Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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Os hospitais de ensino da Universidade Federal da Bahia no contexto de implantação da EBSERH
Larissa Barros, Cristiana Mercuri, Stella Senes, Geyse Miranda

Última alteração: 2015-10-30

Resumo


No Brasil contemporâneo, em contexto de crise do capitalismo mundial, novas mediações históricas reconfiguram e agravam a questão social e desdobram-se em profundas transformações nos padrões de acumulação, nos processos de produção e gestão do trabalho, além de alterações importantes no papel do Estado na execução das políticas sociais, com nítida tendência à regressão de direitos, especialmente, os da esfera da Seguridade Social (NETTO, 1996; IAMAMOTO, 2007, 2013). Esses fatores articulados mantêm relações estreitas com a situação econômica e política que é enfrentada hoje na Universidade Federal da Bahia (UFBA), e, particularmente, nos hospitais universitários Complexo Hospitalar Universitário Professor Edgard Santos (COM-HUPES) e Maternidade Climério de Oliveira (MCO). Atribui-se aos desdobramentos dessa conjuntura a proposta de reestruturação do modelo jurídico e organizacional dos hospitais universitários federais, por meio da implantação da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH). No caso da UFBA, a proposta teve adesão do Conselho Universitário (CONSUNI), em 2012. Este estudo resulta de pesquisas bibliográficas e documentais preliminares referentes ao projeto de pesquisa “O trabalho de assistentes sociais nos hospitais de ensino da Universidade Federal da Bahia no contexto de implantação da EBSERH" e teve como propósito levantar e sistematizar as principais questões levantadas no debate sobre o processo de implantação da EBSERH nos hospitais universitários vinculados à UFBA. Com base, exclusivamente, em informações de acesso público, a exemplo de jornais, periódicos e documentos diversos disponíveis na internet entre julho e outubro de 2015, este estudo busca apresentar, além de alguns aspectos do contexto histórico do referido processo, as discussões voltadas ao novo modelo de gestão, notadamente, as principais questões que estão sendo suscitadas sobre a EBSERH e os princípios que norteiam o Sistema Único de Saúde (SUS), em seu movimentos de consolidação e(ou) retração Destarte, ressaltamos que hospitais de ensino (HE) têm importância para o desenvolvimento do SUS, como espaços de referência assistencial de alta complexidade e pólos de formação de recursos humanos, contribuindo significativamente para o desenvolvimento de pesquisas e para a incorporação de novas tecnologias. Não obstante, muitos são os problemas enfrentados: quadros de servidores insuficientes, precarização do trabalho, instalações físicas deficientes, subutilização da capacidade instalada para alta complexidade, redução da oferta de serviços à comunidade etc. Diante da “trama da crise” dos hospitais de ensino (LAMPERT et al., 2013), os Ministérios da Saúde e da Educação criaram, através da portaria 1.702/2004, o Programa de Reestruturação dos Hospitais de Ensino baseado em quatro eixos a serem desenvolvidos de forma integrada: gestão, assistência, ensino e pesquisa. (BRASIL, 2004).  Assim, a EBSERH é apresentada como a solução do governo para a denominada “crise” dos HUs. No entanto, para Correia (2012), esse modelo de gestão trata-se de privatização do que é público, posto que o Estado abdica de ser o executor dos serviços públicos, através da abertura à iniciativa privada como fornecedora destes serviços, mediante repasse de recursos, de equipamento e instalações públicas e de pessoal para entidades privadas. Os denominados novos modelos de gestão têm sido apresentados como a resolução dos problemas do SUS e dos HUs. Restringe-se tudo à má e (ou) à ineficiência da gestão pública, apresentando-se como saída a sua terceirização, que em nome de uma suposta modernização (CORREIA, 2012). A EBSERH foi criada pelo Governo Federal por meio da Lei nº 12.550, de 15 de dezembro de 2011, e marcada por questionamentos de analistas da saúde e algumas manifestações políticas contrárias a sua criação, a exemplo da Frente Nacional Contra a Privatização da Saúde. Empresa pública vinculada ao Ministério da Educação, dotada de personalidade jurídica de direito privado e patrimônio próprio, a EBSERH é o órgão responsável pela gestão do Programa Nacional de Reestruturação dos Hospitais Universitários Federais. E, para o Governo Federal, essa implantação representa o início de uma nova etapa para os hospitais universitários federais. O governo defende que com a criação da EBSERH dar-se-á prosseguimento à recuperação dos hospitais universitários federais, garantindo as condições necessárias para a oferta de assistência à saúde da população, de acordo com as orientações do SUS e para a geração de conhecimento de qualidade e formação dos profissionais da área da saúde (EBSERH, 2015). Na análise destacamos que os documentos, legislação e site oficial da EBSERH na Bahia apresentam um discurso de uma nova política para modernizar a gestão hospitalar.  Tomando como referência o “mapa estratégico”, orientado pela chamada cultura da qualidade, orquestrada pela administração gerencial, difunde-se o uso de um conjunto de metas e indicadores centrados na gestão por resultados. Há uma valorização dos aspectos administrativos, em uma exaltação dos meios, subordinando objetivos e princípios da Política de Saúde a parâmetros empresariais, como acontece quando são considerados prioritariamente os valores quantitativos de produção, através de avaliações da produtividade. Questiona-se, ainda, a participação dos trabalhadores na construção dessas metas e a não avaliação dos processos pelos quais os trabalhadores estão submetidos. Sobre essa mesma dimensão do debate, destacamos que,, conforme o Regimento da EBSERH, há restrições à participação dos trabalhadores e usuários do SUS, expressando dissonância com os princípios da participação e do controle social conquistados pelo movimento da Reforma Sanitária. Ainda de acordo com o referido Regimento, na composição do Conselho de Administração está prevista apenas a participação de um representante dos trabalhadores em reuniões, e desde que nestas não sejam tratados temas referentes às relações sindicais, remuneração, benefícios e vantagens assistenciais e de previdência complementar, sob a justificativa de que ficaria configurado “conflito de interesses”. Sob a marca da EBSERH, no que se refere à gestão do trabalho, são identificados diferentes regimes jurídicos trabalhistas nos hospitais universitários federais:  vínculos estabelecidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), por meio de contratação por convênios, projetos etc.  Além disso, cabe destaque para os vínculos originais dos servidores públicos lotados nos HUs, estes regidos pelo Regime Jurídico Único (RJU). Nesses termos mais uma questão apresenta-se como relevante ao debate: a diversidade de vínculos que desafia a organização política dos trabalhadores porque diferencia e pulveriza suas demandas, seus interesses, suas reivindicações e até os seus direitos. A finalidade desse modelo de organização e gestão é reestruturar os hospitais universitários federais e, de acordo com o discurso oficial, solucionar o problema de recursos humanos, cumprindo assim o acórdão do Tribunal de Contas da União (TCU) que exigiu a substituição dos servidores contratados pelas fundações de apoio às universidades, que somam 26 mil servidores em todo o país. Para concluir, explicitamos a defesa de que o SUS não é um sistema de saúde que possa sobreviver e se consolidar com políticas orientadas pelo projeto liberal, que alimenta os interesses da indústria médica globalizada e transforma a saúde em mercadoria. A luta por direitos sociais e em particular pelo direito à saúde deve ter como pressuposto a luta por um Estado democrático participativo, com justiça social e equidade. Para que a saúde seja um direito de todos como assumida pelo Movimento Sanitário é necessário um novo acordo em nome do interesse público, que recomponha os princípios e as orientações constitucionais, sendo assim incompatível com propostas nas quais a saúde é tratada como negócio ou mercadoria (CEBES, 2015).  

Palavras-chave


Sistema Único de Saúde; Hospitais de Ensino; Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares

Referências


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CEBES. Saúde não é negócio nem mercadoria, é direito de Cidadania. Tese para 15ª Conferência Nacional de Saúde. 2015. Disponível em: www.cebes.org.br. Acessado em agosto/2015.

COMPLEXO HUPES esclarece novas contratações pela Ebserh. Notícias 21 de agosto de 2015. http://www.complexohupes.ufba.br/noticias/complexo-hupes-esclarece-novas-contratacoes-pela-ebserh/ acesso: em 05 de setembro de 2015

CORREIA. M. V. A construção do sus e os processos de privatização. Anais da 64ª Reunião Anual da SBPC – São Luís, MA – Julho/2012

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