Rede Unida, Encontro Regional Norte 2015

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“O sorriso de Romero”: arte e saúde bucal no PSE. Relato de experiência intersetorial
NARA MUNIK DE OLIVEIRA MARTNS, LUCIMEIRE WAUGHAN

Última alteração: 2016-05-30

Resumo


Introdução

Educação em saúde pode ser entendida como quaisquer combinações de experiências de aprendizagem delineadas com vistas a facilitar ações voluntárias conducentes à saúde. Assim merece destaque três palavras: combinação, delineada e ação. A palavra combinação faz referência a importância de combinar múltiplos determinantes do comportamento humano com múltiplas experiências de aprendizagem e de intervenções educativas. A palavra delineada faz referência a atividade sistematicamente planejada. Ação diz respeito a medidas comportamentais adotadas por uma pessoa, grupo ou comunidade para alcançar um efeito intencional sobre a própria saúde (CANDEIAS, 1997).

A educação em saúde constitui-se como componente do amplo processo de educação, podendo ser considerada um importante instrumento não só para replicação e difusão de conhecimentos, mas também para a construção de conhecimentos e execução de atividades que respeitem, compreendam e incluam as mais variadas formas de cultura, configuradas a partir do entendimento e caracterização do processo saúde/doença como uma instância de produção de sujeitos e identidades sociais (MEYER et al. 2006).

A política nacional de saúde bucal propõe um processo de trabalho que requer, dentre outros, a interdisciplinaridade e multiprofissionalismo no qual a atuação da equipe de saúde bucal – ESB não deve se limitar exclusivamente ao campo biológico ou ao trabalho técnico-odontológico, a equipe deve interagir com profissionais de outras áreas, de forma a ampliar seu conhecimento, permitindo a abordagem do indivíduo como um todo, atenta ao contexto socioeconômico-cultural no qual ele está inserido. A troca de saberes e o respeito mútuo às diferentes percepções deve acontecer permanentemente entre todos os profissionais de saúde para possibilitar que aspectos da saúde bucal também sejam devidamente apropriados e se tornem objeto das suas práticas (BRASIL, 2004).

As ações de promoção de saúde são mais efetivas se a escola, o local de trabalho, o comércio, a mídia, a indústria, o governo, as organizações não-governamentais e outras instituições estiverem envolvidas. A intersetorialidade neste sentido implica envolver no planejamento os diferentes setores que influem na saúde humana: entre outros a educação, agricultura, comunicação, tecnologia, esportes, saneamento, trabalho, meio ambiente, cultura e assistência social (BRASIL, 2004).

Nessa perspectiva, com a finalidade de contribuir para a formação integral dos estudantes da rede pública de educação básica por meio de ações de prevenção, promoção e atenção à saúde, foi instituído em 2007 pelo decreto presidencial nº 6.286 o Programa Saúde na Escola (PSE), do Ministério da Saúde e do Ministério da Educação (BRASIL, 2007).

O PSE é uma política intersetorial da saúde e da educação voltada às crianças, adolescentes, jovens e adultos da educação pública brasileira unida para promover saúde e educação integral. A articulação entre escola e rede básica de saúde é a base do PSE (BRASIL, 2013).

A escola surge como um espaço de relações, contribui para construção de valores pessoais, crenças, conceitos e maneiras de conhecer o mundo, interfere diretamente na produção social da saúde. Nesse contexto a escola é um espaço privilegiado para práticas de promoção de saúde e de prevenção de agravos à saúde e de doenças. A articulação entre escola e unidade de saúde (inclui-se equipes de saúde bucal) é, portanto, uma importante demanda do Programa Saúde na Escola (BRASIL, 2011).

As equipes de saúde bucal devem se predispor a enfrentar os desafios das ações que visam garantir oportunidade a todos os educandos de fazerem escolhas mais favoráveis à saúde e de serem, portanto, protagonistas do processo de produção da própria saúde (componente II do PSE), isto é, trabalhar as temáticas por meio de metodologias participativas e ativas de aprendizagem, que superem e componham com as tradicionais ações de repasse de informações relevantes. À medida que os profissionais da área da saúde e da educação propõem-se a planejar, executar e avaliar as ações coletivamente poderão trocar saberes sobre as práticas pedagógicas mais interessantes e contundentes para abordagem dos temas de promoção da saúde e prevenção de doenças e agravos.

Nessa perspectiva, a Equipe de Saúde Bucal coordenada pelo profissional cirurgião-dentista desempenha um papel fundamental para o desenvolvimento e difusão de práticas voltadas à educação em saúde bucal, as ações de promoção e proteção à saúde praticadas pelas equipes de saúde bucal devem incluir ações de nível individual e ou coletivo. As ações de educação em saúde compreendem ações que objetivam a apropriação do conhecimento sobre o processo saúde-doença incluindo fatores de risco e de proteção à saúde bucal, assim como possibilitar ao usuário mudar hábitos apoiando-o na conquista de sua autonomia. A Política Nacional de Saúde Bucal recomenda que os conteúdos de educação em saúde bucal devem ser pedagogicamente trabalhados, preferencialmente de forma integrada com as demais áreas. Podendo ser desenvolvidos na forma de debates, oficinas de saúde, vídeos, teatro, conversas em grupo, cartazes, folhetos e outros meios (BRASIL, 2004).

Entretanto, têm-se observado que, apesar da existência de vários programas de saúde bucal, a dimensão educativa é pouco desenvolvida e, quando realizada, está fortemente apoiada em práticas de transmissão de conhecimentos, sem espaço para práticas dialógicas capazes de mobilizar as crianças quanto à problemática da saúde bucal. É preciso substituir modelos ancorados em práticas de comunicação unidirecional, dogmática e autoritária com foco na transmissão de informação, pela discussão e reflexão, desencadeadas pela problematização de temas de saúde bucal (PAULETO; PEREIRA e CYRINO, 2004).

Dentre as atividades de saúde bucal realizadas em escolas brasileiras durante o período de 2002 a 2012, chama a atenção que as formas de aprendizagem ativa, assim como atividades práticas e lúdicas ainda competem em desvantagem com metodologias nas quais o sujeito é passivo em relação ao seu aprendizado sem introdução de estratégias inovadoras nas abordagens educativas. Houve predominância de ações educativo-preventivas, utilização de recursos audiovisuais, demonstrações práticas de escovações e escovação supervisionada (SITYÁ et al., 2014).

Considerando que as estratégias educativas em saúde são componentes do processo de aprendizagem, e, quando usadas de maneira participativa e interativa, podem facilitar a produção de conhecimentos para crianças em idade escolar (VASCONCELOS et al., 2008), as equipes de saúde bucal devem praticar educação em saúde de maneira interativa e participativa para promover a autonomia dos indivíduos visando manter os cuidados com sua própria saúde, em especial com a saúde bucal. Considerando ainda que a escola é um espaço importante de informação em saúde e deve aproveitado de forma mais efetiva (VASCONCELOS et al., 2001), torna-se propício e extremamente produtiva a ação de educação em saúde intersetorial, praticada pela equipe de saúde bucal e professores de escolas. Assim o presente trabalho relata experiência educação em saúde baseada no conceito de proposto por Candeias (1997), cujo objetivo foi estimular alunos do 9° ano participantes do PSE da Escola Municipal Senador Fábio de Lucena Bittencourt, Manaus, Amazonas a expressar através da arte a importância dos cuidados para manutenção da saúde bucal e para tal planejou-se atividade de educação em saúde intersetorial, intitulada O sorriso de Romero, arte em saúde bucal no PSE, desenvolvida por profissionais da saúde e da educação.



Desenvolvimento

Romero Britto, famoso pintor e artista plástico brasileiro conhecido pelo seu estilo alegre e colorido, por apresentar uma arte pop, despojada da estética clássica e tradicional é considerado pintor brasileiro mais bem-sucedido no exterior (SILVA, 2014). Com trabalhos exibidos em galerias de arte e museus em mais de 100 países sua arte se popularizou e estampou peças de vestuários, calçados, bolsas, acessórios, utensílios domésticos e até móveis, assim despertou o interesse da equipe de saúde, professores e alunos inspirando uma proposta de trabalho de educação em saúde explorando o tema saúde bucal através de pinturas de telas, utilizando a técnica de Romero Britto na escola.

A primeira etapa consistiu em reunião entre a equipe de saúde bucal (cirurgiã-dentista e atendente de consultório dentário) e os professores da escola para o planejamento de ações intersetoriais. A disciplina artes foi contemplada para ação e a partir de conversas entre equipe de saúde e professora, concordou-se em realizar a oficina “O sorriso de Romero”, para ensino e prática da técnica de artes plásticas de Romero Britto.

A segunda etapa consistiu em realização de palestra com o tema: saúde bucal, cuide do seu sorriso, ensino das técnicas de escovação dentária e distribuição de kits de higiene oral seguida de escovação dentária supervisionada e aplicação tópica de flúor.

A terceira etapa consistiu em criar uma página no Facebook para publicar o passo a passo da atividade, seguida da realização, em sala de aula, da oficina de arte em saúde bucal para o ensino dos cinco passos* da técnica de Romero Brito, são eles, o primeiro passo: desenhar sob a tela uma imagem alusiva ao tema saúde bucal, cada estudante participante teve liberdade de escolha do desenho e técnica para produção do desenho, assim como foi permitido utilizar papel carbono para transferência de desenho para a tela; o segundo passo constituiu na aplicação da técnica de artes plásticas de Romero Britto, ou seja, após o desenho inicial os estudantes foram instruídos a fazer formas geométricas e linhas aleatórias por cima do desenho; o terceiro passo constituiu na escolha das cores que não combinem entre si; para o quarto passo, utilizou-se tinta acrílica e ou tinta de tecido para colorir a tela com as cores diferentes; e para finalizar o quinto passo, realizado através do contorno com traços na cor preta e com intensidades diferentes, constituiu o acabamento e finalização da tela.

Após a produção das telas realizou-se uma exposição de artes aberta a comunidade, intitulada “ O sorriso de Romero” em comemoração à semana do sorriso realizada na escola a partir de uma parceria entre a Secretaria Municipal de Educação e Secretaria Municipal de Saúde.



Conclusão

A educação em saúde, é fundamental no processo de aprendizagem dos escolares a pintura destacou-se como uma ferramenta adequada para motivação aos cuidados em saúde bucal.

A partir de uma ação inédita, intersetorial criativa e inovadora pôde-se reforçar tanto o vínculo entre Equipe de Saúde Bucal e escola, quanto a importância da inserção da saúde bucal no processo da educação na vida escolar, pois a equipe pode e deve atuar como facilitadora para mobilizar e sensibilizar os alunos, acerca de hábitos fundamentais para qualidade de vida.

Assim, percebe-se que é possível e imprescindível que a equipe de saúde bucal esteja aberta, pré-disposta a organizar, planejar e desenvolver ações educativas intersetoriais voltadas à promoção e cuidados direcionados aos escolares de forma mais atrativas, criativas e prazerosas tanto aos alunos e professores quanto aos profissionais de saúde.


Palavras-chave


educação em saúde; saúde bucal; escovação dentária

Referências


BRASIL. Ministério da saúde. Secretaria de atenção à saúde. Departamento de atenção básica. Coordenação nacional de saúde bucal. Diretrizes da política nacional de saúde bucal. 2004.

_______. Decreto nº. 6.286, de 5 de dezembro de 2007. Institui o Programa Saúde na Escola - PSE, e dá outras providências. 5, dez/2007.

_______. Ministério da Educação. Manual instrutivo Programa Saúde na Escola. Brasília, 2013.

CANDEIAS, N. M. F. Conceitos de educação e de promoção em saúde: mudanças individuais e mudanças organizacionais. Rev Saúde Pública, v. 31, n. 2, p. 209-13, 1997.

MEYER, D. E. E. et al. "Você aprende. A gente ensina?": interrogando relações entre educação e saúde desde a perspectiva da vulnerabilidade. Cad Saúde Pública, Rio de janeiro, v. 22, n. 6, p. 1335-1342, 2006.

PAULETO, A. R. C; PEREIRA, M. L. T.; CYRINO, E. G. Saúde bucal: uma revisão crítica sobre programações educativas para escolares. Ciênc saúde coletiva, v. 9, n. 1, p. 121-30, 2004.

SILVA, G. Romero Britto, o brasileiro mais poderoso e (odiado) da arte contemporânea. Revista GQ Digital Brasil, Miami, 16 nov 2014. Disponível em <http://gq.globo.com/Prazeres/Poder/noticia/2014/11/romero-britto-o-brasileiro-mais-poderoso-e-odiado-da-arte-contemporanea.html> acesso em 05 out 2015.

SITYÁ, D. S. et al. Análise de programas escolares de saúde bucal no brasil. Revista da faculdade de odontologia-UPF, v. 19, n. 3, 2014.

VASCONCELOS, R.; et al. Escola: um espaço importante de informação em saúde bucal para a população infantil. Brazilian Dental Science, v. 4, n. 3, 2001.

VASCONCELOS, V. M.; et al. Educação em saúde na escola: estratégia em enfermagem na prevenção da desnutrição infantil. Cienc Cuid Saúde, v. 7, n. 3, p. 355-362, 2008.