Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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Saúde mental do trabalhador: A influência do gênero na manifestação do sofrimento relacionado ao trabalho
Luiz Carlos Brant, Marilene Barros de Melo, Priscila Lilibete Viana de Faria

Última alteração: 2015-11-23

Resumo


A mulher observada no contexto histórico da antiguidade era vista de uma forma distinta dos homens da mesma era. Eram atribuídas, e até hoje em algumas culturas ainda é, conotações de propriedade, cidadãs de segunda categoria (ou sem cidadania), Vítima, infeliz, insatisfeita á espera de alguém que vá ampará-la, um ser de medo. Durante séculos cabia a mulher as funções de mãe, esposa e dona de casa. Com a revolução industrial muitas mulheres passaram a exercer uma atividade laboral extra domiciliar embora tendo remuneração inferior ao homem. Apesar de o trabalho apresentar melhores condições, desde as últimas três décadas do século XX, na contemporaneidade ele vem se tornando fonte de angústia. Ainda que haja tentativas de ocultação do sofrimento, a sua manifestação geralmente está associada às dificuldades de ingresso no mercado de trabalho, ao receio da perda de cargo ou emprego, à elevada competição nas organizações e baixa autoestima. Nestes casos, o sofrimento é representado como fracasso ou debilidade emocional do próprio sujeito este último geralmente relacionado às mulheres. As manifestações de transtornos mentais e comportamentais relacionadas ao trabalho vêm atingindo níveis crescentes desde as três últimas décadas do século passado em decorrência das transformações que o modo de produção capitalista vem sofrendo. Estudos evidenciam que a existência do sofrimento é maior entre as mulheres atribuindo este sofrimento aos diferentes papéis sociais, culturais e às diferentes posições em relação ao desejo que ocorrem entre homens e mulheres. Este estudo buscou situar o problema, levantar dados e questões relacionadas à articulação do sofrimento mental causado pelo trabalho e gênero, de modo a contribuir para a discussão sobre os desafios na definição de políticas voltadas para a melhoria das condições de trabalho e de saúde da mulher. Metodologicamente, recorremos às seguintes fontes: Banco de Dissertações e Teses, Ministério da Previdência Social; Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e o site SciELO. A seleção do material se fez pelos títulos, resumos e palavras chave e leitura na íntegra de artigos, teses, dissertações, capítulos e/ou livros, As doenças mentais são responsáveis por cinco das dez principais causas de afastamento do trabalho no Brasil segundo dados do Ministério da Previdência Social. Esses dados apontam que os transtornos mentais e comportamentais ocupam o terceiro lugar em número de concessões de auxílio-doença e não vêm acompanhando a tendência de queda no número de acidentes de trabalho no Brasil. Pelo contrário, de 2008 para 2009, o número de afastamentos do trabalho em decorrência de transtornos mentais e comportamentais subiu de 12.818 para 13.478. Em 2010, esse número teve uma queda, passando para 12.150. No entanto, voltou a subir em 2011, passando para 12.337, em 2012 o número de casos deu um salto totalizando 38.530 casos; em 2013 seguiu a tendência de crescimento totalizando 42.975 casos; em 2014 foram 43.316 casos e até junho de 2015 os afastamentos por transtornos mentais e comportamentais (CID F40-F48) A manifestação de maior sofrimento entre as mulheres pode trazer significativas contribuições para que se compreenda a participação feminina no mercado de trabalho como um todo e no exercício da função gerencial em particular, trazendo para discussão a relação trabalho, ocupação de cargo de poder nas organizações e gênero. Essa análise permitiu perceber a dimensão das desigualdades produzidas por diferenças sexuais no exercício de atividades laborais e representa claramente os lugares socialmente representados como masculinos: o alto comando, o locus máximo do poder, e o chão-de-fábrica, representado como lugar de “peão”, do macho de difícil comando que portanto, precisa de um outro homem para gerenciá-los.  É preciso questionar em que se difere e quais são as especificidades do sofrimento feminino no contexto da reestruturação produtiva. As organizações projetam as qualidades da figura do gerente que deve ser adaptável, flexível e, se necessário, geograficamente móvel, porém essas “qualidades” evidenciam o quanto a mulher é preterida na função de gerência, tendo em vista que a ela é geralmente incumbida a função de cuidar/educar os filhos o que não a permite ser geograficamente móvel. Mesmo diante de uma sociedade que sustenta o discurso da igualdade entre homens e mulheres no que diz respeito à educação dos filhos e administração do lar, do ponto de vista da estrutura subjetiva, a mulher ainda se coloca como responsável. Vive uma culpa, por mais que tente amenizar a situação com racionalidades múltiplas. Deste ponto de vista, mesmo que as mulheres tenham acesso a posições mais privilegiadas do que aquelas do taylorismo ou do fordismo, as novas condições do mercado de trabalho ainda as tratam a partir do lugar reservado às minorias. Constatamos que de forma diferenciada do homem, a inserção feminina no mercado de trabalho é atravessada por suas responsabilidades domésticas e familiares, obrigando-a, muitas vezes, a adaptar o seu cargo às suas funções de mãe, esposa, filha e irmã. A manifestação do sofrimento associado ao exercício laboral, maior entre as mulheres, pode ser interpretado como fator positivo, desde que se leve em consideração os seguintes aspectos: 1) o trabalho institucionalizado protege as mulheres do isolamento social, da monotonia e do baixo status do trabalho doméstico; 2) este mesmo trabalho institucionalizado pode ser causa de conflito, de culpa e de sobrecarga de papéis pelas demandas simultâneas da atividade remunerada e do trabalho doméstico levando à fadiga, ao estresse e a sintomas psíquicos. Concluímos que, apesar do sofrimento mental relacionado às atividades laborais estar presente em ambos os gêneros, a causa do sofrimento da mulher se difere por estar associado a questões culturais e sociais relacionadas a atividades que se entendem como pertencentes ao sexo feminino. As mulheres se deparam com as velhas e novas formas de discriminação. Além das diferenças salariais, há os obstáculos de acesso aos cargos mais elevados e qualificados do ponto de vista da valorização do trabalho e/ou cargos de chefia, onde estão presentes a concentração do poder e os melhores salários. É necessária ainda uma profunda reflexão sobre o papel das mulheres no contexto organizacional e sobre as condições laborais diferenciadas que estas são submetidas, que as expõe a tratamento e remuneração inferiores e as desabonam unicamente por relações de gênero.

Palavras-chave


saúde do trabalhador; saúde da mulher; sofrimento psíquico

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