Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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Valorizando a palavra do idoso para além da dinâmica capitalista: imprimindo o “novo” na escuta de “velhos” na atenção básica
Jaqueline Oliveira

Última alteração: 2015-10-29

Resumo


APRESENTAÇÃO: Este trabalho é resultado de um projeto de estágio de Psicologia realizado em uma Estratégia Saúde da Família (ESF). O que irá se apresentar é um recorte e valorização de falas de indivíduos idosos, que por vezes são vistos como sujeitos “velhos”, pois são observados a partir de olhares capitalistas, que tentam incansavelmente imprimir a “máscara” do novo. Toda história de vida é uma história a se contar de forma singular que imprime na memória uma versão pessoal, mas compartilhada de acontecimentos carregados de existência. Lembrar e contar sobre a mesma, tem uma função primordial em relação aos idosos, é resgatar histórias vividas que são reais e presentes, cheias de emoções e afetos. As lembranças que permanecem são aquelas potencializadas em sentimentos sejam eles de felicidade ou tristeza, nomear os sentimentos em palavras é conciliar o passado com o presente e porque não pensar em um futuro, mesmo que ele seja próximo e apresente a morte como limite. A partir desta ideia os objetivos traçados na realização do estágio foram à construção de um espaço discursivo para possibilitar a fala destes sujeitos que por vezes vivem em uma completa invisibilidade na sua comunidade e em casa; apoio terapêutico a Estratégia Saúde da Família; acompanhamento nas visitas domiciliares com os agentes comunitários de saúde. DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO: É fundamental diferenciar o envelhecimento da velhice. O envelhecimento é uma expressão originada na biologia, é uma etapa do desenvolvimento humano, assim como, a puberdade correspondente ao processo da adolescência. Essa fase provoca relevantes modificações sociais, psicológicas e principalmente biológicas devido à passagem do tempo cronológico. Já a velhice é o resultado, a condição do sujeito que passa pelo envelhecimento, ela é carregada de representações sociais relacionadas diretamente com a forma como as pessoas vivem acima dos 65 anos de idade. É importante destacar que as representações sociais, são um conjunto de ideias, conceitos, explicações construídas no cotidiano das relações entre indivíduos, elas tornam-se significativas, pois influenciam no modo de viver das pessoas e da sociedade. Debater sobre representação social se faz fundamental para compreender as representações sobre envelhecimento e velhice caracterizadas com perdas, doenças, limitações e incapacidades. Nesta perspectiva, a criação de um espaço de fala permitiu que os idosos recuperassem suas referencias simbólicas e sociais, proporcionando sair desta alienação e anonimato que por vezes o discurso social e científico os reduz. Quando se abre a possibilidade da fala desses “velhos” como se autodenominam, algo novo se insere, uma nova oportunidade de olhar para sua vida de outra maneira e compreender situações que até então passavam despercebidas, ou até mesmo permaneciam como traumas. É a reelaboração da herança histórica, afinal sofremos os efeitos dela no corpo físico e no psiquismo.  Inicialmente o método adotado foi à observação participante, posteriormente, entrevistas semanais com idosos em suas casas, através da qual surge uma narrativa espontânea por parte destes sujeitos e abordagem terapêutica através da palavra (escuta clínica). RESULTADOS E/OU IMPACTOS: A “escuta” abriu a possibilidade de reconstruir histórias de idosos de 70 a 107 anos, que são exemplos de quem muitas vezes fica a margem de uma sociedade em que o velho é descartado, pois já não é mais produtivo, bem como, são esquecidos pelos próprios familiares que “não tem tempo” para os mesmos. No momento que se deparam com um outro disposto a lhe “dar ouvidos”, trazem histórias de vida ricas em detalhes e denominadas por eles mesmos como um “romance”, narrativas que por vezes estão escondidas no íntimo do pensamento ou até mesmo fixadas no tempo já vivido, é um baú a ser aberto. Analisando esta experiência teoricamente, devemos situar a mesma dentro de um contexto histórico e de um sistema de produção, neste caso o capitalismo. Podemos afirmar que o discurso capitalista desenvolve um mercado de consumo para à “velhice”, ou seja, são produtos e técnicas desenvolvidos com o objetivo de esconder e protelar os efeitos da idade sobre o corpo físico e psicológico. É importante afirmar, que para a lógica capitalista sustentar o ideal de juventude é fundamental, este é um dos motivos pelo qual a palavra “idoso” surge, na tentativa de esconder o inevitável, as limitações, a finitude em última instância a morte. CONSIDERAÇÕES FINAIS: Percebemos que os idosos/velhos têm um conhecimento, um saber, eles podem ser produtivos, não no sentido de gerar lucros ou ainda produzir cientificamente, mas sua construção resulta em benefícios para o contexto social. Eles são o elo da história de cada família, o “saber” que quando não transmitido na sua forma de narrativa, de versão de vida, aparece como repetição e sintoma nas gerações seguintes. Dessa forma o que eles transmitem tem efeitos também nos filhos, netos e posteriores gerações, permitindo uma rede familiar apoiada em referenciais simbólicos, evitando a repetição daquilo que não se fala os sintomas, sofrimentos, doenças físicas e psíquicas. Portanto, analisando a escuta destes idosos, bem como, os efeitos do discurso capitalista, denunciamos esta realidade proposta nas entrelinhas das construções “positivas” sobre envelhecimento: “só é velho quem quer”. A partir desta suposta escolha de cada sujeito, a uma verdade que prevalece, não há um lugar para o velho na sociedade, mas sim espaços restritos e próprios criados para que os idosos convivam, um bom exemplo desta verdade, são os asilos. É imprescindível destacar que é intrínseco ao processo de envelhecer a finitude, ou seja, a morte. A pergunta que fica é: “Por que a para que ter medo do inevitável?” A sociedade vive um tempo histórico que a morte é negada, a sociedade produziu seres narcísicos que por vezes negam sua mortalidade, com isso podemos compreender aqueles que veem a velhice como um defeito e não como um estágio de existência. A partir da década de 60 no século XX com a ascensão da juventude, os jovens gradativamente passaram a dominar a tecnologia desconhecida pelos mais velhos. Pela primeira vez na história os mais velhos passam a não ser os detentores do saber sobre a vida, o processo de transmissão é afetado significativamente, de forma que a comunicação entre gerações é posta em risco. Vivemos na sociedade do consumo, do descartável, da jovialidade, da beleza, das descobertas, da evolução, em que os velhos já não são mais referenciais. Enfim, apesar de toda evolução e possibilidades, não podemos alterar esta verdade absoluta: a morte, ela é a única certeza da vida e sem ela, seria insuportável viver. A morte torna a vida plena de sentido, nesta perspectiva o trabalho realizado com estes idosos foi de imprimir o novo aonde o velho predominava, sem desconsiderar a finitude da vida, mas sim deslocando a morte do lugar central dos seus pensamentos. Rememorar, reviver e redescobrir a vida todos os dias se faz fundamental para oportunizar a qualidade de vida dos velhos e no processo de cuidado e produção de saúde daqueles que escutam, neste caso, os profissionais de saúde.

Palavras-chave


Idosos; Escuta; Atenção Básica.

Referências


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