Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

Tamanho da fonte: 
ESTÁGIOS SUPERVISIONADOS EM SAÚDE E NA PSICOLOGIA: UMA ANÁLISE DE DOCUMENTOS DE DOMÍNIO PÚBLICO
Aline Lopes Santana, Marcelly Alpiano Rocha, Jefferson Souza Bernardes

Última alteração: 2015-10-27

Resumo


Desde a criação do Sistema único de Saúde (SUS) as políticas públicas de saúde no país vêm preconizando a transformação das práticas profissionais e da própria organização do trabalho em saúde para atender aos princípios do atendimento integral, universal e equânime, o que envolve novas perspectivas de relação entre docentes, estudantes e Instituições de Ensino Superior (IES) com a sociedade (MATTOS, 2008). Os Estágios Curriculares Supervisionados têm funcionado como um dos principais pontos de articulação do ensino na rede de saúde uma vez que costumam ser o “momento em que o estudante entra em contato direto com a realidade de saúde da população e do mundo do trabalho” (COSTA; GERMANO, 2007, p. 707). No entanto, para Pedro Demo (2001), os estágios são concessões à prática, sua presença nos currículos é residual, são mal organizados, sem acompanhamento de qualidade por parte dos cursos e por parte dos responsáveis no local do estágio. O presente estudo objetiva identificar, problematizar e discutir as concepções e modelos de Estágios Curriculares Supervisionados em Saúde no Brasil, com ênfase na Psicologia. Orientada pelo referencial teórico-metodológico das Práticas Discursivas e Produção de Sentidos, a pesquisa procedeu por meio da Análise de Documentos de Domínio Público (SPINK, P., 2013). O foco foi em documentos que regulam e orientam os estágios e as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) dos Cursos da Área da Saúde. Os documentos foram procurados por seu conteúdo utilizando buscadores eletrônicos (SPINK et al, 2014) e arquivados em mídia digital. As DCN foram acessadas por meio do portal do Ministério da Educação (MEC). Tal busca e identificação gerou 50 resultados: 19 resoluções, 14 pareceres, 8 leis, 4 decretos, 2 medidas provisórias, 2 decreto-lei, 1 portaria. A partir daí, foram produzidos dois instrumentos: quadros para organizar todas as informações; e uma linha cronológica para compreender o processo histórico. Realizou-se a leitura exaustiva de cada documento para fazer a Transcrição Sequencial (NASCIMENTO; TAVANTI; PEREIRA, 2014) e, a partir daí, foram identificados os Repertórios Linguísticos (ARAGAKI; PIANI; SPINK, 2014, p. 229). Por meio da análise foi possível perceber que as concepções de estágio se agrupam em quatro conjuntos de sentidos (SPINK; MEDRADO, 2013): - Trabalhista, formado por repertórios como orientação educativa vocacional, competências próprias da atividade profissional, trabalho do estagiário, trabalho produtivo. Os sentidos produzidos a partir desses documentos são que o estagiário é parte da mão-de-obra das indústrias e empresas. - Tecnicista, são as concepções que reforçam a prática enquanto aplicabilidade da teoria e/ou repetição de procedimentos e técnicas. Produz-se a partir de repertórios como formação técnico-profissional, supervisão, experiência prática, técnicas de estudo e ação, treinamento supervisionado, prática de intervenções preventiva e curativa. - Formalista, é identificado a partir de documentos que descrevem, de forma hegemônica, aspectos formais/legais da prática de estágio, como documentação necessária para o estabelecimento do vínculo, locais de estágio, formas de avaliação, carga horária, tempo de estágio e outros. - Formativo, composto por repertórios como aluno, graduando, processo de formação, processo educativo, processo de formação. Esse conjunto de sentidos é produzido por documentos cuja origem vincula-se mais aos campos e órgãos da educação ao passo que preconiza a articulação entre as IES e as empresas/serviços. As concepções e modelos de estágio emergentes ao longo dos anos permitem reflexões acerca de suas definições e funcionamentos atuais. Sua origem vinculada a indústria e a concepções Trabalhistas, o Tecnicismo atrelado ao ensino profissional e centrado em técnicas e procedimentos, o Formalismo que tende a burocratizar e legalizar os processos de ensino e aprendizagem, associam-se a concepções Formativas e modelam o Estágio Curricular Supervisionado nos cursos de graduação da saúde, inclusive da Psicologia, atualmente. Nas diretrizes dos cursos de saúde, aprovadas entre 2001 e 2004, “o estágio curricular é parte obrigatória dos currículos no processo de formação superior” (SANTANA, 2015, p. 24). O caráter Formativo do estágio corrobora com o compromisso que as diretrizes têm segundo Mattos (2006), com as mudanças na formação, ao posicionar a Universidade perante seu compromisso social. Todavia, os repertórios linguísticos das DCN falam da permanência de concepções Formalistas, Tecnicistas e Trabalhistas. As DCN apresentam rupturas e permanências nas concepções de estágio que podem ser pensadas a partir da discussão suscitada por Feuerwerker e Almeida (2003) em torno da indefinição que apresentam no que diz respeito à formação por competências. Para os autores, as diretrizes propõem a formação por competências e a superação dos modelos tradicionais, mas não explicitam orientações que norteiem essa superação. No que concerne à Psicologia, as características tecnicistas que o estágio e a formação mantém dificultam a aproximação com os modos de promover o cuidado propostos pelas políticas públicas de saúde. A delimitação de alguns períodos do curso para a realização de práticas, não oportuniza, por exemplo, o aprofundamento da vivência do estudante nas relações de ensino-serviço-comunidade de modo que a formação se dê no e para o serviço. Os estudantes não têm como conhecer o território e o serviço, portanto, não experienciam o desenvolvimento do vínculo. Somado a isso, o posicionamento das instituições formadoras enquanto responsáveis por programar e supervisionar os estágios produzem a noção hierárquica de que a universidade está acima dos serviços de saúde, dificultando a criação de espaços coletivos em que os trabalhadores, os alunos-estagiários e os professores-orientadores possam, em conjunto, interrogar e analisar o seu cotidiano de trabalho (SILVA; CABALLERO, 2010). A articulação entre o universo do trabalho e o ensino se apresenta como uma alternativa na construção de experiências que priorizem a formação de recursos humanos para a saúde pública em busca de superar o tradicional modo das instituições formadoras de produzir e formular conhecimentos que sustentam paradigmas tecnicistas e cartesianos, produtores de procedimentos e não de processos de cuidado (CECCIM, 2010). Nesse sentido, destacam-se dois movimentos: - a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde (PNEPS), instituída pelo Ministério da Saúde em 2004, para articular a formação e o desenvolvimento de trabalhadores para o SUS (BRASIL, 2004). A estratégia de Integração Ensino-Serviço faz parte da PNEPS, e se desdobra em projetos, como o Ver-SUS e Aprender SUS, e programas, como PET-Saúde  e Pró-Saúde, que ajudam a orientar a formação para: o trabalho coletivo pactuado, articulado e integrado; a qualificação da atenção à saúde individual e coletiva; a excelência da formação profissional; e o desenvolvimento/satisfação dos trabalhadores dos serviços (ALBUQUERQUE et al, 2008); - e a Resolução nº 350, de 9 de junho de 2005 do Conselho Nacional de Saúde, que aprova diretrizes gerais para a autorização, reconhecimento e renovação de cursos de graduação da saúde. Tal Resolução reitera a necessidade de formar profissionais com perfil, número e distribuição adequados ao SUS e estabelecimento de projetos políticos-pedagógicos compatíveis com a proposta de Diretrizes Curriculares Nacionais, comprometidas com a integralidade, a multiprofissionalidade e a produção de conhecimento, coerentes com as necessidades sociais (BRASIL, 2005). Preocupa-se com as demandas sociais, político e econômicas para a abertura dos cursos, além da orientação dos cursos estarem voltados para o atendimento das necessidades de saúde da população. Tais processos apontam para uma perspectiva de formação orientada para o ensino em serviço, na qual teoria, prática e pesquisa dialogam em torno das questões de saúde demandadas pelas necessidades de saúde da população e pelos princípios do SUS, sendo fundamental a noção de rede para essa construção. 

Palavras-chave


Estágio Curricular Supervisionado. Saúde. Psicologia.

Referências


ALBUQUERQUE, V. S. et al. A integração ensino-serviço no contexto dos processos de mudança na formação superior dos profissionais da saúde. Rev. bras. educ. med. Rio de Janeiro, v. 32, n. 3, p. 356-362, Set. 2008.

ARAGAKI, S. S.; PIANI, P. P.; SPINK, M. J. Uso de repertórios linguísticos em pesquisa. In: SPINK, M. J. P.; BRIGAGÃO, J. I. M.; NASCIMENTO, V. L. V.; CORDEIRO, M. P. A produção de informação na pesquisa social: compartilhando ferramentas. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2014 [publicação virtual].

BRASIL. MS. Portaria nº 198, de 13 de fevereiro de 2004. Institui a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde. Diário Oficial da União nº 32/2004, secção I, Brasília, DF, 13 de fev. 2004. Disponível em <http://ww2.prefeitura.sp.gov.br//arquivos/secretarias/saude/legislacao/0137/PortariaGM_2004_0198.pdf>. Acesso em 10 de junho de 2015.

_______. CNS. Resolução nº 350, de 9 de junho 2005. Disponível em <http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:7GQDJUpVQkcJ:conselho.saude.gov.br/resolucoes/2005/Reso350.doc+&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br>. Acesso em 05 de julho de 2015.

CECCIM, R.B. Residências em saúde: as muitas faces de uma especialização em área profissional integrada ao SUS. In: FAJARDO, A. P.; ROCHA. C. M. F.; PASSINI, V. R. (Org.). Residências em saúde: fazeres & saberes na formação em saúde. Porto Alegre: Hospital Nossa Senhora da Conceição, 2010.

COSTA, L. M.; GERMANO, R. M. Estágio curricular supervisionado na Graduação em Enfermagem: revisitando a história. Rev. bras. enferm.,  Brasília ,  v. 60, n. 6, p. 706-710, Dez. 2007.

DEMO, P. Pesquisa: princípio científico e educativo. São Paulo: Cortez, 2001.

FEUERWERKER, L.; ALMEIDA, M. Diretrizes curriculares e projetos pedagógicos: é tempo de ação!. Rev. bras. enferm.,  Brasília ,  v. 56, n. 4, p. 351-352, ago.  2003.

MATTOS, D. As novas diretrizes curriculares e a integralidade em saúde: uma análise das possíveis contribuições da odontologia para o trabalho em equipe. 2006. Dissertação (mestrado). Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

MATTOS, D. A integração curricular na odontologia e a incorporação do princípio da integralidade em saúde: encontros ou desencontros? In: MACAU, M, G. L. Saúde bucal coletiva: implementando ideias, concebendo integralidade, p. 59-69. Rio de Janeiro: Rubio, 2008.

NASCIMENTO, V. L. V.;TAVANTI, R. M.; PEREIRA, C. C. Q. O uso de mapas dialógicos como recurso analítico em pesquisa. In: SPINK, M. J. P.; BRIGAGÃO, J. I. M.; NASCIMENTO, V. L. V.; CORDEIRO, M. P. A produção de informação na pesquisa social: compartilhando ferramentas. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2014 [publicação virtual].

SANTANA, B. M. Estágio Curricular Supervisionado na rede de Saúde/SUS: análise de documentos do ministério da saúde. 2015. Dissertação (mestrado em Psicologia). Maceió: Universidade Federal de Alagoas, Brasil.

SILVA, Q. T. A.; CABALLERO, R. M. S.. A micropolítica da formação profissional na produção do cuidado: devir-residência In: FAJARDO, A. P.; ROCHA. C. M. F.; PASSINI, V. R. (Org.). Residências em saúde: fazeres & saberes na formação em saúde. Porto Alegre: Hospital Nossa Senhora da Conceição, 2010.

SPINK, M. J.; MEDRADO, B. Produção de sentidos no cotidiano: uma abordagem teórico-metodológica para análise das práticas discursivas. In: SPINK, M. J. (Org.). SPINK, M. J. P. (Org.). Práticas discursivas e produção de sentidos no cotidiano. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2013 [publicação virtual].

SPINK, P. Análise de documentos de domínio público. In: SPINK, M. J. (Org.). SPINK, M. J. P. (Org.). Práticas discursivas e produção de sentidos no cotidiano. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2013 [publicação virtual].

______. Et al. Documentos de domínio público e a produção de informações. In: SPINK, M. J. P.; BRIGAGÃO, J. I. M.; NASCIMENTO, V. L. V.; CORDEIRO, M. P. A produção de informação na pesquisa social: compartilhando ferramentas. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2014 [publicação virtual].