Tamanho da fonte:
Se eu falar, você me ouve?
Última alteração: 2015-11-02
Resumo
APRESENTAÇÃO: A comunicação é observada em todos os seres humanos, apesar de haver diferentes padrões mais ou menos desenvolvidos, se um ato comunicativo for tomado como modelo. É importante destacar que, os atos não verbais são informes de grande significação, portanto, a comunicação não se forma apenas com o falar, ouvir, escrever e ler. O conjunto dessas habilidades, verbais e não verbais, é determinante no desenvolvimento da comunicação.Seguindo a vertente sociointeracionista, o ser humano nasce com atos reflexos e disposições comunicativas, mas necessita do meio, da comunidade, para que sejam atribuídos valores comunicativos a cada ato, seja esse motor ou sonoro e, assim, é construída a linguagem e o pensamento, com características peculiares ao ambiente em que o individuo está inserido. Segundo Vygotsky, 1989, o pensamento verbal não é uma forma de comportamento natural e inato, mas sim, determinado por um processo histórico cultural com propriedades e leis específicas. A criança começa a desenvolver a sua fala a partir da fala do adulto e da comunidade. No contato com “o outro”, portanto, a linguagem assume o seu papel de função comunicativa e de reguladora do pensamento. Torna-se, assim, indispensável à vida, as relações sociais e linguísticas na constituição do indivíduo. Objetivo O grupo de crianças na Atenção Básica surgiu a partir da necessidade de atender a demandas específicas para a fonoaudiologia. O espaço inicialmente estudado, pelas organizadoras do projeto, foi a Comunidade Vila São Jorge, que está localizada no bairro de Irajá, na Zona Norte do Rio de Janeiro, é dividida em quatro sub-bairros (Vila Emanuel, Rapidinho, Estrada da Pedreira e Horta) e conhecida pelos moradores como Para Pedro. Possui, aproximadamente, vinte mil habitantes, os quais são acompanhados pela Estratégia de Saúde da Família (ESF).Apesar de existir grupos e projetos locais que oferecem atividades esportivas e culturais para a população, nem sempre o ambiente lhes permite tal integração, seja pela violência do território ou pelo número reduzido de ofertas. A carência de estímulos cognitivos muitas vezes, leva a um atraso no desenvolvimento global ou especifico de linguagem, em algumas crianças; fator também motivador para a criação desse espaço.Através de encaminhamentos e rastreio inicial, com avaliação observacional e específica da linguagem, foi possível verificar que, em alguns momentos, é real a necessidade de um acompanhamento específico por um profissional da rede secundária; em outros momentos, o “problema”, inicialmente, relatado pelos pais e/ou escola, pode ser entendido como uma carência de estímulos, falta de diálogo, e até por um excesso de cuidado, provocando um atraso no início da comunicação oral. Além disso, há crianças com um convívio social restrito, devido ao medo dos responsáveis, com relação à insegurança na comunidade onde moram, afetando o desenvolvimento social e cognitivo destas.A partir dessas observações e constatações, verificou-se a necessidade da construção de um espaço coletivo para convívio e estímulos cognitivo linguísticos, objetivando a interação social, a construção coletiva das funções mentais superiores (atenção, concentração e memória) e a produção e compreensão da linguagem. Desenvolvimento do trabalho O projeto foi iniciado em maio de 2015, com a formação de um grupo mensal, para crianças de 04 a 10 anos, tendo a duração de 2 horas, em um espaço fornecido pelo CIEP, ao lado da Unidade de Saúde, devido a carência de espaço físico na Unidade.Todas as crianças do território seriam acolhidas pelo grupo, desde que tivessem chegado à equipe NASF (Núcleo de Apoio a Saúde da Família), através de uma demanda da Estratégia Básica de Saúde. Entretanto, não havia a necessidade de ser confirmada uma patologia de cunho anátomo-fisiológico ou sociocultural.Uma vez por mês, para as crianças que fossem diagnosticadas com necessidade de acompanhamento específico, seria feito um encontro individual com o profissional do NASF em questão, a fim de serem avaliados os ganhos, com a participação no grupo, e orientados estímulos específicos a cada caso.As atividades realizadas eram planejadas de acordo com demandas observadas através do comportamento singular, mas trabalhadas em grupo. Assim, através de atividades lúdicas almejava-se estimular a fala propriamente dita, a diferenciação de sons, a compreensão de textos, a construção de situações dialógicas, a construção do contexto familiar e a vida em comunidade, entre outras.No terceiro mês de funcionamento, percebeu-se boa aceitação do projeto pela comunidade e, com isso, o aumento do número de participantes no grupo. Foi necessário, então, modificar a formulação inicial, dividindo-o em 2, sendo 1, com crianças de 3 a 5 anos e o outro, com crianças de 6 a 10 anos. Percebeu-se também a necessidade de um desdobramento desse grupo, através da construção de um grupo mensal com os responsáveis, para debater expectativas e ganhos nas relações interpessoal e comunicativa.Caracterizando o grupo, tem-se100% das crianças (23) foram encaminhadas por problemas de fala e /ou aprendizagem e todas que se mantém no grupo, tem de fato alguma desordem; entretanto somente 47,8% (11), apresentavam Distúrbio Específico de Linguagem (DEL).26% das crianças (6) mostram problemas comportamentais não neurológicos ou psiquiátricos, mas de cunho social.21,7% das crianças (5) estão em processo de investigação neurológica e/ou psiquiátrica.4,3% das crianças (1) apresenta dificuldade no desenvolvimento cognitivo linguístico, agravada pela sua realidade social. Resultados / impactos De acordo com o desenvolvimento e reformulações do grupo, percebe-se uma maior participação das crianças no seu ambiente social, no contato com o outro e no desenvolvimento da linguagem, não somente como articulação da palavra.Um dado interessante foi o surgimento das correções das crianças por elas mesmas, enquanto ouvintes da palavra falada e atores do contexto imediato. O grupo, dessa forma, nos possibilita observar o quanto essas crianças são ouvintes, e como ouvintes, o quanto lhes é dado o poder da fala e o quanto essa fala lhes é significativa.Junto com a fala, surgiram demandas sociais através das crianças, fatores que eram perturbadores para seus desenvolvimentos linguístico, cognitivo e/ou emocional e que, até então, ficavam ocultos. A partir da revelação desses dados, foi possível trabalhar aspectos da realidade social e incentivar as crianças a serem mobilizadoras e capazes de produzir mudanças e conhecimentos.Foram observados, portanto, ganhos na aquisição da linguagem, na reconfiguração da linguagem, na socialização, na compreensão da linguagem e de mundo. Considerações finais Levando em consideração o trabalho em equipe multidisciplinar, o acolhimento de forma integrada da demanda em saúde e os estímulos ampliados abordando aspectos sócio culturais, linguísticos e cognitivos, é possível destacar o grupo de crianças como tendo um ganho ponderal na estratégia de saúde da família e na sociedade como um todo, já que é possível intervir na constituição e desenvolvimento do ser, desde a infância.
Palavras-chave
Atenção Básica; Crianças; Linguagem; Social
Referências
HAGE, S. R.V. Avaliando a linguagem na ausência da oralidade: estudos psicolinguísticos. EDUSC. 1997
LIER, F. A constituição do interlocutor vocal. Tese de Mestrado-PUC- São Paulo, pag 11-22. 1983
VYGOTSKY, L.S. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1989b