Última alteração: 2016-05-30
Resumo
INTRODUÇÃO
A população rural brasileira reduziu o seu tamanho em mais de 50% de 1980 à 2010 (IBGE, 2010). No entanto, os habitantes das zonas rurais ainda somam mais de 30 milhões de brasileiros (15% da população total) e isso demonstra a necessidade do desenvolvimento de políticas e ações de Estado direcionadas, que promovam e recuperem a saúde dessa população, atendendo às suas demandas específicas.
Segundo Ando et al (2011), do grupo de trabalho de Medicina Rural vinculado à Diretoria de Medicina Rural da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC), em relação à saúde, o conceito de rural deve ser amplo o suficiente para envolver as diferentes realidades dos profissionais e da população brasileira. Deve estar suficientemente livre de limites rígidos de dados populacionais, geográficos, num sentido restrito (físico) e político. Deve ainda estar relacionado a características do sistema de saúde, da prática dos profissionais de saúde e das características biológicas das comunidades específicas. Para a SBMFC a saúde rural deve incluir as populações de áreas tradicionalmente vistas como rurais, mas também comunidades ribeirinhas; áreas indígenas; populações quilombolas, de pescadores, mineradores, de alguns trabalhadores temporários; migrantes; áreas remotas e locais de difícil acesso, mesmo dentro de grandes cidades, como favelas, áreas rurais incrustadas, municípios muito pequenos etc.
Costa et al (2013) em estudo que avaliou a percepção sobre a saúde ideal e real em jovens de comunidade rural de Carapió no Ceará concluiram que para os adolescentes das comunidades rurais a saúde está relacionada à condição social da sua família, à disponibilidade de lazer, comida e atendimento médico e odontológico e que a falta de perspectiva de futuro próspero na comunidade se torna uma preocupação constante.
Dimpério et al (2009) entenderam que a saúde rural não pode ser pensada e/ou executada como uma mera reprodução do modelo urbano. Diferentemente, precisa ser pensada enquanto estratégia de desenvolvimento rural, como um meio de assegurar a cidadania do homem do campo. A necessidade se evidencia quando nos deparamos com a variedade de problemas para gestores e equipes que buscam orientar e implementar as ações e com as percepções e as demandas dos usuários do sistema público de saúde no meio rural.
Quanto a obesidade, Ferreira et al (2013) estudaram a composição corporal de mais de 1700 mulheres alagoanas, comparando mulheres quilombolas e não quilombolas. Os autores destacaram a menor taxa de escolaridade do primeiro grupo correlacionada às maiores razões de prevalência para Hipertensão Arterial Sistêmica (RP: 1,81; IC:95%), para circunferência da cintura ≥80cm (RP: 1,23; IC:95%), para razão entre cintura e estatura RCE >0,5 (RP=1,11; IC95%) e para razão entre cintura e quadril ≥0,85 (RP=1,64; IC95%). A partir disso, concluiram que as mulheres quilombolas apresentam menor nível socioeconômico e estão sujeitas à um maior risco de obesidade abdominal e hipertensão arterial, fatores diretamente ligados à morbimortalidade por doenças cardiovasculares.
Soares & Barreto (2014) estudaram a prevalência de sobrepeso e obesidade corporal e de razão cintura-estatura aumentada nas comunidades quilombolas de Vitória da Conquista na Bahia e constataram que ambos foram maiores entre as mulheres em todas as faixas de idade quando comparadas com os homens. As maiores taxas de sobrepeso foram registradas entre as mulheres na faixa de 40-49 anos e entre os homens na faixa de 30-39 anos. Na análise univariável dos fatores associados ao sobrepeso, a chance de este ocorrer foi maior que o dobro para as mulheres em comparação aos homens. Os autores discutem os hábitos de trabalho árduo dos homens e a acomodação doméstica das mulheres como fatores determinantes para os resultados encontrados.
Travassos & Viacava (2007) em estudo que avaliou o acesso aos serviços de saúde de idosos em áreas rurais no Brasil encontraram uma proporção significativamente menor de consultas médicas, consultas odontológicas e cobertura de mamografia comparados à idosos residentes em perímetros urbanos. A dificuldade de acesso a especialistas e serviços de nível intermediário de saúde pelo SUS e as dificuldades financeiras para acesso aos serviços particulares resultaram em agravamentos desnecessários do estado de saúde dessa população e maior demanda hospitalar.
Gomes et al (2013) detectaram subutilização dos serviços de saúde para a população de idosos quilombolas de Vitória da Conquista-BA. Correlacionaram os resultados encontrados com o baixo nível socioeconômico e a não especialização do serviço prestado à população rural, salientou a necessidade de atendimento dirigido e adaptado à uma população mais carente, menos informada e menos assistida.
Bezerra et al (2013) em estudo transversal em comunidade quilombola de Vitória da Conquista-BA avaliaram a incidência de Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) e encontraram valores de 45,4% com índices associados às variáveis em estudo: idade, grau de escolaridade e classe social. O subgrupo dos ex-fumantes apresentou maior incidência de HAS (56,7%) do que o grupo que nunca fumou (39,2%) e em relação à circunferência da cintura, quando aumentada, houve um acréscimo de 70% da incidência da HAS.
Matozinhos et al (2011) estudaram a incidência de HAS em duas comunidades rurais do Vale do Jequitinhonha-MG e, através de analise multivariada, constataram como fatores associados diretos à hipertensão: altos níveis de insulina de jejum e de colesterol, razão cintura quadril elevada, aumento da idade e o sexo masculino. Pimenta et al (2008), em pesquisa realizada em uma das comunidades do estudo anterior relataram a incidência de HAS em 47,0% [IC (95%) = 41,1 – 53,0], associados também com o aumento da idade.
Silva et al (2010) em estudo que avaliou o uso dos serviços públicos por quilombolas no que diz respeito a DST/AIDS, constataram que uma série de mitos sobre a doença ainda é predominante no imaginário dessas populações. Os autores relataram crenças como a da transmissão por picada de insetos ou por banhar-se em rios ou lagos juntamente com pessoas portadoras do vírus e reafirmou a situação de vulnerabilidade da população negra na questão do acesso e da utilização dos serviços de saúde.
Reis et al (2008) pesquisaram o vírus da Hepatite C em 1007 pessoas de comunidades quilombolas do interior do Mato Grosso, encontraram baixa prevalência da infecção (0,2 %), o que se correlaciona com a baixa exposição aos fatores de risco.
Oliveira (2014) em análise da saúde materno-infantil em comunidades quilombolas no norte de Minas Gerais, avaliaram critérios de saúde em 645 mulheres e crianças em todas as comunidades quilombolas dessa região e encontraram os seguintes dados: 52,1% relatou a primeira gestação na adolescência, 35% relataram quatro ou mais gestações, distribuição irregular na realização de exames preventivos para o câncer de colo e 15,1% das mulheres nunca haviam feito o exame. Em relação ao ciclo gravídico-puerperal, 23,5% das mulheres referiram menos de seis consultas de pré-natal, 37,2% relataram início do pré-natal após o primeiro trimestre de gestação e 44,4% não fizeram consulta puerperal. Em relação às crianças, 15% nasceram com baixo peso, 9,4% tinham problemas crônicos de saúde
Guerrero et al (2007) avaliaram a mortalidade de menores de um ano de idade, em 6 comunidades quilombolas da cidade de Santarém-PA, e encontraram 30,4 óbitos/por mil nascidos vivos para os quilombos em terra firme e de 50, óbitos/por mil nascidos para os quilombos das áreas de várzea. Quando comparadas com as taxas do país (27,0 óbitos/por mil nascidos vivos), da região Norte (26,2 óbitos/por mil nascidos vivos), e da população negra rural do estado do Pará (32,9 óbitos/ por mil nascidos vivos), evidenciam a precariedade da saúde dessa população, a falta de políticas de saúde e práticas que diminuam a mortalidade infantil.
CONCLUSÃO
A análise realizada nos estudos sobre a população rural brasileira, sobretudo quilombola, evidenciou a fragilidade da situação de saúde desse povo e alerta para os dados encontrados, na sua grande maioria piores quando comparados à população brasileira em geral. Ficou evidente que a baixa escolaridade e o menor nível socioeconômico são fatores agravantes para todos os indicadores estudados e constituem um desafio na atenção à saúde.
A população rural possui hábitos singulares, crenças e saberes próprios que devem ser sempre considerados no planejamento das ações. A obesidade se mostrou fortemente associada à distribuição clássica dos afazeres, sendo os homens encarregados pelo trabalho braçal e as mulheres encarregadas em cuidar da casa ficando assim mais susceptíveis à essa doença.
O planejamento das políticas voltadas à essa população deve levar em conta a necessidade de estruturação do meio rural brasileiro, visto que a migração para as cidades constitui um desfecho quase inevitável para os idosos e tentador para os jovens. A fixação dos jovens no campo se torna cada vez mais importante, uma vez que a população rural está envelhecendo e uma crise de mão de obra pode tornar-se realidade. Da mesma forma, somente com a oferta de serviços de saúde especializados os idosos poderão viver com mais conforto e segurança.
É imperioso que o acesso aos serviços seja melhorado, uma vez que os estudos mostraram a maior dificuldade enfrentada pela população rural para obtenção da atenção em saúde, refletida nos indicadores. A aproximação dos profissionais à população se faz necessária para a melhora de todos os indicadores estudados.
Palavras-chave
Referências
ANDO, N.M.; et al. Declaração de Brasília: “O conceito de rural e o cuidado à saúde”. Rev Bras Med Fam Comunidade. Florianópolis, v.6, n.19, p. 142-4, 2011.
BEZERRA, V.M.; et al. Comunidades quilombolas de Vitória da Conquista, Bahia, Brasil: hipertensão arterial e fatores associados. Cad Saúde Pública Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, v.29, n.9, p.1889-1902, 2013.
COSTA, A.G.M.; et al. Percepção de saúde entre adolescentes de comunidade rural: entre o ideal e o real. Rev Eletr Enf. v. 15, n.4, p.870-7, 2013. Disponível em: http://dx.doi.org/10.5216/ree.v15i4.19710. Acesso em: 04.out.2015.
DIMPÉRIO, M.G.S.; et al. Saúde rural: o caso da Linha das Flores- distrito do município de Santa Rosa-RS. In: SOBER 47 Congresso, 2009. Porto Alegre. Disponível em: http://www.sober.org.br/palestra/13/849.pdf., Acesso: 04.out.2015.
FERREIRA, H.S.; et al. Composição corporal e hipertensão arterial: estudo comparativo envolvendo mulheres das comunidades quilombolas e da população geral de Alagoas, Brasil. Rev Nutrição. Campinas, v. 26, n. 5, p. 539-549, 2013.
GUERRERO, A.F.H.; et al. Mortalidade infantil em remanescentes de quilombos do município de Santarém - Pará, Brasil. Rev Saúde Soc. São Paulo. v.16, n.2, p.103-110, 2007.
GOMES, K.O.; et al. Utilização de serviços de saúde por população quilombola do sudoeste da Bahia, Brasil. Cad Saúde Pública Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. v. 29, n. 9, p. 1829-1842, 2013.
IBGE. Censo Demográfico 1980, 1991, 2000 e 2010. Disponível em: http://7a12.ibge.gov.br/vamos-conhecer-o-brasil/nosso-povo/caracteristicas-da-populacao Acesso em 19.mai.2015.
MATOZINHOS, F.P.; et al. Fatores associados à hipertensão arterial em populações rurais. Rev Min Enferm. Belo Horizonte, v. 15, n. 3, p. 333-340, 2011.
OLIVEIRA, S.K.M.; et al. Saúde materno-infantil em comunidades quilombolas do norte de Minas Gerais. Cad Saúde Colet. Rio de Janeiro, v. 22, n. 3, p. 307-13, 2014.
PIMENTA, A.M.; et al. Associação entre obesidade Central, triglicerídeos e hipertensão arterial em uma área rural do Brasil. Arq Bras Cardiol. Belo Horizonte, v. 90, n. 6, p. 419-425, 2008.
REIS, N.R.S.; et al. Prevalence of hepatitis C virus infection in quilombo remnant communities in central Brazil. Rev Inst Med Trop São Paulo, v. 50, n. 6, p. 359-360, 2008.
SILVA, M.J.G.; et al. Uso dos serviços de saúde para DST/HIV/aids por comunidades remanescentes de quilombos no Brasil. Rev Saúde Soc. São Paulo, v. 19, n. 2, p. 109-120, 2010.
SOARES, D.A.; BARRETO, S.M.; Sobrepeso e obesidade abdominal em adultos quilombolas, Bahia, Brasil. Cad Saúde Pública Rio de Janeiro, v. 30, n. 2, p. 341-354, 2014.
TRAVASSOS, C.; VIACAVA, F. Acesso e uso de serviços de saúde em idosos residentes em áreas rurais, Brasil, 1998 e 2003. Cad Saúde Pública Rio de Janeiro, v. 23, n. 10, p. 2490-2502, 2007.