Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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Políticas do Desejo: Projeto Rosália na Rua – a viabilização e a extensão do cuidado através de ações extramuros realizadas por profissionais de um centro de saúde
FERNANDA GAMA LESSA, ELIANA MARIA FREITAS AGUIAR, ELIANE MANTOVANI LUCAS PEREIRA, FRANCIELLY DAMAS ALBINO, JORGE MENDES ÁVILA, MARIA LEOMÊNIA SARDENBERG, MARILSA SEBASTIANA ARANTES DE SOUZA, PAULO ROGÉRIO ALVES

Última alteração: 2015-10-28

Resumo


O seguinte trabalho trata de relatar o desejo de alguns profissionais e o processo pelo qual um projeto foi idealizado e vem sendo escrito a partir da demanda de uma usuária gestante. O Centro de Saúde Jardim Rosália é um serviço da Atenção Básica e localiza-se na cidade de Campinas/SP fazendo parte do Distrito de Saúde Norte. O serviço atende uma população de alta vulnerabilidade com cerca de 9500 pessoas e possui duas equipes ampliadas de Saúde da Família, sendo campo de formação para a Residência Médica em Saúde da Família e Comunidade, Residência Multiprofissional em Saúde Mental e Saúde Coletiva, além dos cursos de graduação em enfermagem, medicina e farmácia. Atualmente a equipe é composta por 12 Agentes Comunitários de Saúde, três enfermeiros, treze técnicos e auxiliares de enfermagem, uma técnica de farmácia, uma agente administrativa, uma farmacêutica, um psicólogo, três médicos generalistas, dois médicos ginecologistas, dois pediatras, três auxiliares de serviços gerais, dois vigilantes, uma dentista, uma agente de saúde bucal, duas recepcionistas e um coordenador. Estão inseridos no serviço três médicos residentes de Medicina de Família e Comunidade e uma terapeuta ocupacional residente Multiprofissional em Saúde Mental e Coletiva. O desejo de concretização do projeto surgiu por meio da demanda de uma usuária do serviço de saúde. Conhecida por transitar pelo território e ter residido na rua, ser etilista, tabagista e usuária de substâncias psicoativas (SPAs), M. Teve confirmada sua gestação na vigésima semana, após várias pedidos de atenção e cuidado dentro do centro de saúde. Além de manifestar desde a confirmação da gravidez o desejo em ter a criança. M. e seu companheiro J. vivem juntos em um barraco nos fundos da casa de um parente, localizado em um dos bairros mais vulneráveis em que o centro de saúde é referência. J. é também etilista e usuário de SPAs, e igualmente à M. demonstra desde o início o desejo em ter esse filho, dando contorno e cuidado a esta no período da gestação. A equipe local de referência assumiu o cuidado do caso, possibilitando à M. maior atenção por meio de visitas domiciliares semanais e acompanhamento da mesma durante todo o pré-natal realizado pelo centro de saúde e no pré-natal de alto risco realizado pelo CAISM – Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher/Unicamp. Em havendo a identificação da complexidade do caso e suas reais dificuldades em manejá-lo. Não apenas clinicamente pelos profissionais do centro de saúde - no que diz respeito à população social, econômica e culturalmente empobrecida a qual faz uso de SPAs e álcool - pensou-se em possíveis ações extramuros que pudessem ser efetivas para promover e capacitar os profissionais diante de tais questões, visando a efetividade do projeto não apenas para este caso, mas como para todos os casos com problemáticas semelhantes. Sendo assim, deu-se origem ao projeto ‘Rosália na Rua’ cujos objetivos gerais são caracterizados pela ampliação da oferta de atenção a usuários de SPAs no território e ampliação do conhecimento da equipe e trabalhadores sobre saúde mental, redução de danos e atenção ao uso de álcool e drogas. Percebeu-se a necessidade de ampliação de articulação intersetorial, envolvendo inicialmente serviços de saúde e assistência, além da formação de rede entre o centro de saúde e serviços da atenção especializada como o Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS ad) e o Consultório da Rua. Por meio do apoio matricial, foram realizados diálogos e discussões do caso de M., sendo constatada pelos serviços a necessidade de se trabalhar na atenção básica com a clínica de redução de danos, considerando que este foi um desejo dos próprios profissionais em se envolver com tal temática através de uma capacitação e instrumentalização da equipe. Tal capacitação objetiva especificamente a ampliação das ofertas realizadas a partir do centro de saúde para usuários de SPAs: ofertas de ações voltadas à promoção, prevenção e reabilitação a ser desenvolvida no território e em articulação com outros serviços. Também a extensão do acesso de usuários de SPAs à unidade de saúde, aos trabalhadores e ao cuidado. A metodologia vem sendo construída, constituindo-se de quatro eixos: 1. Formação em Saúde – tem como estratégia a capacitação da equipe por meio da vinda dos redutores de danos ao centro de saúde durante três reuniões gerais mensais no período de duas horas cada uma, assim como a circulação de profissionais em outros serviços de saúde a fim de vivenciar e se apropriar de outras formas de cuidado; 2. Articulação de Rede – tem em vista a circulação dos usuários na rede percebendo-se assim a necessidade de articulação e o fortalecimento da mesma e inserindo nesta dinâmica a circulação dos profissionais de saúde no território e a realização de um mapeamento em relação à população de rua e usuários de SPAs; 3. Assistência – visa a realização de visitas domiciliares, visitas na rua e nos locais de uso de SPAs colocando o território como um lugar de potência e de possibilidades de ações e também ampliando as ações de cuidado para dentro do centro de saúde; 4. Prevenção e Promoção de Saúde – visa a estruturação de intervenções que podem ser desenvolvidas com a população de rua, usuários de SPAs e com as famílias que estejam envolvidas com esse tipo de demanda, ampliando e promovendo vínculos. Fora realizado o primeiro encontro formativo com a equipe de redutores de danos conforme pontuado nos métodos de estudo. Inicialmente, houve neste encontro uma breve apresentação da política de redução de danos e esclarecimentos quanto aos materiais utilizados no cuidado da população de rua e usuários de SPAs. Em um segundo momento - através de uma oficina instrutiva - pôde-se conhecer e manusear todos os materiais e os insumos utilizados pelos redutores em seus campos de atuação e o esclarecimento das diferenças entre o que são considerados insumos e o que não se pode considerar um insumo. Por meio da oficina foi possível elucidar diversas dúvidas advindas dos profissionais da equipe do centro de saúde e dar continuidade na promoção do vínculo entre os serviços, fortalecendo-se a rede de saúde. Mensalmente, é realizada a reunião do projeto ‘Rosália na Rua’ havendo discussões acerca das ações e intervenções que vêm ocorrendo ao longo do tempo dentro do centro de saúde, entre quais são as maiores demandas encontradas e acolhidas durante aquele período e como o projeto pode se fortalecer enquanto instrumento de extensão do cuidado. No caso de M., e agora com o nascimento de sua filha B., tem sido possível a continuidade do acompanhamento longitudinal e integral da família. M, B. e J. continuam sendo assistidos pela equipe do centro de saúde por meio do vínculo que fora artesanalmente costurado e que pôde ser fortalecido e estabelecido através de ações voltadas tanto para dentro como para fora do serviço, conferindo potência ao território no que se refere ao cuidado do usuário.

Palavras-chave


atenção básica; cuidado; apoio matricial; articulação; rede; ações extramuros