Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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Construção de jogo como dispositivo para a formação em saúde
Adelyne Maria Mendes Pereira, Cynthia Macedo Dias, Camila Furlanetti Borges

Última alteração: 2015-11-13

Resumo


APRESENTAÇÃO: A experiência de construção de jogos como dispositivo de ensino-aprendizagem que deu origem ao presente artigo se realiza no âmbito do componente curricular Trabalho de Integração (TI), inserido na formação integrada nos cursos de nível médio com habilitação técnica em saúde (Análises Clínicas e Gerência em Saúde) da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio. O TI busca estimular aprendizagem crítica sobre um tema que mobilize conhecimentos sobre a prática dos serviços de saúde no contexto do SUS, em grupos com 10 a 12 alunos. Neste TI, abordamos a regionalização dos serviços e sistemas de saúde. Em acordo com o projeto político pedagógico do TI, o tema proposto mobiliza a integração com conteúdos que versam sobre Ciência, Trabalho, Política e Saúde, e estimula a prática investigativa. O objeto deste artigo é nossa segunda experiência docente utilizando jogos como dispositivo de aprendizagem com alunos de Ensino Médio integrado. Na experiência anterior, com o tema do desenvolvimentismo em saúde, verificamos que, ao assumirem a posição de produtores, os alunos mobilizaram saberes e habilidades, demonstrando na narrativa, nas regras e nos discursos embutidos no jogo não só a sistematização de um aprendizado factual ou processual, mas também político. Entretanto, pudemos perceber que a complexidade e abrangência do tema, associada à entrada tardia da discussão sobre jogos, dificultou o engajamento dos alunos, levando a um processo de construção que, embora muito rico, ficou restrito em termos de tempo. Com base nessas reflexões e avaliações sobre a experiência anterior, tomamos duas decisões fundamentais: propor um tema mais próximo da realidade dos alunos e que já possuía mais material sistematizado, e provocar os alunos mais cedo no calendário de aulas para refletir sobre aspectos que embasariam a construção de jogos aplicados. Iniciamos com aulas expositivas sobre o tema, reconsiderando o lugar da prática de pesquisa: menos como uma etapa prévia à construção do jogo, e mais como uma estratégia inerente ao próprio processo, na medida em que a formulação da narrativa e das regras do jogo mobiliza a investigação mais amiúde, sempre de forma orientada e colaborativa. DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO: No contexto em questão, o jogo entra como meio e fim no processo de estudo e pesquisa sobre o tema da regionalização, auxiliando a visualizar, conceber e expressar os desafios e potencialidades existentes nessa estratégia de organização do SUS. Utilizamos como referência o conceito de “jogos sérios” (serious games) ou “jogos aplicados”: jogos que, além de serem divertidos, têm um propósito na vida real, e têm sido utilizados com o objetivo de conscientizar o público sobre causas políticas e sociais. Na primeira aula, depois de apresentarmos os princípios da Regionalização, procedemos à experimentação e leitura crítica sobre os possíveis sentidos emergentes das regras, do visual e da narrativa de jogos. Ficou claro que esses jogos possuem uma intencionalidade para além da imersão e diversão do jogador: transmitir mensagens e, como repercussão, mudar o comportamento dos jogadores a respeito de temas da realidade. No segundo encontro, propusemos à turma jogar o jogo desenvolvido em 2013, com objetivo de discuti-lo como possibilidade de representação e metaforização de processos reais, expressão de ideias de seus produtores e disparador de debates; reunindo as turmas para troca de experiências. A terceira aula foi dedicada a provocar outros olhares sobre jogos conhecidos, menos com a visão de jogadores em momento de lazer, e mais de ‘desenvolvedores’, buscando “estranhar” o jogo e desvendar seus elementos estruturantes. O estranhamento desses jogos produziu o levantamento de atributos e estratégias que foram confrontadas em relação à sua pertinência para o tema da regionalização. Ao final da aula, a reflexão girava em torno da questão: “Se a regionalização fosse um jogo, como poderíamos caracterizá-lo?”. Algumas considerações dos alunos revelavam tanto uma apropriação inicial do tema quanto de possíveis atributos do jogar. Destacamos algumas considerações e metaforizações produzidas: Atores políticos participantes diretos dos processos e conflitos de regionalização podem ter suas funções e desafios estudados a fim de figurarem como personagens da narrativa do jogo; A narrativa pode ser desenvolvida de modo a retratar algo mais próximo da realidade e mobilizar a competição entre os personagens/jogadores ou estimular a experimentação de modos de gestão mais desejáveis, induzindo à cooperação entre os jogadores/personagens;Elementos como recursos financeiros, estabelecimentos e equipamentos de saúde, recursos humanos, procedimentos técnicos e indicadores de saúde, podem caracterizar o cenário e a base material do jogo, compondo metas/objetivos dos jogadores; Dados da situação de saúde da região podem ser elementos de objetivos do jogo ou mesmo embutir o elemento aleatório (sorte ou revés);Os objetivos do jogo podem retratar os elementos necessários à composição de uma região de saúde, bem como estimular habilidades requeridas de um gestor, como o planejamento, a identificação das necessidades e a definição de prioridades para a distribuição de recursos; Do ponto de vista do usuário do sistema de saúde, sua trajetória pode inserir novos elementos, como: satisfação de necessidades e acesso. Foram realizadas ainda leituras, discussões em grupo e debates com uma convidada com experiência no processo de regionalização no estado do Rio de Janeiro. Em seguida, foram realizadas as oficinas Gamerama, que trouxeram conceitos mais sistematizados de design e game design e possibilitaram aos alunos experimentar o papel de game designers, construindo jogos simples de dados, de cartas e de tabuleiro. Nesse último rol, propusemos que eles buscassem associar a percepção da inserção de valores e sentidos nos jogos com os conteúdos estudados sobre regionalização. RESULTADOS E/OU IMPACTOS: O acompanhamento do processo de construção do jogo nos permite afirmar que os alunos se apropriaram dos conhecimentos relativos à regionalização do sistema de saúde no Brasil, bem como dos conceitos relacionados ao game design. De tal modo que, ocupando o lugar de desenvolvedores de jogos, foram capazes de produzir suas próprias reflexões e manifestá-las sob a forma das regras e formato desse jogo, trabalhando em equipe, a partir de leituras e pesquisas. O jogo produzido, por sua vez, expressa o caminho de ensino-aprendizagem desses alunos, mas também se configura como novo produto para disseminação de conhecimentos para todos que, no futuro, vierem a usá-lo para aprender e brincar. CONSIDERAÇÕES FINAIS: Jogos são produtos culturais que têm, em si, uma cultura específica, composta de formas e significados. Além do conhecimento inerente aos jogos, eles também mobilizam outros tipos de conhecimento que podem ser considerados "pré-requisitos", necessários não só no ato de brincar, mas ainda mais na construção de um jogo que depende da aprendizagem, discussão e questionamento de processos e mecanismos. Os jogos possuem valores e ideias embutidas em suas regras, constituindo argumentos que são passados aos jogadores, representando formas de funcionamento de processos do mundo real.  Evidentemente que, ao carregar valores, os jogos não determinam a compreensão e adesão imediata dos mesmos pelos jogadores: outros estudos amplificam a relação jogo-jogador, destacando o papel ativo do jogador, não só manipulando as peças e regras como também interpretando, questionando, criticando e mesmo criando novas regras e jogos. A vivência dessa fase inicial do processo de game design já demonstrou apropriação de conhecimentos, posicionamento dos alunos no lugar de tomada de decisão e compreensão da potencialidade de expressão por meio do jogo, abrindo caminhos para novos momentos de pesquisa, construção coletiva e reflexão crítica acerca do Sistema Único de Saúde.

Palavras-chave


regionalização em saúde; jogos; game design