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ACOLHIMENTO EM SAÚDE BUCAL NA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA: experiência da Residência Multiprofissional em Saúde da Família e Comunidade
Última alteração: 2015-11-23
Resumo
INTRODUÇÃO: A inserção da odontologia na Estratégia Saúde da Família (ESF) representou a possibilidade de criar um espaço de práticas e relações a serem construídas para reorganizar o modelo de atenção. Ampliar o acesso às ações e serviços odontológicos, além de influenciar a reorientação do processo de trabalho e a ressignificação dos saberes e práticas para a atuação da saúde bucal. Nesse contexto, o acolhimento é definido como uma ação tecno-assistencial que pressupõe a mudança da relação profissional/usuário e sua rede social através de parâmetros técnicos, éticos, humanitários e de solidariedade, reconhecendo o usuário como sujeito ativo no processo de produção da saúde. Este trabalho tem por objetivo relatar o processo de implantação e operacionalização do Acolhimento em Saúde Bucal com Classificação de Risco vivenciados nos cenários de prática da Residência Multiprofissional em Saúde da Família e Comunidade em Fortaleza, ênfase da Residência Integrada em Saúde da Escola de Saúde Pública do Ceará (RIS-ESP/CE). DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO: A ESF tem como pressupostos a responsabilidade sanitária e a coordenação do cuidado territorializados, considerando o indivíduo em seu contexto familiar e inserção sociocultural como centro estratégico da organização do cuidado. Os profissionais da odontologia como parte da equipe de referência da ESF, geralmente apresentam dificuldades em superar questões organizacionais para atendimento da demanda. Nesse caso, a implantação de acolhimento tensiona e provoca mudanças nos modos de organização das equipes, nas formas de acesso às ações e serviços de saúde bucal, influenciando nas relações entre os trabalhadores e nos modos de produção do cuidado. Com isso, organizar-se a partir do acolhimento, mais do que um modo de operar os processos de trabalho em saúde e de escuta qualificada da demanda, exige que a equipe reflita sobre o conjunto de ações e serviços ofertados que ela tem apresentado para lidar com as necessidades/demandas de saúde da população. Necessitando assim, considerar a adequação da estrutura física/capacidade instalada, cobertura populacional pela ESF, manutenção dos serviços e a compatibilização entre a oferta e a demanda por ações e serviços odontológicos. Para sistematização e delineamento das vivências que desencadearam nesse relato de experiência, foi utilizada a metodologia proposta por Holliday (2006), segundo o qual um relato de experiência deve ser organizado em cinco tempos: 1. Ponto de partida; 2. Perguntas Iniciais; 3. Recuperação do processo vivido; 4. Reflexão de fundo; e 5. Pontos de chegada. RESULTADOS: Tendo por base os tutoriais da RIS-ESP/CE que orientam o processo de territorialização durante a imersão e inserção comunitária e a organização do processo de trabalho dos residentes nos territórios de atuação, os quais são entendidos como momentos cruciais para subsidiar o planejamento e a organização do processo de trabalho na ESF, configurando assim, o ponto de partida desse relato. Como parte do processo de territorialização, além de aspectos epidemiológicos, sociais, políticos e relações de poder que puderam ser identificados/percebidos, procurou-se apreender aspectos referentes a cada categoria. Subsidiando as perguntas iniciais e a reflexão sobre a organização do processo de trabalho da odontologia. Observou-se que o acesso era restritivo e excludente baseado na demanda espontânea e nas filas da madrugada. Associado a falta de padronização do processo de trabalho da categoria nas unidades de saúde. A residência tem como diretriz que o Acolhimento em Saúde Bucal com Avaliação e Classificação de Risco, constitua-se na ferramenta prioritária para organização do acesso e acolhimento dos usuários às ações e serviços odontológicos nos cenários de prática dos residentes. O Acolhimento foi desenvolvido seguindo o Tutorial para o planejamento e implantação do Acolhimento em Saúde Bucal na Estratégia Saúde da Família da RIS-ESP/CE, o qual está estruturado nos seguintes pontos: 1. Diagnóstico situacional; 2. Identificação de locais na comunidade; 3. Protocolo de avaliação e classificação de risco; 4. Planejamento 5. Operacionalização. O primeiro e segundo pontos já foram levantados durante o processo de territorialização, que permitiu a contextualização da área adscrita e proporcionou a identificação de locais na comunidade para o estabelecimento de parcerias para a realização dos acolhimentos. O protocolo de avaliação e classificação de risco tem por objetivo facilitar a operacionalização dos acolhimentos e o alinhamento entre os profissionais. O referido protocolo foi adaptado de uma experiência anteriormente desenvolvida no município. Dessa forma a classificação de risco seguia os seguintes critérios: Risco 1: sem atividade de doença/ sem necessidade assistencial (lesão de mancha branca; gengivite; presença de biofilme) Risco 2: com necessidade de assistência programada (cáries pequenas, presença de cálculo, Periodontite crônica, Traumatismo leve); Risco 3: com necessidade de assistência prioritária (cáries ativas e amplas, presença de foco de infecção, periodontite severa, necrose pulpar, lesões de tecido mole, dente decíduo c/ permanente erupcionado, urgências); Tratamento único: com necessidade de um único procedimento e/ou referência ao serviço de atenção secundária. A Operacionalização do acolhimento era dividida em quatro momentos basicamente: 1. Recepção dos usuários: momento em que os ACS faziam o preenchimento de uma ficha de identificação dos usuários; 2. Orientações gerais: momento de explicação dos objetivos do acolhimento e de pactuação com os usuários sobre os critérios de prioridade do atendimento; 3. Execução de ações de educação e promoção em saúde, com caráter multidisciplinar, envolvendo toda equipe de residentes; 4. Escuta e avaliação individual: cada usuário é examinado e classificado de acordo com o protocolo. Como reflexão de fundo destacamos que os acolhimentos ajudaram a reduzir as barreiras ao acesso dos usuários na busca pela atenção à saúde bucal, constituíram-se em momentos de participação popular e de co-responsabilização entre profissionais e usuários, além do estímulo a formação de vínculo. Entretanto, não foi atingida a potencialidade dessa diretriz operacional e sua evolução depende do entendimento que este é um processo dinâmico e como tal necessita ser constantemente reavaliado, repensado, re-planejado para que ele possa se constituir num dispositivo que permita instituir mudanças na organização do processo de trabalho e romper com os processos cristalizados. Dentre os limites dessa ferramenta apontamos que apesar de ser uma diretriz da Política Municipal de Saúde Bucal para organização do processo de trabalho da categoria, com exceções pontuais, os acolhimentos restringiram-se ao contexto da residência, decorrentes da falta de apoio e suporte para implantação dessa diretriz, associado à baixa cobertura populacional, às deficiências estruturais, manutenção e descontinuidade dos serviços ofertados; dificuldades de interação entre residentes e profissionais do serviço. As limitações e contradições discutidas nesse relato, refletem questões imanentes da precarização e constrangimentos do próprio SUS, enquanto política de saúde pública, as quais inviabilizam os atributos esperados para que a ESF seja efetivada como porta de entrada preferencial ao sistema de saúde, como ordenadora das redes de atenção à saúde e coordenadora do cuidado integral, contínuo e longitudinal. CONSIDERAÇÕES FINAIS: O acolhimento proporciona um estabelecimento e fortalecimento do vínculo, ampliando os laços relacionais, desenvolvendo afetos e potencializando o processo terapêutico entre os usuários, os trabalhadores de saúde e os gestores. Entendendo o acolhimento como ferramenta para organização do processo de trabalho e como diretriz de gestão para o acesso às ações e serviços de saúde, prescinde de apoio institucional e de condições estruturais condizentes com a potencialidade esperada.
Palavras-chave
Estratégia Saúde da Família; Processo de Trabalho; Saúde Bucal