Última alteração: 2016-05-30
Resumo
INTRODUÇÃO
Os estudos etnofarmacológicos têm como principal objetivo resgatar o conhecimento popular relacionado ao uso de plantas medicinais e trazer resultados de ordem prática, calcados na experiência do grupo estudado. Educar em saúde é procurar compreender os problemas que acometem determinada comunidade e fazer que a população tenha consciência desses problemas e motivação para buscar soluções, através da participação nessas ações educativas. O presente trabalho apresenta as ações desenvolvidas pela Seção de Saúde do 6º Pelotão Especial de Fronteira (6º PEF), que está localizado no Distrito de Pari-Cachoeira, formado 7 comunidades indígenas, situado a extremo noroeste do Amazonas, Município de São Gabriel da Cachoeira. O projeto iniciou-se em junho de 2014 com o objetivo de resgatar o conhecimento tradicional sobre plantas medicinais e discutir estratégias de educação a serem desenvolvidas nas escolas da região. Foram realizadas conversas com indígenas, reconhecidos nas comunidades como detentores do saber tradicional sobre plantas medicinais. Depois disso, a informação foi sistematizada para a promocão do Dia de Educação Permanente em Saúde Indígena, quando os detentores do saber tradicional compartilhariam seus conhecimentos com a comunidade discente da Escola Estadual Indígena Dom Pedro Massa, que atende a população local. Toda a apresentação foi realizada em língua portuguesa e traduzida para o dialeto Tukano, respeitando a cultura e incentivando a aprendizagem. A atividade teve boa aceitação por toda a comunidade escolar, pois resgata os conhecimentos tradicionais, que muitas vezes deixam de ser repassados de pai para filho ou se perdem em meio às informações do mundo globalizado, deixando de reconhecer o potencial das plantas medicinais como recurso terapêutico viável.
O interesse por plantas medicinais vem crescendo a cada ano no mundo todo. A Organização Mundial de Saúde (OMS) reconhece o valor potencial das plantas medicinais, e recomenda com insistência aos países membros da ONU que utilizem seus conhecimentos tradicionais como recurso terapêutico viável (WHO, 1987). A Organização Mundial da Saúde está incentivando os governos dos países onde as condições de saúde são precárias a implantar programas de saúde que diminuam os custos, mediante métodos e técnicas eficazes, conhecidos e tradicionalmente aceitáveis pela população (NIEHUES et al., 2011).
Segundo Silva (2002), o estudo das plantas medicinais permite o aumento do conhecimento científico relacionado a essas espécies, validando, assim, seu uso medicinal e o emprego em sistemas públicos de saúde, de modo a disponibilizar medicamentos de baixo custo à população. (Araujo, 2009).
A etnofarmacologia é uma ciência multidisciplinar que estuda a diversidade cultural e biológica. Especificamente lida com os usos que as comunidades fazem das espécies vegetais para fins terapêuticos. Os estudos etnofarmacológicos têm como principal objetivo resgatar o conhecimento popular relacionado ao uso de plantas medicinais e trazer resultados de ordem prática, calcados na experiência do grupo estudado (FERNANDES, 2005).
A Educação em saúde tem um forte potencial de transformação social, com conhecimento que pode promover mudanças na vida dos indivíduos e na realidade de uma sociedade. Educar em saúde é procurar compreender os problemas que acometem determinada comunidade e fazer com que a população tenha consciência desses problemas e busquem soluções. Deste modo a educação deve estar baseada no diálogo, na troca de experiências, e deve haver uma ligação entre o saber científico e o saber popular (VASCONCELOS, 1997).
DESENVOLVIMENTO
O projeto iniciou-se em junho de 2014, a partir das atividades desenvolvidas na seção se saúde do 6o Pelotão Especial de Fronteira (6o PEF) do Exército Brasileiro, situado a 3 km da Comunidade de Dom Bosco, pertencente ao Distrito de Pari-Cachoeira, a 300 km da sede do município de São Gabriel da Cachoeira, Amazonas, Brasil, do qual fazem parte outras 07 comunidades, totalizando, aproximadamente 2 mil habitantes. A proposta é resultado das dificuldades encontradas para dar suporte à saúde da comunidade indígena local, pertencente às etnias Tukano, Deçano, Tuiuka e Hupda, que falam línguas da família linguística Tukano Oriental (FOIRN, 2015), que além da dificuldade de acesso por conta das condições geográficas, convivem com a escassez de medicamentos e profissionais de saúde.
Durante os atendimentos clínicos realizados pelo Farmacêutico e Dentista, notou-se que havia um uso muito pequeno de plantas medicinais como recursos terapêuticos utilizado no combate e prevenção às enfermidades, principalmente, entre a população mais jovem. Este fato alertou para a perda dos conhecimentos tradicionais, fazendo-se necessárias intervenções de resgate desses conhecimentos e aplicação como apoio nos tratamentos.
Ao longo de três meses foram realizadas conversas com diversos líderes indígenas de diversas comunidades, que ajudaram a identificar as pessoas detentoras do saber tradicional sobre as plantas medicinais. Em seguida foi realizada uma primeira reunião com estas, afim de propor medidas educativas que seriam aplicadas para a o público discente da Escola Estadual Indígena Dom Pedro Massa, que atente desde a educação infantil ao ensino médio.
Com um número significativo de plantas medicinais utilizadas para diversos fins, confrontou-se essas informações com a literatura científica, através da pesquisa sobre a eficácia das plantas, a fim de reproduzir o conhecimento realmente eficaz, selecionando-se todas aquelas que já tinham comprovação. Com essas informações sistematizadas, iniciaram-se os planejamentos para a realização do Dia da Educação Permanente em Saúde, onde esses detentores do saber tradicional o repassariam para a comunidade escolar através de ações dinâmicas e educativas, fazendo com que os discentes tomassem conhecimento das espécies vegetais e contato com as partes utilizadas. Ficou acordado, ainda, que a apresentação seria em língua portuguesa e traduzida para a o dialeto Tukano e vice-versa.
No dia do evento a escola recebeu os discentes, assim como seus familiares e alguns militares do 6º PEF, que são oriundos de diferentes Estados. Cada indígena que faria o compartilhamento dos seus conhecimentos trouxe as partes das plantas, como cascas, folhas e raízes, de modo a dinamizar a atividade e torna-la produtiva.
Primeiramente o farmacêutico do 6º PEF explicou ao público as razões e os objetivos da atividade. Durante as apresentações todo o público esteve atento as informações compartilhadas. Algumas dúvidas foram sanadas principalmente no dialeto Tukano, sempre traduzido para a língua portuguesa. Essa prática se fez necessária pela dificuldade que existe pelo público diverso em compreender os dois idiomas.
Considerando que a atividade deve ser constante e que os conhecimentos não devem ser perdidos em meio às informações do mundo globalizado e, salientando que cada militar presta serviço na região por aproximadamente 2 anos, incluiu-se nas Normas Gerais de Atribuições (NGA) do 6º PEF, a prática constante pelos profissionais que vierem a substituir os que fizeram essa proposta. Foi apresentada, também, uma sugestão para que a escola inclua em seu calendário datas e práticas que possam resgatar os conhecimentos tradicionais, tornando-os recursos viáveis no apoio ao tratamento e prevenção de doenças.
CONCLUSÃO
Além de respeitar a cultura, toda atividade de Educação Permanente em Saúde, buscou resgatar os conhecimentos tradicionais, necessários a manutenção da saúde de sua população, com boa aceitação por todos os envolvidos. Quando falamos sobre Educação Permanente em Saúde (EPS) o mais esperado é pensarmos em ações de educação continuada apresentadas a profissionais de saúde, explorando-se determinado tema, ou ainda a atualização de alguma norma ou técnica. No entanto, a EPS tem como proposta identificar outros métodos de aprendizagem e cuidado no trabalho (OTICS, 2014).
No caso específico das populações indígenas, as ações de educação em saúde, ajustadas as características etnográficas, compõem um mecanismo eficiente na melhoria da qualidade de vida, além de oferecer um combate ao desconforto, dor e sofrimento associados as doenças e também representam uma estratégia fundamental na redução do impacto que as doenças apresentam na vida destas populações.
Outro aspecto relevante da atividade foi a participação do Exército Brasileiro, presente na Amazônia desde o início do século XVII, pela instalação de diversas unidades de fronteira denominadas Pelotões Especiais de Fronteira (PEF). Tais unidades representam polos de desenvolvimento, em torno dos quais crescem núcleos habitacionais garantidores da presença brasileira (BRASIL, 2015). A missão do PEF envolve o campo militar, a sobrevivência e a execução de serviços diversos em favor da organização militar e da comunidade civil que vive em suas imediações. Cada PEF possui sua própria equipe de saúde composta por um médico, um dentista, um farmacêutico e um sargento de saúde. Essa equipe, além de atender os militares e seus dependentes, deve ser empregada na realização de programas de prevenção e manutenção dos padrões de higiene e saúde da comunidade e conhecimento desses profissionais deve ser empregado de maneira efetiva e produtiva.
Palavras-chave
Referências
ARAUJO, M. M. Estudo etnobotânico das plantas utilizadas como medicinais no assentamento Santo Antonio, Cajazeiras, PB, Brasil. Dissertação de Mestrado. Paraíba: Universidade Federal de Campina Grande, 2009.
BRASIL. Ministério da Defesa. Exército Brasileiro. Amazônia. Disponível em: http://www.eb.mil.br/amazonia. Acesso em 03 junho de 2015.
OTICS - Observatório de Tecnologias de Informação e Comunicação em Sistemas e Serviços de Saúde. A EPS, aprendizagem flutuante e um convite para pensar, sentir e se expressar. 2014. Disponível em: http://eps.otics.org/material/entrada-textos/a-eps-aprendizagem-flutuante-e-um-convite-para-pensar-sentir-e-se-expessar. Acesso em 30 junho de 2015.
FERNANDES, P. R. Etnofarmacologia como ferramenta para educação ambiental. Tese de Doutorado. São Paulo: Universidade Estadual de Campinas, 2005.
FOIRN - Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro. Disponível em: http://www.foirn.org.br/povos-indigenas-do-rio-negro/diversidade-linguistica-no-alto-rio-negro. Acesso em 14 maio de 2015.
Niehues, J. et. al. Levantamento etnofarmacológico e identificação botânica de plantas medicinais em comunidades assistidas por um serviço de saúde. Arquivos Catarinenses de Medicina. v. 40, n. 1, p. 34-39, 2011.
SILVA, R. B. L. A etnobotânica de plantas medicinais da comunidade quilombola de Curiaú, Macapá-AP, Brasil. Dissertação de Mestrado em Agronomia/Bilogia Vegetal Tropical. Pará: Universidade Federal Rural da Amazônia, 2002.
VASCONCELOS, E.M. Educação popular nos serviços de saúde. 3.ed. São Paulo: Hucitec, 1997.
WHO. Global Medium Term Programe (Tradicional Medicine) covering a specific period 1990-1995 (WHO Document TRM/MTP/87-1), 1987.