Última alteração: 2016-05-30
Resumo
Introdução
Óbito fetal é a morte do produto da gestação antes da expulsão ou de sua extração completa do corpo materno, independentemente da duração da gravidez. Indica-se como óbito o fato de, depois da separação, o feto não apresentar batimentos cardíacos, pulsação do cordão umbilical ou movimentos dos músculos de contração voluntária, que são sinais de vida Os Comitês de Prevenção do Óbito Fetal e Infantil desenvolvem estratégias que visam melhorar a organização da assistência para redução das mortes fetais passíveis de prevenção e seus objetivos resumem-se em: envolver os profissionais de saúde e a sociedade sobre a importância e a gravidade da mortalidade infantil e fetal, estimular a investigação dos óbitos pelos serviços de saúde, identificar os problemas e as circunstâncias de ocorrência dos óbitos infantis e fetais (BRASIL, 2009). Aqui cabe um papel importante aos profissionais do serviço de saúde da atenção básica, pois são responsáveis pela investigação domiciliar e ambulatorial dos óbitos que ocorrem em sua área. As secretarias municipais de saúde devem instituir a vigilância do óbito, envolvendo profissionais da assistência e da vigilância epidemiológica. Os resultados dessa busca objetivam avaliar as informações e contribuir para o aperfeiçoamento do serviço de saúde a fim de prevenir novas ocorrências.
Segundo o Sistema de Informações sobre Mortalidade Infantil e Fetal (SIM) e Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC), a Taxa de Mortalidade Fetal na Região Norte possui uma média de 11,25/ 1.000 nascidos totais, acima da média nacional (BRASIL, 2014a, b).
Este estudo pretendeu analisar os prontuários das gestantes e as fichas de investigação dos óbitos fetais, com base nos dados epidemiológicos de mortalidade fetal, podendo assim, elencar as causas e fatores dos óbitos fetais evitáveis que poderiam ser abordados e trabalhados de uma forma diferenciada, visando a melhoria na atenção das gestantes no Sistema Único de Saúde do Município de Borba - AM. Este trabalho vem caracterizar-se como uma pesquisa de campo documental do tipo descritiva com abordagem quantitativa, em que foram incluídos todos os casos de óbitos fetais determinados por quaisquer tipos de causas, procurando identificar os fatores causadores do fenômeno em questão e assim aprofundar o conhecimento da realidade (PRODANOV & FREITAS, 2013).
O cenário desta pesquisa ocorreu no município de Borba, onde as gestantes foram atendidas e/ou acompanhadas até o desfecho do caso. Através da delimitação do período estabelecido para este estudo, o número de nascidos mortos no município de Borba foi de 29 casos, segundo informações oficiais do Sistema de Informação sobre Mortalidade, ocorridos no período de janeiro de 2010 a maio de 2015. Do total de casos, foram excluídos 06 casos de óbitos devido à inviabilidade de acesso aos prontuários e/ou ficha de investigação. Foram analisados prontuários das gestantes e/ou as fichas de investigação sobre os óbitos fetais ocorridos no município. Destes foram retirados variáveis e outras informações pertinentes ao estudo em questão. Foram analisadas varáveis maternas, fetais e demográficas. Tendo em vista a não exclusão de casos em demasia, devido à ausência de informações relativas às variáveis analisadas nos instrumentos de pesquisa, criou-se uma variável comum a todos os óbitos estudados, denominada: ausência de informação. Os casos que não possuíssem quaisquer dados referentes às variáveis do presente trabalho, eram acrescentados nessa nova variável.
Os dados foram coletados no mês de maio de 2015 durante cumprimento de atividades do Estágio Rural em Saúde Coletiva dos acadêmicos de enfermagem, medicina e odontologia da Universidade do Estado do Amazonas. O microambiente em que ocorreu o estudo foi em seis Unidades Básicas de Saúde da zona urbana do município, uma Unidade Básica de Saúde Fluvial, a Unidade Hospitalar Vó Mundoca e a Secretaria Municipal de Saúde de Borba.
Estas variáveis foram organizadas por dois dos pesquisadores envolvidos e, após esta etapa, dos dados foram calculadas porcentagens. Estes valores foram colocados em tabelas para maior compreensão e então construção da discussão gerada a partir dos resultados obtidos. Não foi submetido ao Comitê de Ética e Pesquisa, por se tratar de uma pesquisa desenvolvida no âmbito da disciplina e, portanto, não haver tempo hábil na tramitação do respectivo projeto de pesquisa.
Resultados
Considerando-se a morte fetal em relação ao parto, foi verificado que 94,7% dos casos tinham morrido antes do parto e apenas 5,3% durante o trabalho de parto. Analisando-se a causa direta da morte fetal de acordo com a declaração de óbito ou ficha de investigação, 30,43% dos óbitos ocorreram por causas indefinidas e 26,08% por causas maternas e placentárias. Dentre estas são destacadas: Síndromes Hipertensivas (21,73%), Síndromes Hemorrágicas (4,34%), Malformações fetais (13,04%), Infecções (4,34%), causas feto-anexiais (descolamento prematuro da placenta e síndrome da aspiração meconial) (17,39%) e as complicações específicas do trabalho de parto e do parto (8,69%).
A análise percentual das variáveis maternas, fetais e demográficas foi realizada para determinação dos fatores associados à natimortalidade. A ausência de pré-natal e o número de consultas pré-natal menor que seis foram identificados como fatores de risco significativos para o aumento da natimortalidade, verificando-se uma probabilidade de ocorrer o óbito em 61,9% nesse grupo de gestantes. Em relação ao período de início das consultas de pré-natal, foi notado que o óbito esteve presente em 71,42% das grávidas que iniciaram as consultas após o primeiro trimestre de gestação ou que não realizaram. Quanto às principais co-morbidades encontradas durante a gestação, foi possível notar que a infecção do trato urinário esteve presente em 43% das grávidas, sendo referido como recorrente na maioria dos casos. As síndromes hipertensivas (HAS crônica, DHEG, pré-eclâmpsia, eclâmpsia e síndrome HELLP) acometeram 34,78% das gestantes envolvidas no desfecho. Foi encontrada uma chance de 26% de os natimortos serem filhos de mulheres que tiveram as seguintes complicações durante a gestação: rotura prematura de membranas, trauma, diabetes gestacional ou corioamnioíte. Uma importante associação foi encontrada entre natimortalidade e a variável duração da gestação, com 69,56% dos óbitos ocorrendo nas mulheres com mais de 32 semanas. Os outros 30,43% dos óbitos foram de fetos com menos de 32 semanas. Ao se estudar a variável demográfica que avalia o local onde ocorreu o parto, chegou-se à conclusão de que 68,42% destes se deram no interior da Unidade Hospitalar Vó Mundoca, que é a única maternidade do município credenciada para atendimentos obstétricos de nível secundário. Após análise cuidadosa de cada prontuário ou ficha de investigação, algumas informações importantes para chegar aos cálculos percentuais de cada variável analisada com o desfecho do óbito, não foi possível obter os dados, criando-se uma variável denominada Ausência de informação.
Analisando o coeficiente de mortalidade fetal aqui encontrado, há que se ressaltar que o estudo foi conduzido em uma cidade com aproximadamente 100% dos atendimentos de saúde prestados à população realizados através da rede de atenção do SUS, em especial a Atenção Primária. Borba também se destaca por possuir toda sua atenção primária dentro da Estratégia de Saúde da Família, integrando diversos serviços para provimento de atenção à saúde de qualidade para toda a população. Assim, demonstrando uma taxa de mortalidade fetal abaixo da média nacional (11/1.000) e do Estado do Amazonas (10,11/1.000) nascimentos (BRASIL, 2014a).
O fator de risco que apresenta maior possibilidade de intervenção no sentido de se atenuar os índices de natimortalidade é o número de consultas de pré-natal. Ao se comparar os casos estudados, pode-se observar que as gestantes que realizaram menos do que seis consultas de pré-natal foram 61,9% (n=13) do total de gestantes. O início precoce da assistência pré-natal permite a identificação de fatores relacionados a desfechos desfavoráveis, bem como intervenções que se façam necessárias. O pré-natal de qualidade, e não só a frequência de comparecimento, é indispensável, pois alguns autores apontam a qualidade do seguimento gestacional como um indicativo de bom prognóstico. A não realização do seguimento é fator de risco isolado tanto em países desenvolvidos como em desenvolvimento (TREVISAN et al, 2002; LANSK, FRANÇA & LEAL, 2002; KLEIN et al, 2012).
As síndromes hipertensivas são responsáveis por expressivos índices de morbimortalidade em relação ao produto da concepção, seja por alterações do fluxo placentário determinadas pela doença ou seu tratamento, seja ainda pela prematuridade terapêutica relacionada à interrupção precoce da gestação nas formas graves dessa síndrome. De forma similar, outros autores citam esta variável como a causa isolada mais prevalente de mortalidade fetal intraútero, tanto em países em desenvolvimento quanto em países desenvolvidos, onde a qualidade da atenção pré-natal é superior (CORDOVIL & VASCONCELOS, 2003; ANDRADE et al, 2009; BARRETO, NETY & MENDES, 2011). A Infecção do Trato Urinário – ITU representa uma das doenças infecciosas mais comuns durante a gestação, com frequência variando de 5 a 10%. Essa infecção pode ser sintomática ou assintomática, notando-se na gravidez a ocorrência de fatores que facilitam a mudança de infecções assintomáticas para sintomáticas (DELZELL & LEFEVRE, 2000; DUARTE et al, 2003). Dentre as complicações perinatais das ITU, destacam–se o trabalho de parto e parto pré–termo, recém–nascidos de baixo peso, ruptura prematura de membranas amnióticas, restrição de crescimento intraútero, paralisia cerebral/retardo mental e óbito perinatal. Entende-se assim que as gestações complicadas por infecção urinária também estão associadas ao aumento de mortalidade fetal (NOGUEIRA & MOREIRA, 2006; DUARTE, MARCOLIN & QUINTANA, 2008). Em relação a variável demográfica que analisa o local de origem das gestantes envolvidas no estudo, detectou-se forte associação da procedência da zona rural (65,21%, n=15) com o desfecho obstétrico, indicando uma maior dificuldade de acesso aos serviços de saúde reprodutiva (MARTINS et al, 2013). Segundo Barbuscia e Rodrigues Júnior (2011), o preenchimento da DO e ficha de investigação fetal também foram classificados como precários ou regular, indicando uma inadequada captação dos dados, com destaque para ausência de informação do peso ao nascer, duração da gestação e idade da mãe. Mostrando que o preenchimento faltoso destes documentos já vem ocorrendo há bastante tempo, não sendo um problema isolado.
Conclusões:
Como forças do estudo, se pode destacar o enfoque na combinação de falha no atendimento pré-natal com o óbito fetal, fenômeno ainda pouco estudado no cenário brasileiro. Também, a relação dos óbitos foi obtida de fonte oficial (Secretaria Municipal de Saúde), sendo as causas relacionadas à morte do concepto revisadas, em uma amostra de prontuários e fichas de investigação, por dois revisores, em momentos diferentes, proporcionando melhor qualidade da informação coletada. Em nossa opinião, é importante que a análise do óbito fetal em regiões do interior do Brasil, seja realizada continuamente. Porque, assim, subsídios importantes são oferecidos às autoridades ligadas à Saúde Pública e à própria comunidade local, na identificação dos problemas e no direcionamento das ações prioritárias em saúde reprodutiva.
Palavras-chave
Referências
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