do SUS. Consolida-se com a nova CF/88 a reforma sanitária brasileira e a saúde ganha um texto exclusivo (título VIII, Capítulo II, Seção II, Arts 196 a 200), retratando o resultado de todo o processo desenvolvido ao longo dos anos, instituindo-se assim, o SUS e determinando que “a saúde é direito de todos e dever do Estado”. A Lei nº 8.080 de 1990, operacionaliza as disposições constitucionais da nova saúde pública brasileira e reafirma o SUS imbuído de diretrizes e princípios que norteiam o rumo da assistência à saúde em todo o território brasileiro. Logo, como previsto na Lex Max, o SUS veio trazendo os princípios de universalidade do acesso, integralidade da assistência à saúde, equidade e controle social. Agora, tinha-se uma política de saúde pública voltada a toda a população, indistintamente, seja parte dela em trânsito, morador residente ou temporário, e mais, de forma descentralizada, com direção única em cada esfera administrativa, tendo ainda, a descentralização de recursos financeiros, com financiamento tripartite. Fato este, que exigia o cumprimento do Art. 197, da CF/88, a fim de se imputar aos gestores da saúde maior rigor no que diz respeito à relevância pública da prestação de ações e serviços de saúde à população, exigindo-se assim do poder público, nos termos da lei, a sua regulamentação, fiscalização e controle (BRASIL, 1988).

Auditoria em Saúde. Em 1918, a auditoria, no âmbito da saúde, surgiu através do médico George Gray Ward, nos Estados Unidos, onde era estudada a qualidade da assistência pela verificação dos prontuários (CECCON & ROSA, 2013). Caleman et al (1998) assinalam que o termo audit foi proposto para os serviços de saúde, pela primeira vez, em 1956 por Lambeck, com a finalidade de avaliar a qualidade dos processos e os resultados desses serviços, por meio da observação direta do registro e da história clínica do usuário.

Na saúde pública, as atividades de auditoria, se consolidam em três momentos: antes de 1976, com base no então Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), eram realizadas pelos supervisores por meio de apurações em prontuários de pacientes e em contas hospitalares. Segundo momento, em 1978, é criada a Secretaria de Assistência Médica, subordinada ao Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS). É nesse ano que se reconhece o cargo de médico-auditor e a auditoria passa a ser feita nos próprios hospitais. E o terceiro momento se dá com a instituição do SUS que prevê a criação do Sistema Nacional de Auditoria do SUS.

O Sistema Nacional de Auditoria do SUS. Independente do controle externo exercido pelos Tribunais de Contas, em 2003 é criado o Departamento Nacional de Auditoria do SUS (DENASUS), órgão central do SNA, estruturado pelo Decreto n. 4.726, de 09/06/2003, com a finalidade de realizar o controle interno do SUS, acompanhando, controlando e avaliando as ações e serviços de saúde em todo território nacional em cooperação técnica com os Estados, Municípios e Distrito Federal.

O cumprimento pelos Estados e Municípios em instituírem seus componentes de auditoria não se deu espontaneamente. Foi necessário que se inserisse na Norma Operacional da Assistência à Saúde (NOAS-SUS 01/2002), um mecanismo que assegurasse o cumprimento da Lei 8080/90, quanto à implantação dos componentes de auditoria nos Municípios e Estados. Logo, ficou estabelecida na NOAS 01/2002 a exigência de implantação dos componentes de auditoria como requisito para que os municípios se habilitassem à condição de gestão plena do sistema municipal (BRASIL, 2002). A auditoria surge como ferramenta fundamental para avaliação da qualidade da prestação de assistência a saúde pelo SUS, contribuindo para a garantia de acesso dos usuários, servindo como instrumento de gestão para tomada de decisões e colaborando para a alocação e a utilização adequada dos recursos.

Rosa (2012) relata que diante da nova realidade do sistema de saúde, a figura do auditor ganha papel relevante, como agente de promoção da qualidade da assistência por meio de padrões previamente definidos, atuando em programas de educação permanente, bem como em ações de diagnóstico de desempenho de seus processos, incluindo as atividades de cuidado direto ao paciente e aquelas de natureza administrativa.

Manzo et al (2012) descrevem que através da auditoria, a instituição de saúde tem a possibilidade de realizar um diagnóstico objetivo acerca do desempenho de seus processos de trabalho, incluindo as atividades de cuidado direto ao paciente e aquelas de natureza administrativa.

Melo e Vaitsman (2008) descrevem que no Brasil, a implantação de processos de auditoria no SUS procurou resguardar ao usuário e à União, Estados e municípios a qualidade dos serviços profissionais e institucionais, além de preservar o uso adequado do dinheiro público.

O Componente Municipal de Auditoria do SUS. Atendendo aos dispositivos legais, em 2004, a Secretaria Municipal de Saúde de Manaus cria o Componente Municipal de Auditoria do SUS (SEMSA, 2004), diretamente subordinado ao Departamento de Controle, Avaliação e Auditoria. Inicia-se com um grupo de trabalho designado pela gestão, composto por uma equipe multiprofissional, com representação de médico, enfermeiro, assistente social, bioquímico, odontólogo, administrador e contador. Logo em 2005, é realizado o primeiro concurso público para o cargo de auditor do SUS e em 2012 o segundo. Foram realizados treinamentos técnico-específicos, cursos de auditoria governamental, curso de especialização em auditoria de sistemas de saúde, dentre outras qualificações. Em 2012, com a reforma administrativa municipal, o componente municipal de auditoria do SUS passa a ser subordinada diretamente ao Gestor, considerado um ganho expressivo no que diz respeito à melhor execução de sua missão. Assim, o empenho do componente Municipal de Auditoria do SUS tem se consolidado pelos resultados apresentados: melhoria na interlocução com o Conselho Municipal de Saúde; integração com a Ouvidoria do SUS Municipal; intensificação das atividades de auditoria nas unidades de saúde e prestadores contratados; aumento de demandas oriundas diretamente do gestor municipal; aceitação da auditoria pelos diretores de unidades de saúde, como meio de solução de problemas de gestão; ampliação da capacidade técnica da auditoria com criação de cargo, carreira e concurso público. Na Conferência Municipal de Saúde de Manaus em 2011 aprovou-se a proposta: Fortalecer e qualificar o componente municipal de auditoria do SUS como organismo de controle interno das ações e serviços de saúde, garantindo aos profissionais auditores poder e autonomia para a plena execução de suas atribuições, bem como atribuir-lhes a atividade de auditar e fiscalizar a aplicação dos recursos destinados à saúde pública municipal.

Conclusão. O êxito do componente municipal de auditoria do SUS é representativo de sua consolidação como ferramenta de gestão para o controle interno assistencial, reconhecido pela gestão e pelos profissionais que tem acompanhado o trabalho desenvolvido. Nesta concepção, a perspectiva é pelo fortalecimento da importância do serviço de auditoria do SUS e sua plena implantação e implementação nas Secretarias de Saúde de todos os Estados e Capitais do País, e mais, que se estabeleça nos mais de 5800 municípios do Brasil em prol de uma saúde pública mais efetiva, a fim de contribuir com a redução das desigualdades e otimização do uso dos recursos públicos.

 


Palavras-chave


Auditoria administrativa; Sistema Único de Saúde; Gestão em Saúde

Referências


BRASIL. Constituição de 1988. Constituição da República Federativa do Brasil, Brasília, 1988.

______. Ministério da Saúde. Lei nº 8.080, de 19 de Setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Brasília, 1990.

______. Ministério da Saúde. Portaria MS/GM nº 373 de 27 de fevereiro de 2002. Norma Operacional da Assistência à Saúde – NOAS-SUS 01/02. Série A. Normas e Manuais Técnicos 2.ª edição. Brasília, 2002.



CALEMAN, G.; et al. Auditoria, controle e programação de serviços de saúde. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, 1998.

CECCON, R.F.; ROSA, R. M. Auditoria em saúde: uma revisão de literatura. EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, año 18, n.179, 2013. Disponível em: http://www.efdeportes.com/efd179/auditoria-em-saude-uma-revisao-de-literatura.htm

SEMSA - Secretaria Municipal de Saúde. Decreto n.7.373, de 30 de junho de 2004. Institui a Divisão de Auditoria que comporá o Componente Municipal do Sistema Nacional de Auditoria, no âmbito do município de Manaus. Manaus-AM, 2004.

MANZO, B.F.; et al. Implicações do processo de Acreditação Hospitalar no cotidiano de profissionais de saúde. Rev. esc. enferm. USP. São Paulo, v. 46, n. 2, p. 388-394, 2012.

MELO, M.B.; VAITSMAN, J. Auditoria e avaliação no Sistema Único de Saúde. São Paulo em Perspectiva. São Paulo, v. 22, n. 1, p. 152-164, 2008.

ROSA, V.L. Evolução da Auditoria em Saúde no Brasil. Monografia (Especialização em Auditoria em Saúde). Londrina: Centro Universitário Filadélfia – UniFil, 2012.