Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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ANÁLISE DA PARTICIPAÇÃO SOCIAL NO PROGRAMA MAIS MÉDICO (PMM)
Douglas Valletta Luz, Simione Fátima Cesar Silva

Última alteração: 2015-11-02

Resumo


APRESENTAÇÃO: O trabalho apresenta levantamento sobre a participação social na modelagem do PMM. O objetivo foi de compreender se houve e, em caso positivo, que impacto teve a participação social, por meio dos espaços institucionais previstos pelo Sistema Único de Saúde (SUS): o Conselho Nacional de Saúde, instância permanente de controle social, e as Conferências Nacionais de Saúde, que ocorrem periodicamente. Para efeito analítico, o processo de modelagem foi dividido em três estágios, baseados na classificação proposta por Rodrigues (2010, p. 46-52): i. Formação da agenda: a questão a ser enfrentada adquire status de problema público. Esse é um problema para entrar na agenda de governo? ii. Formulação: desenho de ações que sejam aceitáveis e pertinentes para lidar com determinado problema. Como lidar com o problema público que o governo irá enfrentar? iii. Chancela: apoio político e social à proposta de política pública que será implementada. O enfrentamento proposto pelo governo tem apoio? Para efeito da mensuração do impacto da possível participação, foram consideradas três gradações:i.     Alto impacto: grande participação, com contribuição efetiva ao estágio em análise. ii. Médio impacto: participação parcial, com contribuição em parte ao estágio em análise. iii. Baixo impacto: pouca participação, praticamente sem contribuição ao estágio em análise. DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO: A pesquisa foi realizada conforme tipologia proposta por Vergara (2011), que divide os tipos de pesquisa quanto a fins e quanto a meios. Quanto aos fins, é exploratória e analítica. Quanto aos meios, trata-se de pesquisa bibliográfica, amparada em documentos disponíveis pelo Conselho e Conferências de Saúde entre janeiro/2011 e agosto/2013, demarcando o início da primeira gestão do Governo Dilma e um mês após a edição da Medida Provisória que instituiu o PMM. RESULTADOS E/OU IMPACTOS: Atenção Básica e Provimento de Médicos A Política Nacional da Atenção Básica (PNAB) estabelece que a Atenção Básica (AB) é a ordenadora da atenção à saúde, devendo ser descentralizada e capilarizada. A Estratégia Saúde da Família (ESF), concebida em 1994, reordena o modelo de atenção, com foco no território e na promoção da saúde. A Organização Mundial da Saúde (OMS) não preconiza uma densidade ideal de médico/habitante, porém o Ministério da Saúde (MS) adotou como padrão a densidade de 2,7 médicos/mil habitantes. A OMS, contudo, mantém a meta de que a proporção de médicos na AB ultrapasse 40% do total da força de trabalho médico (ALESSIO: 2015). Segundo o MS, em 2012 o Brasil tinha 1,8 médicos/mil habitantes e de 2003 a 2011, o número de postos de emprego formal criados para médicos foi de 147 mil contra 93 mil formados (déficit de 54 mil). A dificuldade de contratação e manutenção de médicos para a AB foi apresentada continuadamente como demanda prioritária pelos Secretários Municipais de Saúde e Prefeitos. Entre 1994 e 2014 a cobertura populacional pela ESF passou de 5% de para 60%, porém os novos postos de trabalho para médicos, não foram preenchidos. No final de 2013, as solicitações de gestores municipais por médicos chegaram a mais de 14 mil. 3.2. Ações anteriores O Projeto Rondon e o Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento (PIASS), anteriores ao SUS, propuseram a interiorização da saúde. Em 1993, foi instituído o Programa de Interiorização do SUS (PISUS), interiorizando médico e equipe mínima e teve duração de 11 meses. Em 2001, foi criado o Programa de Interiorização do Trabalho em Saúde (PITS), interiorizando médicos e enfermeiros que durou até 2004 e teve 4,7 mil médicos inscritos, mas apenas 469 foram para municípios. Em 2011, foi criado o Programa de Valorização do Profissional da AB (Provab), para o provimento de médicos, enfermeiros e dentistas no interior e periferias de grandes cidades, que entre 2012/2013, alocou mais de 4 mil médicos. 3.3. O Programa Mais Médico (PMM) Em julho/2013, o Governo Federal lançou o PMM, com ações de curto, médio e longo prazo para melhorar o provimento de médicos nas regiões de maior dificuldade: interior, periferia e áreas remotas. Envolve o provimento imediato de médicos em equipes da ESF; reformulação do ensino médico e residências médicas; instituição do estágio prático de graduação obrigatório no SUS e de pelo menos um ano obrigatório de residência em Medicina de Família e Comunidade antes de continuidade em outras residências; bem como a expansão dos cursos de medicina e de residência para o interior e áreas até então sem cursos de medicina. Participação Social no SUS: A participação social na saúde foi uma das principais inovações introduzidas pela Constituição Federal/88. Essa inovação foi incrementada pela Lei 8.142/1990, que incluiu a participação dos usuários na gestão do SUS, estendendo a participação à formulação e ao controle da execução da política de saúde (SILVA: 2011), por meio de dois instrumentos: Conselhos de Saúde e Conferências de Saúde nas três instâncias de gestão federativa. O Conselho Nacional de Saúde representou um dispositivo fundamental na resolução dos conflitos decorrentes da implementação do SUS, contribuindo para as negociações de questões que extrapolam as competências de seus gestores. As Conferências de Saúde devem acontecer a cada quatro anos com a representação de vários segmentos sociais, “para avaliar a situação de saúde e propor as diretrizes para a formulação da política de saúde [...], convocada pelo Poder Executivo ou, extraordinariamente, pelo Conselho de Saúde” (BRASIL. Lei 8.142/1990 ). ANÁLISE DOS RESULTADOS: A análise dos resultados da pesquisa, com base nas três gradações propostas, demonstra que houve participação social na modelagem do PMM por meio dos instrumentos de participação de âmbito nacional previstos pelo SUS. Formação da agenda: nesse estágio, a participação social teve alto impacto, na medida em que os temas enfrentados pelo PMM foram pautados continuamente. Formulação: nesse estágio, a participação social havida nas instâncias nacionais de participação social teve baixo impacto, na medida em que o processo de formulação do PMM não foi aberto à discussão e deliberação. Chancela: nesse estágio, a participação social teve alto impacto, na medida em que houve apoio imediato ao lançamento do PMM, inclusive com publicação e Resolução pelo Conselho Nacional e recomendações para sua implementação. CONSIDERAÇÕES FINAIS: O trabalho permitiu verificar que houve participação na modelagem do PMM por meio da atuação da sociedade civil no Conselho Nacional de Saúde e nas Conferências Nacionais de Saúde. Essa participação, contudo, não foi uniforme. A análise da pesquisa documental demonstrou que ela teve alto impacto para a formação da agenda e para sua chancela. Contudo, o impacto foi baixo no período de formulação propriamente dito. A análise documental demonstrou que, mesmo sem vinculação da participação social à marca do PMM, houve, sim, discussões, moções de apoio, recomendações, resoluções e relatórios diretamente relacionados às pautas e questões primordiais que representam o arcabouço técnico e legal e que são propostas como objetivos a serem alcançados pelo Programa. Finalmente, é importante mencionar que, após o lançamento do PMM, em seu estágio de “chancela”, houve audiências públicas no Congresso Nacional e no Supremo Tribunal Federal, nas quais o Programa foi debatido pela sociedade e membros dos Poderes Legislativo e Judiciário. Em outubro/2013, houve a principal chancela ao Programa, com a sanção da Lei que instituiu o Programa, que posteriormente também teve sua constitucionalidade atestada pelo Poder Judiciário.

Palavras-chave


Participação social; Mais Médicos; Conselho Nacional de Saúde; Conferências Nacionais de Saúde; Sistema Único de Saúde; Médicos.

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