Rede Unida, Encontro Regional Norte 2015

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Educação em Saúde no Programa de atividades motoras para lesados medulares - Uma visão Multiprofissional.
Sarah Almeida Cordeiro, Ana Elizabeth Souza Reis

Última alteração: 2016-05-30

Resumo


INTRODUÇÃO

O Programa de Atividades Motoras para Deficientes (PROAMDE) realiza atividades de reabilitação com lesados medulares. A partir das competências de cada profissional são administradas aulas específicas com intuito principal de melhorar a autoestima, manutenção e adaptação de funções físicas, motoras e fisiológicas, preparando-os para a reinserção social. Assuntos em comum, como prevenção de úlceras por pressão, constipação intestinal, reeducação alimentar, relacionamento interpessoal, dentre outros temas, são discutidos numa abordagem multiprofissional, extraindo dúvidas dos alunos e seus acompanhantes. Ao término da aula, são realizadas práticas educativas a fim de incentivar o conteúdo abordado na aula. Este trabalho visa relatar uma experiência da Educação em Saúde realizada pela Equipe de Residência Multiprofissional da Universidade Federal do Amazonas. Para pessoas com lesão medular, tais assuntos são necessidades comuns que se fazem importante para aquisição de uma vida diária com independência. Contudo, se faz necessário descobrir estratégias de ensino para que estes conteúdos possam efetivamente ter bons resultados. Logo, o envolvimento multiprofissional é o centro do processo pedagógico que auxilia tanto no aperfeiçoamento dos profissionais residentes, possibilitando o aprendizado em serviços com campos de atuação vivencial e, fortalecendo o trabalho coletivo, quanto na promoção da saúde e qualidade de vida dos lesados medulares.

A educação em saúde é um trabalho que vem sendo desenvolvido há décadas, sendo inicialmente chamada por Educação Sanitária, que surgiu no Brasil com a necessidade de controlar as epidemias de doenças infectocontagiosas, durante a República Velha, no início do século XX, que ameaçavam a economia agroexportadora do país. Nesse contexto o governo da época enfrentava os problemas de saúde pública por meio de campanhas sanitárias voltadas para combater as epidemias, ou seja, depois que as doenças já haviam tomado grandes proporções. As intervenções eram compostas por vacina obrigatória, vistoria nas casas, internações forçadas, interdição, despejos e informações sobre higiene e a forma de contágio das doenças, através de uma abordagem biologista (SILVA et al, 2010).

O segundo momento, marcado pela Era Vargas, surge com os primeiros centros de saúde em 1930, porém a saúde dos brasileiros continuavam a declinar aumentando a valorização da assistência médica individual na saúde pública. O que contribuiu para que as ações de saúde ficassem restritas aos programas e serviços destinados a pessoas de baixa renda. Somente em 1964, com a crescente piora da saúde pública, evidenciados pelo não controle das doenças, profissionais de saúde focaram suas práticas para a dinâmica e realidade das classes populares em conjunto com movimentos populares dando início a Educação Popular em Saúde. (VASCONCELOS, 2004).

A Educação Popular em Saúde é caracterizada como a teoria a partir da prática e não a teoria sobre a prática, como ocorre na educação em saúde tradicional. Para tanto, a Educação Popular em Saúde é pautada no diálogo e na troca de saberes entre o educador e educando, em que o saber popular é valorizado e o alvo do Movimento Popular em Saúde está nas discussões sobre temas vivenciados pela comunidade que levam a mobilização social para uma vida melhor. (MACIEL, 2009).

Nesta perspectiva, a educação em saúde viabilizou um modelo de saúde voltado para a prevenção e integralidade do atendimento. Outras características importantes são a valorização do saber popular e, o estímulo e respeito à autonomia do indivíduo no cuidado de sua própria saúde.

Com a finalidade de promover essa prática, desenvolvemos no Programa de Atividades Motoras para Deficientes (PROAMDE), um plano de abordagem multiprofissional com diversos temas voltados para a mobilização, independência, qualidade de vida e reinserção social.

DESENVOLVIMENTO

O Programa de Atividades Motoras para Deficientes (PROAMDE), é um programa de extensão institucionalizado da Faculdade de Educação Física e Fisioterapia (FEFF) da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), idealizado e fundado pela Professora Doutora Káthya Augusta Thomé Lopes.

O PROAMDE desenvolve suas atividades em dois polos, sendo um, o Hospital Universitário Getúlio Vargas (HUGV) atendendo pessoas com lesão medular, em parceria com o Programa de Alta para Pessoas Sequeladas (PAPS), numa atuação interdisciplinar (neurocirurgião, ortopedista, urologista, assistente social, profissionais de educação física, psicólogo, nutricionista, pedagogo, fisioterapeuta e farmacêutico) onde são realizadas visitas e acompanhamento desses pacientes com sequelas de lesão medular, visando diminuir o tempo entre a aquisição da deficiência e o conhecimento sobre as características inerentes a sua nova condição, para o alcance de uma vida o mais independente e produtiva possível.

Esta atuação é subdividida em duas etapas. Na primeira é realizado o acompanhamento interdisciplinar no leito, durante o período de internação hospitalar, atuação da equipe com o paciente e a família. Na segunda etapa, voltada às pessoas que foram atendidas na primeira etapa ou encaminhadas, é realizado atendimento ambulatorial interdisciplinar, para o qual é disponibilizado um ônibus adaptado do PROAMDE para o translado residência/HUGV/ residência.

A equipe multiprofissional visa favorecer a troca de saberes, fornecendo conhecimentos teóricos e práticos sobre vários aspectos, como o manejo em cadeira de rodas, transferências (ex: cama-cadeira, cadeira-chão e vice-versa) para melhor mobilidade em casa e na comunidade; condicionamento físico; aprendizagem do autocuidado, como higiene pessoal, auto cateterismo, prevenção de úlceras por pressão e de sequelas secundárias; conhecimento sobre os direitos da pessoa com deficiência e locais de atenção a pessoa com deficiência; aspectos nutricionais, suplementos alimentares; atendimento psicológico e acompanhamento pedagógico.

Atualmente estamos na segunda turma do segundo trimestre de 2015, com sete alunos. A partir do momento que o lesado medular passa a fazer parte do Programa, ele deixa de ser um paciente, e passa a ser chamado aluno. Cada turma corresponde em média três meses de atividades no polo HUGV, em duas sessões semanais, com quatro horas de duração. A turma é formada por 7 alunos, com histórico de lesão medular traumática e não traumática, com idades entre 20 e 47 anos.

Os planos de atividades foram abrangentes, na aula sobre relacionamento interpessoal, pôde-se abordar a importância de obter um bom relacionamento que, diante do relato dos profissionais do programa e, dos familiares dos alunos, descobrimos que a maioria deles estava com problemas em relacionar-se não só com a família, mas também com a sociedade, evitando o contato com pessoas, buscando o isolamento, tornando-se agressivo, intolerante e impaciente. Com o objetivo de melhorar o autoconhecimento e melhorar tais aspectos comportamentais discutimos sobre o relacionamento interpessoal, as percepções que eles tinham sobre o tema e o que o assunto poderia significar pra vida deles e daqueles que conviviam com eles. O tema foi abordado através da roda de conversa, conhecendo a realidade do outro, e oportunizando a troca de experiência.

Quebrando o tabu sobre sexualidade, outro tema de suma importância. Discutir o tema ainda não é tarefa muito fácil, especialmente em se tratando da sexualidade de portadores de deficiência física, os preconceitos e tabus ainda permanecem em nossa sociedade. A orientação sexual para lesados medulares ainda não está implantada em muitos programas de reabilitação, poucos trabalhos sobre o assunto são publicados no Brasil. Além disso, a falta de material, em língua portuguesa, dificulta a discussão entre profissionais a respeito dos conhecimentos sobre sexualidade como um fator de integração entre as pessoas deficientes. Para abordar esse tema, utilizamos recursos de mídia para apresentação de vídeos e slides, que ajudariam a compreensão sobre o assunto. Destacamos a função sexual antes e após a instalação da deficiência; desmistificamos sobre a libido como estimulador do desejo sexual que não depende somente da presença do estímulo genital e que outros estímulos eróticos podem levar à ereção e ao orgasmo, induzindo a um relaxamento físico associado à experiência emocional. Enfatizamos a importância da interação com o outro, higiene pessoal, modo de vestir, fala e expressão de afeto são partes importantes da sexualidade, e discutir isso em casal minimiza o medo de voltar a ter relações sexuais após o trauma (FEROLLA & LOURENÇO, 1996).

A abordagem nutricional visa orientar no sentido de estabelecer a educação nutricional, auxiliando no sincronismo do horário da refeição com o horário da medicação. Outro ponto importante, em lesados medulares é a constipação intestinal, que, dependendo do nível da lesão, pode resultar em um intestino espástico, com reflexos, ou um intestino flácido, sem reflexos. (FURLAN, CALIRI, DELFINO, 2005). O auxílio na ingestão hídrica e de fibras se faz presente, para melhorar o sintoma. As aulas de nutrição estimulam os alunos a refletirem sobre sua alimentação e traz uma reflexão também aos seus familiares na adoção de um padrão de alimentação saudável (REIS, 2003).

CONCLUSÃO

Para pessoas com lesão medular, tais temas são necessidades comuns que se fazem importante para aquisição de qualidade de vida. Contudo, se faz necessário descobrir estratégias de ensino para que estes conteúdos possam efetivamente ter bons resultados. Durante os três meses de atividades no Programa, o usuário-aluno desenvolve seus potenciais, adquirindo hábitos saudáveis, propiciando melhora na qualidade de vida e promoção da saúde.

Isto porque na educação em saúde, transmite-se aos sujeitos conhecimento de forma prescritiva, através de palestras, em formato de aulas interativas, a fim de minimizar os efeitos da doença, sem levar em conta a realidade individual.

Para os profissionais residentes, o envolvimento multiprofissional caracteriza-se como o centro do processo pedagógico que auxilia no aperfeiçoamento de suas habilidades profissionais, possibilitando o aprendizado em serviços com campos de atuação vivencial, fortalecendo o trabalho coletivo, construindo novos pactos de convivência, visando a troca de saberes, na contribuição do bem-estar e qualidade de vida.


Palavras-chave


Traumatismos da Medula Espinal; educação em saúde; reabilitação; equipe de saúde

Referências


FEROLLA, E.C.; LOURENÇO, C. Manual de orientação sexual para o lesado medular: metodologia de aplicação e resultados. R. Bras. Enferm. Brasília, v. 49, n. 2 p. 1 65-1 82, 1996. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/reben/v49n2/v49n2a03.pdf>.

FURLAN, M.L.S.; CALIRI, M.H.L.; DEFINO, H. L. Intestino Neurogênico: Guia prático para pessoas com lesão medular-Parte I. Coluna/Columna. v. 4, n. 3, p. 113-168, 2005.

MACIEL, M. E. D. Educação em saúde: Conceitos e propósitos. Cogitare Enferm, v.14, n. 4, p. 773-6, 2009. Disponível em: <http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:5U6xrGCt15wJ:ojs.c3sl.ufpr.br/ojs/index.php/cogitare/article/download/16399/10878+&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br>.

UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS. Programa de Atividades Motoras para Deficientes - PROAMDE. Disponível em: <http://www.proamde.ufam.edu.br/index.php/component/content/article/24>.

REIS, N.T. Nutrição Clínica: Sistema digestório. 1ª ed. Rio de Janeiro: Rubio, 2003.

SILVA, C. M. C.; et al. Educação em saúde: Uma reflexão histórica de suas práticas. Ciênc. saúde coletiva. Rio de Janeiro, v. 15 n. 5, p. 2539-2550, 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232010000500028>

VASCONCELOS, E. M. Educação Popular: de uma Prática Alternativa a uma Estratégia de Gestão Participativa das Políticas de Saúde. Physis. Rio de Janeiro, v. 14, n. 1, p. 67- 83, 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/physis/v14n1/v14n1a05.pdf>.