Rede Unida, Encontro Regional Norte 2015

Tamanho da fonte: 
Relato de experiência em Puericultura comunitária no coração de Manaus
Naila Mirian Las-Casas Feichas, Adriana Bia Sarrazin, Mauro Cristian Siqueira Cabus, Paula Rafaelle Sanchez Arruda, Denise Maria Souza da Silva, Maria Aparecida Silva Pontes, Joana Maria Soares Souza, Maria do Livramento Nascimento de Lima, Maria das Neves Martins Moraes

Última alteração: 2016-05-30

Resumo


A experiência relatada tem acontecido nos últimos 10 anos numa comunidade carente em Manaus, Amazonas. A comunidade União surgiu na década de 70, após invasão da área na zona Sul da cidade de Manaus, com distintos atores motivados por necessidade habitacional. O hoje Bairro União é um retrato de um território ocupado desordenadamente, com ruas estreitas; cortado por igarapé, representando um risco ambiental local importante; além de ausência de planificação de infra-estrutura local e com uma população de baixo poder aquisitivo. É cortada pelo igarapé do Bindá que qual sofre frequentes inundações no período de chuvas amazônicas invadindo muitas casas da comunidade com grandes danos sociais e econômicos (SEMSA Manaus, 2005).

Neste cenário surgiu O Grupo de Bebês em 2006, por iniciativa da médica da Estratégia da Saúde da Família e teve como objetivo inicial conseguir acompanhar a maioria dos bebês desta área com o número de consultas mínimas preconizados pelo Ministério da Saúde (7 consultas no primeiro ano de vida - 1º, 2º, 4º, 6º, 9º e 12º. mês e duas consultas no segundo ano de vida - 18º e 24º mês com consultas anuais a partir daí) (BRASIL, 2009a). Como a população adscrita para acompanhamento pela Equipe Saúde da Família estava em torno de 5.920 pessoas, com uma média de 210 crianças entre 0 e 24 meses, a equipe sentia a dificuldade de proporcionar o acompanhamento adequado na lógica de consultas de puericultura. Acrescente-se ao grande número de bebes, a pequena estrutura física da Unidade Saúde da Família com apenas um consultório para atendimento médico e de enfermagem, curativos e retirada de pontos. Nos últimos anos, outra dificuldade tem se apresentado à equipe: como acompanhar uma população sem Agente Comunitário de Saúde - ACS? Há microáreas no Bairro União que estão sem ACS mas continuam vinculadas e acompanhadas pela equipe, apesar de não ser da forma preconizada. Através do grupo de bebês, conseguimos manter o acompanhamento mais regular dos bebês e mães destas microáreas.

Mensalmente é feito o acompanhamento das duplas de mães e seus bebês entre 0 e 24 meses de vida. Os encontros já ocorreram em parceria com uma igreja do bairro e, nos últimos anos, têm sido realizados na Unidade de Assistência Social (CRAS) do Bairro União, sempre na primeira quarta-feira de cada mês. No CRAS, a estrutura física tem sido adaptada aos encontros já tendo ocorrido num salão sem ventilação e com muito barulho pelo trânsito de carros ao lado e, ultimamente, em uma sala refrigerada mas que está se mostrando pequena para o número de mães e bebês presentes. Estas estratégias envolvem a equipe de saúde da família, os residentes de medicina de família e comunidade, os internos e acadêmicos de medicina e são convidadas a participar todas as mães e seus bebês de 0 a 2 anos (limite de idade a depender do peso que a balança pode aferir e da estatura que a régua afere).

Em todos os encontros, abordam-se os cuidados com os bebês, aleitamento materno e a experiência de cada dupla mãe-bebê, os primeiros passos na alimentação dos bebês, as vacinas, os marcos do desenvolvimento infantil e os dados antropométricos (BRASIL, 2009a, 2009b). Ao final de cada encontro, o próximo é agendado na caderneta das crianças e também afixado na unidade de saúde. Na consulta de puerpério, as mães e bebês são convidados a participarem do próximo grupo e anotado na caderneta da criança deles.

A cada mês, procura-se conversar sobre temas relevantes para a dupla mãe-bebê como, por exemplo, um tema que surgiu após o relato de experiência de uma mãe sobre o sono do seu bebê ou sobre como umidificar o ar que está muito seco e quente neste verão manauara, mas sem esquecer do risco de dengue. Valorizam-se a fala e experiências das mães, suas vivências como forma de empoderá-las enquanto protagonistas do cuidado de seus filhos e orientadoras e apoiadoras umas das outras (MERHY, 1997).

No início, muitas mães traziam seus bebês por estarem adoecidos e ser esta uma forma rápida e sem agendamento prévio de ter atendimento médico. A cada encontro, recebíamos em média 20 duplas de mães e bebês, algumas vezes com os irmãos mais velhos ou os pais, raramente, com as avós. Ultimamente, a freqüência tem sido maior (em média 35 duplas). O grupo de bebês e mães, que começou para suprir uma necessidade da equipe de saúde no sentido de conseguir acompanhar os bebês com o mínimo de consultas preconizados pelo Ministério da Saúde, acabou tornando-se um momento de trocas entre as mães e a equipe, com muitos bebês vindo todos os meses, não perdendo os encontros.

Durante o grupo, os bebês que apresentem alguma alteração antropométrica ou no desenvolvimento neuro-cognitivo, são agendadas mais rapidamente à consulta médica; bem como aqueles que tenham alguma alteração clínica que não possa ser suprida no grupo. Como experiência de compartilhamento de conhecimento e de promoção da saúde, os grupos, e este em particular, potencializa o desejo de estimular o cuidado e de fomentar redes potentes de apoio comunitário. Na própria equipe de saúde percebe-se a mudança de acolhimento destas duplas pois, como fala um dos técnicos de enfermagem, ‘são do grupo’ então, tem seu atendimento assegurado e agilizado, sempre que necessário.

Os desafios a enfrentar são cotidianos como a estrutura física que, graças a parceria com o CRAS e sua equipe sempre disposta a ajudar, têm sido superados. Até uma sala maior eles estão se mobilizando para conseguir. A própria equipe Saúde da Família já teve momentos de menor participação nos grupos, sendo muitas vezes salutar para todos uma injeção de ânimo o que a procura das mães pelo atendimento grupal incentiva. A participação dos acadêmicos e internos de Medicina tem sido de forma pontual e esporádica mas poderia ser melhor vivenciada por eles e por outros acadêmicos de áreas afins como enfermagem, nutrição, psicologia. Talvez um dos maiores desafios seja conquistar mais mães e bebês para o grupo, notadamente, os que estão na periferia da vida, marginalizadas pelo uso de drogas, pela violência, pela deficiência mental. Estas mães não vêm ao grupo e, quase nunca, às consultas.

Há, portanto, muito a ser fazer para tornar os grupos locais de trocas mais efetivas, de empoderamento (SLOMP, FEUERWERKER & MERHY, 2015) das mães no seu lidar cotidiano com seus bebês e nos inúmeros enfrentamentos diários numa comunidade carente com problemas crônicos de alagamentos e violência. Temos tentado construir com os profissionais de saúde e as mães, um projeto compartilhado de cuidar (MERHY, 1997) em que o acompanhamento seja mais próximo entre a unidade de saúde e sua equipe e a comunidade que atende.

 


Palavras-chave


puericultura; medicina de família e comunidade; saúde da família

Referências


BRASIL. Ministério da Saúde. Caderno de Atenção Básica no.23, Brasília, 2009a.

_______. Ministério da Saúde Caderno de Atenção Básica no.33, Brasília, 2009b

MERHY, E. E. Em busca do tempo perdido: a micropolítica do trabalho vivo em ato, em saúde. In: MERHY, E. E.; ONOCKO, R. (orgs.) Agir em saúde: um desafio para o público. São Paulo: Hucitec, 1997.

SEMSA Manaus. Relatório do território da Unidade Básica de Saúde Sul 150 baseado na ficha A do Ministério da Saúde. Manaus, 2005.

SLOMP JUNIOR, H.; FEUERWERKER, L.C.M.; MERHY, E.E. Histórias de vida, homeopatia e educação permanente: construindo o cuidado compartilhado. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 20, n. 6, p. 1795-1803, 2015.