Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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A culinária brasileira: uma ferramenta educação em saúde, sob a ótica da cultura negra
Rute Ramos da Silva Costa, Debora Silva do Nascimento Lima, Gabriela Rangel dos Santos Pereira, Ana Laura Nunes, Mariana Fernandes Brito de Oliveira, Alexandre Brasil Fonseca

Última alteração: 2015-10-30

Resumo


INTRODUÇÃO: A culinária brasileira pode ser descrita como o resultado do complexo processo histórico cultural que o constituiu. A agregação de alimentos de distintas regiões do mundo possibilitou uma fonte de vegetais e animais ainda mais ampla. Diversas espécies nativas são importantes alimentos da cozinha brasileira, utilizados tradicionalmente pelos povos indígenas e que foram progressivamente incorporados a outras receitas, principalmente pelas mãos negras (Reifschneider, Nass, Henz, 2014). Modos de preparo e de comer dos indígenas, africanos, europeus e de outros povos deram sentido e significado ao alimento, transformando-o em comida brasileira, expressão de brasilidade. Cada grupo étnico adicionou ou subtraiu hábitos, costumes e necessidades alimentares. Esses contribuíram com vários elementos, plantas, animais e condimentos, assim como preferências, proibições e prescrições, associações e exclusões (Canesqui, 2005). A cozinha brasileira é poesia, conhecimento, disputas e trocas. Expressa a constituição da sociedade brasileira, baseada em injustiças sociais, que se refletem na própria culinária, haja vista o imperialismo cultural eurocêntrico e a persistência no país de um imaginário étnico-racial que privilegia a brancura e estima principalmente as raízes européias da cultura, em detrimento das demais ( SANTOS, 2009). Essa violência simbólica ao arcabouço cultural não hegemônico, precisa ser superada através da educação em saúde. Nesse sentido, a utilização da culinária de matriz africana enquanto eixo estruturante da promoção da saúde pode atender ao princípio da Carta de Ottawa de “Desenvolvimento de habilidades pessoais”. Pode também significar um reforço de luta contra o racismo e a discriminação racial, nos distintos espaços públicos, reconhecendo os saberes e práticas populares de saúde, preservados ao longo dos anos, o fortalecendo uma identidade negra positiva e possibilitando a redução das vulnerabilidades, como orienta a Política Nacional de Saúde Integral da População negra (BRASIL, 2007). DESENVOLVIMENTO: Este resumo apresenta as experiências do projeto de extensão universitária denominado “A culinária afro-brasileira como promotora da alimentação saudável” cujos objetivos foram: Promover práticas alimentares saudáveis, utilizando a culinária afro-brasileira enquanto ferramenta pedagógica junto à Jovens e Adultos. As ações foram desenvolvidas no município de Macaé, em uma escola de bairro periférico e alcançou a 390 pessoas. Previu-se a realização de uma série de etapas as quais serão apresentadas a seguir: Construção dos referenciais teóricos; materiais educativos e dinâmicas de grupo; Elaboração dos planos de trabalho; A aproximação do público e o a execução das ações. A construção de referenciais teóricos de temáticas que subsidiassem o arcabouço conceitual do projeto foi considerada uma ação atemporal e contínua, diante da necessidade de aprofundamento e ampliação do conteúdo de suporte às práticas educativas e à constituição de relatórios e resumos para divulgação científica e de extensão. Neste sentido, elaborou-se um acervo cujo teor tem sido apresentado e discutido semanalmente em reuniões da equipe do projeto. Os temas elencados foram: “Socioantropologia da alimentação; Culinária afro-brasileira; Educação em saúde e saúde da população negra”. A elaboração de planos de trabalho para as quatro oficinas previstas em projeto foi uma das ações desenvolvidas pelas bolsistas e foi uma ação “imprescindível para a eficácia e a efetividade das iniciativas e a sustentabilidade das ações de EAN” (Brasil, 2012, p.29). A execução desta tarefa também contribuiu para a qualificação da formação das bolsistas no perfil de educadoras em saúde e o processo de planejamento das iniciativas, que gerou envolvimento e compromisso. A aproximação com os participantes foi considerada indispensável, pois a utilização de uma metodologia dialógica compreende a aproximação dos sujeitos, o conhecimento do trabalho já desenvolvido sobre a temática de interesse, a ambiência, momentos de diálogo e o estabelecimento de acordos para ajuste dos interesses de ambas as partes. (BRASIL, 2012). As oficinas educativas ocorreram junto aos estudantes do EJA e consistiram de 4 etapas: A primeira denominada “Os aromas da África no Brasil” consistiu de dinâmicas lúdicas, criativas e compartilhadas. O objetivo foi apresentar componentes da culinária africana e a suas influências na constituição da alimentação brasileira. Para iniciar, previmos uma dinâmica para aproximação e apresentações dos participantes e da equipe do projeto por intermédio de ferramenta lúdica. Em seguida desenvolvemos a dinâmica “O mapa da África e seus países, os alimentos e as preparações alimentícias correspondentes”. Nesta atividade foi apresentado o mapa da África com os nomes e as divisões territoriais dos países que a integram e cada estudante pode descrever nome de alimentos que são mais comuns nestes locais ou que supõem serem de origem africana. Para dar continuidade, realizamos a dinâmica “Sensações”, onde todos os participantes puderam utilizar os sentidos do corpo para identificar os temperos e alimentos empregados na composição da culinária afro-brasileira. O objetivo desta ação foi que o estudante percebesse que boa parte dos temperos utilizados em preparações brasileiras são oriundas ou empregados na culinária da África, que por sua vez, também recebeu influências da Índia, da Europa e etc. e ainda, algumas comidas, no Brasil, alcançaram características peculiares, por causa da associação às práticas alimentares dos indígenas que aqui habitavam. Em seguida trabalhamos o sistema alimentar hegemônico, segundo uma perspectiva crítica, associando-o ao projeto de sociedade estabelecido pelo governo, além disso, tratamos dos impactos a saúde e ao meio ambiente. Previmos dar visibilidade, não só ao alimento, mas aos trabalhadores do campo, aos atravessadores e os beneficiadores dos alimentos, refletindo ainda sobre o direito humano à alimentação saudável e adequada. Por fim, a última oficina, previu a construção de conceitos sobre a alimentação saudável, através de um grupo de diálogo mediado por quatro princípios do MREANPP, a saber: 1- Sustentabilidade Social, ambiental e econômica; 2- Abordagem do sistema alimentar na sua integralidade; 3- Resgate e valorização da cultura alimentar local e respeito à diversidade de opiniões e perspectivas considerando a legitimidade dos saberes de diferentes naturezas (cultura, religião, ciência); 4- A comida e o alimento como referências; valorização da culinária enquanto prática emancipatória e de autocuidado dos indivíduos. RESULTADOS E CONSIDERAÇÕES: Esse projeto permitiu experimentar as propostas da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, que objetiva a promoção a saúde integral da população negra, priorizando a redução das desigualdades étnico-raciais, o combate ao racismo e à discriminação nas instituições e públicas. Possibilitou a formação profissional em saúde mais próxima à cultura afrobrasileira, ponte para o acesso à saúde da população negra. Consideramos que o acercamento com a temática culinária afro-africanidades, contribuirá para uma formação cidadã deste graduando de cursos da saúde, que assegure uma postura de educador e profissional de saúde consciente do combate a discriminação étnico-racial e construtor de uma consciência crítica sobre o processo saúde-educação-cultura dos distintos grupos populacionais. Ainda, os estudantes se apropriaram dos conhecimentos e práticas sobre a culinária afro-brasileira enquanto potencial pedagógico em educação alimentar e nutricional, uma ferramenta que dialoga com a vida e a história dos brasileiros. A valorização da comida e da culinária brasileira e todos os sentidos e valores a ela atribuídos, foi para esta experiência, uma escolha acertada.  Por meio desta estabelecemos um enfrentamento as propostas iníquas da indústria de produtos alimentícios, que sugerem cada vez mais a não prática da culinária e o uso de seus produtos prontos para comer. Além disso, nos munimos de esperança e assumimos estes princípios em nossa prática dialogada com a comunidade local e que nos pareceram exitosas em todas as suas etapas.

Palavras-chave


promoção da saúde; educação em saúde, cultura afrobrasileira

Referências


BRASIL.Secretaria Extraordinária de Promoção da Igualdade Racial. Política Nacional de Saúde Integral da População Negra. 2007

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à fome. Marco de Referência de Educação Alimentar e Nutricional para as Políticas Públicas. Brasília, DF, 2012.

CANESQUI, Ana Maria. Comentários sobre os estudos antropológicos da alimentação. In: CANESQUI, Ana Maria; GARCIA, Rosa Wanda Diez (Org.) Antropologia e nutrição: um diálogo possível. 20. ed. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz, 2005, p.23-48.

CANESQUI, Ana Maria; GARCIA, Rosa Wanda Diez. Uma Introdução à Reflexão sobre a Abordagem Sociocultural da Alimentação. In: CANESQUI, Ana Maria; GARCIA, Rosa Wanda Diez. Antropologia e nutrição: um diálogo possível. 20.ed. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz, 2005a, p.9-22.

CASCUDO, C. História da Alimentação Brasileira. Belo Horizonte: Itatiaia, 1983.

CASTRO, Inês Rugani Ribeiro; CASTRO, Luciana Maria Cerqueira; GUGELMIN, Silvia Angela. Ações educativas, programas e politicas envolvidos nas mudanças alimentares. In: GARCIA, Rosa Wanda Diez; CERVATO-MANCUSO, Ana Maria (Org.). Mudanças alimentares e educação nutricional. 1. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2011, p. 18-34.

DIEZ-GARCIA, R.W.; CASTRO, I.R.R. A culinária como objeto de estudo e de intervenção no campo da Alimentação e Nutrição. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v.16, n.1. 2011.

Reifschneider, F.J.B.; Nass, L.L.; Henz, G.P (org).Uma pitada de biodiversidade na mesa dos brasileiros, Brasília,DF,2014.