Anais do 12º Congresso Internacional da Rede Unida
Suplemento Revista Saúde em Redes ISSN 2446-4813 v.2 n.1, Suplemento, 2016
O Conceito Nietzschiano da Grande Saúde: uma perspectiva estética na formação em saúde
Maria Auxiliadora Maciel de Moraes, Silas Borges Monteiro
Última alteração: 2015-12-15
Resumo
APRESENTAÇÃO: O resumo é parte do capitulo da tese de doutorado em Educação que trata sobre o tema Saúde, numa perspectiva nietzschiana, estabelecendo crítica sobre os conceitos vigentes em saúde na formação profissional. Nietzsche concebe totalmente o humano no sentido profundo do naturalismo. Assim, o conceito de saúde nietzschiano não é contemplado pela ideia corrente de um tipo que “esbanja” saúde por conservá-la em um perfeito estado de normalidade, cujo critério de retidão e verdade é definido previamente. Pois a saúde está associada com movimento de criação, e proclama como "potência criadora" que, ao mesmo tempo, abarca tanto a vida sã e forte quanto a vida doente, sofredora e declinante; Nietzsche não postula critério de valor à saúde do ser humano. E a fisiologia que compõe a ideia nietzschiana não tem caráter de disciplina científica, contudo ela adquire uma conotação de “artes experimentais”, cuja centralidade está nas temáticas da pluralidade dos instintos e dos afetos, que são interpretados como processos instáveis de quantum de potência. Por isso a investigação fisiológica não se limita apenas ao âmbito teórico, sendo necessária a experimentação que aumente a potência do quantum, principalmente com questões que preservem a força pulsional. Essa força é singular, pois cada vivente a experimenta como processo fisiológico próprio, e é nutrida pela alimentação, digestão, clima e outras questões que influenciam na constituição orgânica do corpo. E são esses aspectos que movem a fisiologia nietzschiana numa perspectiva orgânica de constituição de si, pois Nietzsche, em Ecce Homo, sempre se refere como alguém que procedeu a uma análise sobre si mesmo, relacionando tanto os aspectos externos quanto os internos que influenciaram na dinâmica fisiológica do seu corpo e na singularidade de seu filosofar. Entretanto, a ciência médica determina a saúde e normalidade para o corpo a partir de regras prescritivas, que não são ingênuas e nem neutras, pautadas sob a visão reducionista causal e temporal no processo de tornar-se saudável. Nietzsche discute a ideia da grande saúde como resultante das relações estabelecidas pela força e potência vital. Seu personagem Zaratustra ensina que “há mil saúdes” do corpo múltiplo e criador de si, que busca superar-se e “criar para além de si”. Canguilhem discute sobre “normatividade biológica” numa ideia similar de Nietzsche sobre a grande saúde, na qual se considera o corpo como criador de si, por ser capaz de instituir normas em diferentes momentos do seu estado de saúde e doença. Assim, o corpo biológico não visa somente adquirir um estado normal, mas avança por se tornar normativo, ou seja: ele ultrapassa a própria norma padrão de saúde pré-estabelecida por (re) criar o seu estado de saúde, em diferentes situações adversas, por ser a vida uma polaridade dinâmica entre o normal e o patológico. Então, a doença não se estabelece por algum desvio de uma norma pré-estabelecia prescritiva, mas, sobretudo, por que o vivente exauriu as suas forças para lutar contra as dificuldades em sua vivência. A saúde canguilheana não está atrelada às orientações verticalizadas pastorais das autoridades e especialistas, mas é da ordem de resposta do processo de individuação em relação à vida. Nesse sentido, rompe-se com o dualismo saúde e doença, já que a anormalidade não existe no ciclo vital. Essas perspectivas sobre saúde são contrárias às definições que circulam na formação em saúde em geral. DESENVOLVIMENTO: É um estudo temático, com apreensão teórica conceitual reflexiva e filosófica, cujo objetivo é refletir sobre o conceito de saúde vigente, numa perspectiva nietzschiana da grande saúde. RESULTADOS: a definição de saúde da Organização Mundial de Saúde é entendida como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social, não consistindo apenas ausência de uma doença ou enfermidade”. Entretanto, ela está desvinculada da vida como força vital singular, mantendo uma lógica de permuta valorativa entre as situações: ou saúde ou doença. Moreira refere que essa ideia de “bem-estar” traduz em uma concepção inatingível, uma vez que o seu julgamento de valor é pautado numa meta de alcance universal, o que é impossível dada à incompletude dos processos vitais fisiológicos que são singulares. O conceito sobre saúde da VIII Conferência, a partir do entendimento nietzschiano e canguilheano, aborda o processo de saúde versus doença valorada a partir da relação entre condição de vida, saúde e sociedade, determinado pela realidade macroestrutural, que não considera qualquer possibilidade desviante de alguém conduzir a saúde para si. Caponi problematiza a definição de saúde apresentada pela VIII Conferência Nacional de Saúde e recorda que o conceito de saúde articulado com a sociedade já era próprio da política higienista, que implica o direcionamento de práticas e intervenções no corpo e na vida dos indivíduos, perpetuando o processo de medicalização. A grande saúde nietzschiana é um movimento de se criar para si uma estética na existência, incorporando o lado trágico da vida que não anula a dor, o sofrimento, a penúria nos estados de saúde-doença. Nos termos aqui tratados, a saúde é uma experiência singular, que diz respeito à diferenciação, à individuação e ao estilo de cada um, em seu próprio processo vital de experimentar a vida. CONSIDERAÇÕES FINAIS: Nietzsche ensina a arrebentar com o sentido do processo de adoecimento, pois para a medicina a doença se caracteriza por um comportamento desviante do corpo. Para Nietzsche a doença é um estímulo para que o humano se afirme diante do sofrimento físico e/ou psíquico a fim de autossuperar em sua existência. Além do mais, esse ideal de “saúde” traduz uma valoração com princípio de igualdade: todos obterão a pretensa “saúde”, mesmo que seja à custa de mecanismos prescritivos por meio de regras, normas, condutas morais e valores e sentidos falseados de felicidade um exemplo são os excessos de corretivos ao corpo por meio de cirurgias estéticas e os excessos de medicamentos psicofármacos e outros. A saúde na perspectiva fisiológica nietzschiana é entendida como força ativa, uma multiplicidade de impulsos, que se encontra em constante batalha com os processos de ordenação ou desorganização, o que traduz uma permanente criação e re-criação de valores para si própria - o corpo criador, como se refere o personagem Zaratustra. Nesse sentido o corpo se torna como um feixe de forças que se cambia por entre diferentes devires, com potência para criar a “grande saúde” para si, explodindo com o eixo das valorações binárias: espírito e corpo, vida e morte, saúde e doença e, assim, promovendo a desclivagem dos mesmos. A grande saúde trata de evocar o humano, demasiado humano para não se esquecer do longo tempo que nos fizeram acreditar em uma verdade, um juízo moral, um valor sobre a saúde, doença, loucura, vida, morte. A grande saúde é permitir-se o caos, uma saúde reinventada, ressurgida de si em uma potente marcha para o seu próprio devir. Essa perspectiva da grande saúde é uma maneira estética de se coexistir no processo de formação em saúde, no encontro de alteridade com o outro; além do mais, essa saúde medicalizada é conduzida por um olhar fragmentado das especializações em saúde, que esquarteja o vivente e espalha a sua singularidade a ponto dele não se reconhecer como sendo capaz de olhar para si e determinar as práticas mais elementares de saúde para o seu corpo, em consonância com a efetividade da sua vivência.
Palavras-chave
Educação; Filosofia; Formação em Saúde
Referências
CANGUILHEM, Georges. O normal e o patológico. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010.
CAPONI, Sandra. Georges Canguilhem y el estatuto epistemológico del concepto de salud. História, Ciências, Saúde — Manguinhos, IV (2): 287 - 307, jul./out. 1997. Disponível em < http://www.scielo.br/pdf/hcsm/v4n2/v4n2a05.pdf >. Acesso em 29 dez 2013.
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MOREIRA, Adriana Belmonte. Corpo, Saúde e Medicina a partir da Filosofia de Nietzsche. 2006. 92p. Dissertação (Mestrado em Filosofia) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006.
NIETZSCHE, Friedrich. Assim falou Zaratustra. Companhia das Letras, 2011.
______. Ecce homo: como alguém se torna o que é. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
______. Vontade de Potência. Rio de Janeiro: Vozes, 2011. (Coleção Textos Filosóficos)