Rede Unida, Encontro Regional Norte 2015

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Dinâmica da roda dos alimentos utilizada como instrumento educacional na gestação
Isabelle Melo da Camara, Celsa da Silva Moura Souza, Rosana Pimentel Correia Moyses, Maria Regina Torloni, Erika Barbosa Camargo

Última alteração: 2016-05-30

Resumo


INTRODUÇÃO

Este trabalho traz um relato de experiência sobre uso de uma estratégia pedagógica para incentivar o aumento no consumo de cálcio na gestação, visando a diminuição da insegurança alimentar e nutricional vinculada ao déficit deste mineral e o aparecimento de doenças hipertensivas da gravidez. Método: Inserido no contexto de um ensaio clínico randomizado por cluster que abrangeu 184 grávidas que realizavam o acompanhamento pré-natal em unidades básicas de saúde da cidade de Manaus, a metodologia educacional da roda dos alimentos foi trabalhada com 84 gestantes, com seleção por livre demanda. Esta pesquisa avaliou a efetividade do método educativo nos resultados imediatos e repercussões tardias. Resultados: O estudo foi eficiente em demonstrar a falta de conhecimento nutricional prévio das gestantes sobre o teor do cálcio nos alimentos e sua relação com as doenças hipertensivas da gravidez, além de que serviu para corrobar a efetividade da metodologia da roda dos alimentos na passagem de informação nutricional e consequente aumento do consumo de cálcio na população analisada.

Segundo informações do Ministério da Saúde (BRASIL, 2012), a cada dia uma brasileira entre 10 e 49 anos de idade morre no país em decorrência de problemas hipertensivos da gestação, gerando um gasto anual de 28 milhões de Reais para o Sistema Único de Saúde. No Brasil e no Amazonas, as síndromes hipertensivas gestacionais ocupam o primeiro lugar nas causas de mortalidade materna direta. Estudos baseados no modelo de ensaio clínico há muito já comprovaram a existência da relação entre o maior índice de desenvolvimento das síndromes hipertensivas e o consumo deficiente de cálcio, característica da dieta amazonense. Segundo a revisão sistemática de ATALLAH, HOFMEYR e DULEY (2008), a suplementação com cálcio evidencia ser benéfica para mulheres com alto risco de hipertensão gestacional e em comunidades com baixa ingestão de cálcio, demonstrativo corrobado pela consideração da Organização Mundial da Saúde (WHO, 2011) em recomendar suplementação de cálcio (1,5g/dia a partir do segundo trimestre da gestação) para esses grupos de pacientes de maior vulnerabilidade. Contudo, ainda não existem diretrizes do Ministério da Saúde Brasileiro que indiquem a suplementação de cálcio para esse grupo de gestantes como um procedimento padrão do cuidado pré-natal. Ainda existem muitas barreiras para que essa ação possa ser implementada na prática, como a aceitação das gestantes, estratégias logísticas para a compra e técnicas de estocagem e distribuição do grande volume de comprimidos. Nesse cenário, as metodologias educativas nutricionais se mostram como uma ferramenta essencial que podem ser utilizadas para diminuir os riscos hipertensivos associados ao pobre consumo de cálcio, como ocorre no Estado do Amazonas. De aplicação pouco onerosa, os métodos educativos precisariam ter primeiro avaliada sua efetividade em aumentar a ingestão alimentar deste mineral, para que então pudessem ser utilizados em singularidade ou, no futuro, em concomitância com suplementações medicamentosas de cálcio.



DESENVOLVIMENTO

O estudo iniciou com a seleção da amostragem, selecionando Unidades Básicas de Saúde da cidade de Manaus/Amazonas de forma randomizada e aleatória por sorteio utilizando envelopes opacos e selados. Nessas unidades, trabalhou-se com gestantes que estivessem realizando o atendimento pré-natal, o qual é vinculado ao programa de saúde da mulher (Rede Cegonha). Um critério de inclusão utilizado foi a idade gestacional materna, que deveria estar entre a 16ª e 20ª semanas da gravidez. Essa faixa etária gestativa foi escolhida pois os estudos prévios de revisão bibliográfica supracitados demonstram que as ações voltadas para o aumento do insumo de cálcio na gravidez – sejam estas intervenções por metodologias ou suplementação – possuem maior efeito quando têm seu início realizado a partir do segundo trimestre da gestação, mais especificamente a partir da 16ª semana. Estas mulheres participaram de um contexto de pesquisa mais amplo que reuniu um total de 184 participantes, baseado na análise de questionários de frequência alimentar e recordatórios alimentares de 24 horas, e foram convidadas a participar da metodologia dinâmica da roda dos alimentos que está sendo analisada por este trabalho em questão. Por livre demanda, compareceram aos dias nos quais foram realizadas a atividade um total de 84 gestantes. O método era composto por dois momentos distintos. O primeiro momento tinha início através da passagem de informações básicas acerca do cálcio e da gestação do interlocutor para a plateia. Foram abordados os quesitos do que é o cálcio, como ele age no corpo humano, como ele participa da saúde da mãe e do feto na gestação, o que pode acontecer numa gravidez se houver deficiência deste mineral, com enfoque sobre a pré-eclâmpsia e a eclampsia, as quais tiveram uma explicação mais abrangente. De forma interativa, foi observado que a maioria das participantes conheciam um familiar ou amigo que já tinha sofrido com alguma das doenças hipertensivas da gestação ou já tinham ouvido falar de uma ou de ambas as enfermidades por alguma outra fonte de informações. Contudo, a capacidade de relacionar os alimentos ricos em cálcio à prevenção de tais acontecimentos era desconhecida pela quase totalidade das participantes envolvidas. Uma vez fornecido o conhecimento primordial acerca do tema, o interlocutor forneceu imagens de diversos alimentos que estão presentes de forma frequente no hábito alimentar da região amazonense. Forneceu-se ainda duas rodas coloridas de cartolina. Então, foi pedido que as gestantes trabalhassem em grupo e dividissem as imagens nas duas rodas de cartolina oferecidas: uma representaria o grupo de alimentos ricos em cálcio e outro representaria àqueles pobres em cálcio. Ao terminarem a execução do primeiro pedido, foram retiradas fotos das rodas alimentares para que depois se pudesse avaliar o conhecimento de base das participantes. Então, começou-se o segundo momento onde o interlocutor explanou sobre cada um dos alimentos fornecidos às participantes, abordando a presença e o teor de cálcio e comentando em qual das duas rodas ele se encaixaria corretamente. Além disso, esclareceu a necessidade de consumo e a frequência adequada daqueles alimentos para uma dieta saudável, trabalhando as classes nutricionais – carboidratos, lipídeos, proteínas, etc. – e relacionando-os aos grupos da pirâmide alimentar com explicação auxiliada por uma imagem demonstrativa ampliada da pirâmide. Em seguida, redistribuíram-se as imagens da dinâmica entre as gestantes, de forma que toda participante possuísse um exemplo de cada alimento disponível. Por fim, foi entregue às gestantes um ilustrativo de prato impresso em papel ofício e pediu-se que elas o preenchessem com alimentos que fossem ricos em cálcio e que elas teriam facilidade em incluir em alguma das refeições de seu dia-a-dia. Os pratos montados eram fotografados. A duração das dinâmicas tinha média de 1h 20min. Posteriormente, os materiais construídos pelas gestantes durante a atividade eram avaliados. A análise das rodas de alimentos mostrou que as gestantes associavam o cálcio a alimentos tidos como saudáveis pelo conhecimento popular tais como frutas, legumes e verduras; sem que houvesse uma real relação destes com um alto teor de cálcio. Alguns dos muitos exemplos que retratam esse dado era a inclusão do melão, da maçã, da melancia, da laranja, da cenoura e do tomate na roda que representava as comidas ricas em cálcio. Da mesma forma, muitos alimentos considerados pouco saudáveis pelo senso comum eram colocados no grupo pobre em cálcio, mesmo que estes fossem derivados lácteos. Exemplos são o enquadramento do bolo de chocolate, do chocolate em barra, do brigadeiro e do sorvete neste último grupo. Em algumas das dinâmicas essa evidência era mais acentuada, como um caso onde elas dividiram inclusive o leite do leite com achocolatado, incluindo o primeiro na roda de cartolina rica em cálcio e o segundo no grupo pobre em cálcio. Já a análise dos pratos montados pelas participantes no final da atividade demonstra que essa barreira de falta de instrução nutricional foi vencida, uma vez que as gestantes conseguiram identificar os alimentos verdadeiramente ricos em cálcio. Além disso, foi possível perceber que ao terem conhecimento de que todas as comidas podem ser consumidas na gestação contanto que na quantidade adequada, e após o aprendizado de novas fontes de cálcio, as gestantes possuiriam certa facilidade em incluir o mineral em suas refeições diárias aumentando o consumo prévio à atividade.



CONCLUSÃO

O estudo veio, antes de tudo, nos relembrar da importância da educação como ferramenta essencial para promoção de saúde e prevenção de doenças. Muitas vezes o limite que existe para o autocuidado é a falta de informações de qualidade sobre os diversos temas relacionados à saúde, incluindo nesse âmbito, a pré-eclâmpsia e a eclampsia. É essencial que os profissionais dignem tempo e invistam em dinâmicas didáticas e envolventes que consigam ter êxito na passagem desse conhecimento tão essencial. Nesse quesito, a atividade foi um sucesso inegável pois conseguiu, mesmo em um curto período de tempo trabalhado, criar vínculo e despertar o interesse das gestantes em participar de outras práticas educativas das Unidades Básicas de Saúde. Além disso, a própria equipe de saúde responsável pelo pré-natal das unidades onde as dinâmicas ocorreram se sentiu mobilizada, possibilitando apoio e práticas semelhantes no futuro. O despertar desse interesse em participação e do trabalho conjunto entre equipe de saúde e paciente é fator indispensável para o bom funcionamento da Rede Cegonha e à realização de um acompanhamento pré-natal de ótima qualidade. Na avaliação mais objetiva, a roda dos alimentos se mostrou útil para conseguir mobilizar grupos grandes e pequenos em uma interação proveitosa passível de transmitir conhecimento nutricional em saúde. Ademais, a metodologia também foi valiosa em conseguir mensurar o conhecimento das gestantes prévio à atividade.

 


Palavras-chave


Gravidez; Educação Alimentar e Nutricional

Referências


ATALLAH, A.N.; HOFMEYR, G.J.; DULEY, L. Suplementação com cálcio durante a gravidez para prevenir hipertensão e problemas relacionados. Revisão Cochrane In: La Biblioteca Cochrane Plus, n. 4, 2008 Disponível em: http://cochrane.bvsalud.org/cochrane/show.php?db=reviews_pt&mfn=19&id=&lang=pt&dblang=&lib=CCB#

BRASIL. Ministério da Saúde. Uma análise da situação de saúde e vigilância da saúde da mulher. Brasília, 2012.

WHO - WORLD HEALTH ORGANIZATION. The world health report: Recommendations for Prevention and Treatment of pre-eclampsia and eclampsia. Geneva: WHO, 2011.