Anais do 12º Congresso Internacional da Rede Unida
Suplemento Revista Saúde em Redes ISSN 2446-4813 v.2 n.1, Suplemento, 2016
Residência Multiprofissional em Saúde da Família: do encontro ao aprimoramento do processo de trabalho
LUISA MACEDO CAVALCANTE, LIDIANE MEDEIROS MELO, CYNTIA MÁRCIA DA SILVA TOLEDO, EMANUELE SARMENTO DE VASCONCELOS SILVA, JULIANA FERREIRA LOPES, MARÍLIA GABRIELA VIEIRA MACÊDO
Última alteração: 2015-11-23
Resumo
A Residência Multiprofissional é um programa dos Ministérios da Saúde e da Educação que surgiu como investimento voltado para a inserção qualificada de profissionais no Sistema Único de Saúde (SUS), com foco em áreas prioritárias. Sua prática é voltada para o trabalho e para a produção de conhecimentos científicos na área de concentração, caracteriza-se como um programa de pós-graduação em serviço, com uma carga horária de 60 horas semanais (BRASIL, 2005). Sendo a Saúde da Família estratégia reestruturante do SUS, principalmente no que se refere a um modelo assistencial voltado para a atenção integral e diminuição das iniquidades sociais (BRASIL, 2012), faz-se necessário o investimento em práticas formativas que visem repensar o serviço realizado. Sousa (2014) afirma que a Estratégia de Saúde da Família desenvolve ações básicas com papel técnico e político, buscando a compreensão da sua atuação na promoção de saúde, voltado para a transformação das práticas tradicionais de saúde. O conceito ampliado de saúde deve ser o ponto de partida das práticas, promovendo a superação de um conceito biomédico, que não leva em conta os mais diversos aspectos de vida dos seus usuários. A Saúde da Família (SF) é um campo de trabalho que lida diretamente com situações altamente complexas, em relação ao modo viver das pessoas, o que demanda uma alta utilização de tecnologias relacionais, leves (BRASIL, 2010). Faria (2009) afirma que quanto mais complexo e indeterminado, mais difícil é a reflexão sobre os processos de trabalho, que são características presentes na AB e na Saúde da Família. O que demonstra a dificuldade e ao mesmo tempo a necessidade de que os que os profissionais das áreas desenvolvam estratégias de superação destas dificuldades. Como relatam Franco e Mehry (1999), o processo de trabalho em Saúde da Família é sua grande questão, já que a produção do cuidado à saúde ocorre fundamentalmente pelos processos micropolíticos e pelas tecnologias de trabalho aplicadas. Os autores apontam à necessidade de os profissionais que compõem as equipes reaprenderem o trabalho a partir de dinâmicas relacionais que possibilitem a soma dos diversos conhecimentos. Para isso, é preciso que se desenvolvam processos de trabalho que fomentem esses encontros, e que permitam o compartilhar de ideias, teorias e suas execuções e práticas, com base na reflexão do trabalho realizado e ações integradas, e a necessidade do pensar, refletir, planejar avaliar ações e teorias faz com que a transdisciplinaridade seja uma forma de atuação fértil e resolutiva (SEVERO e SEMINOTTI, 2010). O presente trabalho se refere a um Programa de Residência Multiprofissional em Saúde da Família, que ocorre no nordeste brasileiro, no período entre março de 2014 até março de 2015. O objetivo deste relato de experiência é compartilhar o processo de trabalho de uma equipe de residentes, que fez do encontro ou da transdisciplinaridade seu instrumento mais potente de trabalho, a partir de uma constante coprodução dos processos, com objetivo de realizar uma prática voltada para atenção de qualidade. A partir do entendimento da importância de uma atuação transdisciplinar, a equipe construiu uma metodologia de trabalho de modo que possibilitasse o encontro, o compartilhamento de opiniões, saberes, experiências, reflexões sobre o trabalho como um todo, englobando aspectos subjetivos, relacionais e técnicos. A equipe é composta por cinco categorias profissionais: Fisioterapia, Fonoaudiologia, Nutrição, Psicologia e Terapia Ocupacional, inseridas em um programa composto por oito categorias, tendo também a Educação Física, a Enfermagem e a Odontologia. Realizamos práticas de promoção, prevenção e assistência à saúde, em uma comunidade vinculada a uma Unidade de Saúde da Família. Dentre as práticas de trabalho estão: territorialização; grupos de promoção à saúde, que contempla prevenção de agravos, educação em saúde, atividades culturais; atendimentos integrados, com foco prioritário em usuários com dificuldades de deslocamento até os serviços; apoio matricial; reuniões de equipe de planejamento; ações de educação permanente. Nessa trajetória, alguns elementos são destacáveis no processo de transdisciplinarização do processo de trabalho: 1) optamos por não nos dividir entre os grupos ou atividades, quando todas as profissionais são responsáveis por todas as ações, mas, para a execução criamos um método de fluxo que possibilitou que haja um repasse de responsáveis não havendo ruptura da facilitação, o que permite que todas as profissionais conhecessem todos os usuários, e aos poucos ocorra o processo de vinculação; 2) reuniões semanais com o caráter de planejamento e avaliação compartilhadas, o que também nos permite saber o que ocorre nas atividades que não estávamos presentes, e refletir em conjunto sobre o desenvolvimento dos grupos, o que nos faz aprimorar ações, criando novos projetos e buscando melhorar a qualidade do trabalho; 3) atendimentos integrados, que ocorrem com a participação de mais de uma categoria profissional, buscando um atendimento integral ao usuário e à sua família, que, muitas vezes, também é atendida ou convidada pra participar do processo de trabalho; 4) discussão de casos e PTS, que são feitas em conjunto com toda a equipe, mesmo que uma profissional não atenda o usuário, ela participa da discussão de caso com o intuito de colaborar com sua visão; 5) matriciamento de usuários, com as estratégias sendo criadas e realizadas em equipe; 6) Educação Permanente em Saúde dentro da equipe, quando ocorre de forma institucionalizada e também em momentos diversos, quando há a problematização das práticas e também a busca por soluções concretas e resolutivas. No processo buscamos fazer uma avaliação e registro das condutas, e traçamos novas abordagens. Como resultado, temos a constante busca e produção de um processo de trabalho ativo, reflexivo, problematizador, destacando o caráter permanente e não findado do processo, que se constrói à medida que ocorre e avança. Sendo compatível com os apontamentos de Merhy (1997), ao defender que o trabalho vivo em ato tem a dimensão de gerir os processos com práticas criadoras permanentes e com processos tecnológicos que enfrentem as necessidades de saúde. O que reflete, na maioria das vezes, no alcance de práticas baseadas no vínculo, na longitudinalidade, na superação de um conceito tradicional de saúde, trabalhando com o conceito ampliado, na autonomia do usuário, na promoção de saúde, contribuindo para uma prática resolutiva, que busca a qualidade e a integralidade e em consonância com o processo de efetivação do SUS e da Saúde da Família. Ainda que haja dificuldades, a Residência Multiprofissional se mostra uma estratégia efetiva para a reestruturação dos processos de trabalho na saúde, sendo um espaço efetivo de encontro, de compartilhamento e de aprimoramento das práticas. Para isso, é importante que o programa seja estruturado levando em consideração estes temas, e que possibilitem a realização de práticas que vão além do aspecto técnico e mecânico do trabalho e que superem uma prática biomédica, baseadas no conceito ampliado de saúde e que tenham sempre como objetivo à consolidação do SUS, suas diretrizes e princípios.
Palavras-chave
Sistema Único de Saúde; Estratégia de Saúde da Família; Trabalho em Saúde
Referências
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FARIA, H. P. et al. Processo de Trabalho em Saúde. - 2a ed. -Belo Horizonte: Nescon/ UFMG, Coopmed, 2009.
FRANCO, T. B. MERHY, E. E. Programa de Saúde da Família, PSF: Contradições de um Programa Destinado à Mudança do Modelo Tecnoassistencial. In: Congresso da Associação Paulista de Saúde Pública, 1999, Águas de Lindóia: APSP; 1999.
MERHY, E. E. Em busca do tempo perdido: a micropolítica do trabalho vivo em ato, em saúde. In: Onocko, R.; MERHY, E. Agir em saúde um desafio para o público. São Paulo, Hucitec 1997.
SEVERO S. B.; SEMINOTTI N. Integralidade e transdisciplinaridade em equipes multiprofissionais na saúde coletiva. Ciência & Saúde Coletiva, 15(Supl. 1):1685-1698, 2010.
SOUSA, M. F. A reconstrução da Saúde da Família no Brasil: diversidade e incompletude. In: SOUZA, M. F; FRANCO, M.S.; MENDONÇA, A. V. M. Saúde da família nos municípios brasileiros: os reflexos dos 20 anos no espelho do futuro. Campinas, Saberes, 2014.