Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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A INVISIBILIDADE DE QUEM É VISTO TODOS OS DIAS: DIFICULDADES DO VIVER NA RUA
SCHEILA MAI, RAFAEL ROSSETTO, FÁTIMA MARTINS, FABIO HERRMANN, JÉSICA MAI, JANAINNY MAGALHÃES FERNANDES, GILIARD MAI, BERNADETTE KREUTZ ERDTMANN

Última alteração: 2015-11-24

Resumo


APRESENTAÇÃO: As pessoas em situação de rua estão por todos os lugares, se refugiando das intempéries, espalhados pelos espaços públicos, estando tão próximos, mas ao mesmo tempo tão distantes que podemos as ver, mas não as (re)conhecer. Morin¹ compreende que a abertura subjetiva em relação ao outro determina que estejamos abertos para determinadas pessoas próximas e privilegiadas, mas que na maioria do tempo permanecemos fechadas para as demais. Descreve ainda o quanto que na vida cotidiana ficamos quase indiferentes às misérias físicas e partimos para os julgamentos morais, dos quais sentimos repugnância pelo “vagabundo” encontrado na rua e que, entretanto, somos capazes de sentir compaixão pelo mesmo quando se encontra na leitura ou na projeção de um filme. Disto decorre a necessidade de estudar e compreender o visível mais incompreensível, pois para o mesmo autor¹, a visão é o sentimento mais confiável que temos e em consequência a essa confiança é que surgem os inúmeros erros de percepção. Nas trajetórias de vida da população de rua é possível visualizar a exclusão social como um processo de exclusão do seu lar, das leis, dos seus direitos, da humanidade, da vida e da condição humana². METODOLOGIA: Trata-se de um recorte de um estudo qualitativo, exploratório e descritivo, do qual foi desenvolvido a partir de entrevistas individuais semi-estruturadas com 14 pessoas em situação de rua e observação participante dos mesmos, incluindo mais seis pessoas, totalizando 20 atores observados através de imersão em locais de agrupamento de pessoas em situação de rua, em um município do Oeste Catarinense. Este estudo respeitou a Resolução/CNS 466/12 e foi aprovado por Comitê de Ética em Pesquisa.  O trabalho teve como objetivo compreender o cotidiano das pessoas em situação de rua, a luz dos saberes de Edgar Morin, sendo um recorte da pesquisa, os resultados apresentados serão com enfoque nas dificuldades que essa população encontra pelo viver na rua. RESULTADOS: A compreensão entre os seres humanos quer próximo, quer estranho, é fundamental para que as relações humanas saiam de seu estado bárbaro de incompreensão¹. Para muitos a rua é encarada como uma situação difícil, que representa sofrimentos, julgam que viver na rua não é bom, não é vida. Diante da complexidade do conhecer, surge a necessidade de buscar no subjetivo de cada ser, qual é a maior dificuldade que uma pessoa em situação de rua encontra no cotidiano por estar vivendo nesta condição. Imediatamente são concebidas no nosso inconsciente as dificuldades que essa população enfrenta, pensamos logo em ser a fome, o frio, a falta de moradia e/ou de emprego, a presença de doenças e a ausência familiar, e assim simplificamos um mundo de complexidades à uma visão cegueira. No complexo mundo do conhecer o real o que é revelado nos surpreende quando, a maior dificuldade de viver na rua relatada pelas pessoas em situação de rua é a rejeição da população. O desprezo sentido, demonstrado por parte das outras pessoas os fere, os machucam, deixam marcas, que estão enraizadas em suas falas quando essas se revelam: “A maior dificuldade é a indiferença das pessoas, né?... que te tratam como se tu não fosse uma pessoa, te olham: ‘é um morador de rua’, muita gente não te trata bem”.;“Dificuldade é você estar andando, você passa e o povo: ‘aquele é um drogado, é um ladrão!’”. Para Morin¹ é assim que encerramos o problema quando dizemos os “drogados”. Temos aqui uma categoria que despreza a vítima, que a julga e a culpabiliza por esta situação, onde a única arma, evidentemente, é a repressão. Morin¹ também descreve que “se descobrirmos que somos todos seres falíveis, frágeis, insuficientes, carentes, então podemos descobrir que todos necessitamos de mútua compreensão”. Enquanto seguimos a reprimir os oprimidos, continuaremos a viver em uma sociedade tão cega quanto opressora, que emite a responsabilidade do opressor e, se não bastasse ainda, justifica essa omissão “jogando” o problema ao próprio oprimido. A compreensão não desculpa nem acusa: pede que se evite a condenação peremptória, irremediável, como se nós mesmos nunca tivéssemos conhecido a fraqueza nem cometido erros. “Se soubermos compreender antes de condenar, estaremos no caminho da humanização das relações humanas”¹. As pessoas em situação de rua vivenciam constantemente cenas de desprezo, seja por um olhar, por uma expressão, por uma palavra. Eles sentem que são ignorados, rejeitados, excluídos, pré conceituados como “vagabundos”, perigosos, ladrão entre outras denominações. O desprezado, sente-se ferido, mutilado e machucado “[...] sabe quantas vezes uma pessoa passou e parou para conversar comigo? Você é a terceira pessoa entre esses oito anos que estou na rua”.A etapa que a própria humanidade lhe é negada, é uma das mais cruéis fases que podem existir ao ser humano7. Somos seres de interdependência, dos quais necessitam vivenciar momentos de troca com o outro para o crescimento e realização pessoal4. As pessoas podem buscar constantemente a realização pessoal, mas se a sociedade as negar, se os transeuntes as desprezar, se persistir o sentimento de fazer de conta que tais pessoas não existem, a realização pessoal será uma busca inatingível e utópica para toda a sociedade. CONSIDERAÇÕES FINAIS: O maior dilema do ser humano tem sido o de lidar com a dicotomia do eu e do outro, esquecendo que somos seres alicerçados na negação explícita da existência do outro, por meio da indiferença e da exclusão. Infelizmente, convivemos com uma terrível sensação de impunidade por aquele que vive às margens, de onde lhe é recusado os direitos como ser pertencente à sociedade. A população em situação de rua possui características próprias que, em condições miseráveis, encontram meios de sobrevivência em uma sociedade voltada à cegueira humana, que se torna indiferente ao diferente como tentativa de não enxergar o que não lhes agrada, ignorando, assim, a própria condição humana. Recordamos que Morin,justifica esse processo como o enfraquecimento da solidariedade que cada um deixou de entender seu laço orgânico com a cidade e os seus concidadãos. Compreendemos que esse enfraquecimento da solidariedade, tem ocorrido em consequência da evolução do mundo capitalista que tem direcionado as pessoas a viver no egocentrismo, mas entendemos ainda que, a solidariedade só poderá existir diante daquilo que me proponho a compreender, enquanto a sociedade persistir em ignorar, excluir e marginalizar o desconhecido (as pessoas em situação de rua), continuaremos a viver o estado bárbaro da incompreensão, que acusa e julga sem mesmo conhecer.

Palavras-chave


: Dificuldade. População em situação de rua. Invisibilidade

Referências


¹MORIN, E. Ciência com consciência. Rio de Janeiro: Bertrand, 2000

 

²ESCOREL, S. Vidas ao léu: uma etnografia da exclusão social. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 1999.

 

³MORIN, E.O método 5: A humanidade da humanidade.Porto Alegre: Sulina, ed.4, 2007. P. 309

 

4ERDMANN A. L. Os sistemas de cuidados da enfermagem. Pelotas: UFSC, 1996.

 

5ROSA A.S.; CAVICCHIOLI M,G.; BRETAS A.C. O processo saúde-doença-cuidado e a população em situação de rua. Revista Latino americana Enfermagem, v. 13, 2005. Disponível em:<http://bases.bireme.br/cgi-bin/wxislind.exe/iah/online/?IsisScript=iah/iah.>Acesso em: 13 ago. 2013

 

6BRASIL. Constituição da Republica Federativa do Brasil. 1988 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 10 abr. 2012.

 

7MATTOS, R. M.; FERREIRA, R. F. Quem vocês pensam que (elas) são? Representações sobre as pesssoas em situação de rua. Revista Psicologia & Sociedade, […], n.16, p.47-58. 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/psoc/v16n2/a07v16n2.pdf> Acesso em: 05 mai. 2012.

 

8MORIN, E. A cabeça bem-feita : repensar a reforma, reformar o pensamento. JACOBINA, E (tradução). Rio de Janeiro :   Bertrand Brasil,   2002.