Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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CONTROLE SOCIAL E SAÚDE MENTAL: REFLEXÕES SOBRE A PARTICIPAÇÃO POLÍTICA EM SOCIEDADES INDÍGENAS
Breno Pedercini de Castro

Última alteração: 2015-11-02

Resumo


O presente trabalho discute a saúde mental e o controle social nas sociedades indígenas, a partir da premente necessidade de participação política dos povos indígenas na organização e funcionamento de seu Subsistema de Atenção/SUS. Especificamente na atenção aos processos de alcoolização, episódios de suicídios, transtornos psiquiátricos, violências e/ou homicídios, os quais são referenciados na literatura e em documentos do Ministério da Saúde (Brasil 2002, 2007) como fenômenos de saúde mental. O controle social é um modo democrático de participação na saúde, que possibilitaria o protagonismo indígena nessas situações. Reivindicando a atenção diferenciada que prevê o reconhecimento e respeito à diferença étnica e diversidade cultural dos povos indígenas após a Constituição de 1988. A criação do Subsistema, em 1999, está inserida no âmbito da promulgação da Carta Magna que estabelece um novo tipo de relação entre o Estado e os povos indígenas, interrompendo o regime de tutela estabelecido até o séc. XX. Nesse cenário, a atenção à saúde mental, amparada no direito diferenciado pressupõe o envolvimento dos indígenas, desde a reflexão sobre a concepção de saúde mental até a elaboração de estratégias e itinerários terapêuticos para lidar com a questão. Souza Lima (2014) aponta, todavia, que a lógica do regime tutelar ainda se faz presente na forma como as políticas indigenistas e de saúde são reconstruídas e operadas mesmo após 1988. Direcionando a atuação dos diferentes atores que lidam com os povos indígenas, como os profissionais da saúde, e reforçando uma conjuntura de minimização de participação dos indígenas nas políticas diferenciadas. Esse fato aponta para desafios na formação e atuação em saúde nas sociedades indígenas, além de impedimentos no exercício do controle social pelos povos. Questionável, portanto, de que forma o controle social poderia ser de fato praticado no cenário da saúde mental e como os profissionais de saúde e antropólogos poderiam contribuir nesse cenário. Essa problematização emergiu de vivências de grande efeito pessoal/profissional junto aos indígenas, como a Assembleia AtyGuasu dos Povos Indígenas (realizada em 2014 na Universidade Federal de Minas Gerais), na qual a reivindicação pelo direito diferenciado à saúde; a percepção do protagonismo indígena durante o evento e o grande número de relatos de casos de saúde mental entre os povos despertaram diversos questionamentos em torno da noção de atenção à saúde mental indígena e sua relação com o controle social. A participação recente na edição 2015/2 do Projeto VER-SUS (Vivências e Estágios Realizados no SUS) no estado do Amazonas também foi outra oportunidade de grande importância, pelo conhecimento de alguns serviços que compõe o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena, como o Pólo-Base e visita à comunidade indígena, além do contato com os povos indígenas e profissionais de saúde atuantes. As inquietações provocadas por esses encontros conduziram à literatura para o entendimento da noção de atenção diferenciada na saúde mental e sua relação com o controle social, efetuando, para tanto, levantamento bibliográfico na Biblioteca Virtual em Saúde e Scielo para o aprofundamento teórico nessas questões. A partir da Grande Assembleia AtyGuasu e do Projeto VER-SUS Amazonas, experiências de profícuo contato com os indígenas, percebe-se a crescente implicação no estudo da saúde mental indígena e o controle social, explorando os vários intercâmbios possíveis nesse tema de investigação que está presente em diferentes disciplinas como a antropologia, sociologia, saúde pública/saúde coletiva, psicologia, história, entre outras áreas das ciências da saúde, sociais e humanas, fato que aponta para a interdisciplinaridade desse campo. Por sua vez as leituras dos materiais levantados, em periódicos das ciências da saúde, sociais e humanas, além de documentos ministeriais, lançam luz sobre essas vivências. Luciano (2006), antropólogo indígena, fala sobre a indissociabilidade de fatores socioantropológicos nas concepções de saúde e doença indígenas, os quais apontam para uma perspectiva global, embasada na dinâmica das relações sociais e com a natureza, na cosmologia, organização social e no exercício de poder nas sociedades indígenas. A doença não poderia, portanto, ser analisada a partir de uma perspectiva individual e biomédica restrita, mas referenciada a esse conjunto amplo de elementos. A atenção diferenciada, prevista no artigo 19-F da Lei 9.836 (Brasil, 1999), vai ao encontro de vários elementos apontados pelo antropólogo como intervenientes no processo de saúde e doença, ao prever que o Subsistema deve considerar suas especificidades culturais, mas também elementos como a demarcação de terras, habitação e nutrição para a atenção à saúde. Assim como a atenção diferenciada se traduziria em um componente sensível à diversidade cultural na atenção à saúde mental, o controle social também seria um recurso promissor de participação dos povos indígenas no processo de construção dessa atenção. Profissionais de saúde e antropólogos podem atuar conjuntamente na compreensão dos casos de saúde mental como fenômenos socioculturais específicos, operando o diálogo interdisciplinar tão necessário nesse campo (OLIVEIRA, 2004b). Esses atores podem também se articular aos indígenas no processo de construção de modelos de atenção para lidar com essas situações, embasados nos recursos existentes na própria comunidade. O Agente Indígena de Saúde (AIS) é outro ator que pode contribuir para essa construção coletiva, uma vez que estabelece o intercâmbio entre os membros da comunidade, seus saberes tradicionais e a equipe de saúde (PONTES, STAUFFER, GARNELO, 2012). Por fim, outras figuras tradicionais precisam ser convocadas na implementação das políticas de saúde, no sentido que Oliveira (2004a) afirma, em relação à importância de integrantes como as lideranças tradicionais, os xamãs, rezadores, as parteiras, além de outros atores que ocupam funções de controle social. Souza Lima (2014), todavia, aponta a permanência da lógica do regime tutelar na condução das políticas públicas diferenciadas, indicativo que orienta nosso olhar de forma aprofundada para o cenário atual da gestão e das práticas no Subsistema. Os atores que lá atuam podem – recorrentemente – não se darem conta de quão impregnadas ainda estão suas ações. Pela lógica da tutela que se supunha superada após 1988, prejudicando o exercício do controle social e a prática da atenção diferenciada. Nesse sentido, Teixeira (2013) aponta também que, mesmo que a implantação do Subsistema estivesse pautada na atenção diferenciada, não existe de fato um modelo de controle social diferenciado na saúde indígena. A relação estabelecida entre o Estado e os povos indígenas teria caráter distinto daquela firmada com a sociedade envolvente, notadamente pela ressonância do processo histórico e político do regime tutelar, de modo que suas representações não ocorrem da mesma forma. Acreditando na pertinência e relevância social de pesquisas na saúde coletiva sobre o tema, dado a conjuntura política, sanitária e socioeconômica das sociedades indígenas, além do extenso número de referências que afirmam a necessidade de reflexão e elaboração de estratégias de atuação pelos indígenas, profissionais de saúde e antropólogos nos processos de saúde mental. Em tempos de Conferência Nacional de Saúde, estudos nesse campo tornam-se emergentes, uma vez que a 15ª edição em 2015 põe em foco justamente o processo de inclusão dos excluídos no sistema de saúde, com a indicação dos povos indígenas como uma dessas populações. Este trabalho pretende trazer contribuições inicias e apontar horizontes de estudo sobre a necessária participação política dos indígenas nas situações de saúde mental. Os profissionais de saúde e os antropólogos são atores fundamentais nesse cenário, contribuindo para a prática do controle social e a construção da atenção diferenciada junto aos povos.  

Palavras-chave


Saúde de Populações Indígenas; Controle Social; Saúde mental

Referências


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