Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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O PET-REDES como uma potência indutora do matriciamento e da integração ensino-serviço-comunidade
Ana Carolina Ametlla Guimaraes, Alessandro Diogo De Carli

Última alteração: 2015-11-24

Resumo


Apresentação: O objetivo deste relato de experiência consiste em descrever as dificuldades e as estratégias utilizadas no trabalho de matriciamento junto a uma equipe de Estratégia de Saúde da Família para o acompanhamento de pessoas com problemas relacionados ao uso de álcool e/ou outras drogas. Trata-se de um projeto vinculado ao PET-REDES. Destaca-se a estranheza das equipes de saúde diante da clínica álcool e drogas e a dificuldade em operacionalizar as ações voltadas ao cuidado dessas pessoas de forma efetiva na rotina das Estratégias de Saúde da Família. Desenvolvimento: Previamente ao início das ações propostas pelo PET-Redes da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), fez-se o diagnóstico situacional referente à problemática álcool e/ou outras drogas. Identificaram-se duas áreas de maior frequência deste agravo na cidade de Campo Grande (MS): um território pertencia a uma unidade de ESF e outro a uma Unidade Básica de Saúde, sendo que esse relato de experiência será centrado nas ações do PET-Redes ocorridas junto à equipe da ESF. A partir desses dados é que todo o subprojeto do PET-Redes foi proposto, tendo seu início em agosto de 2013. Participaram desse projeto de matriciamento vinculado ao PET-Redes os preceptores: três profissionais da equipe técnica do CAPS ad, um representante da gestão, uma profissional da ESF. Oito Agentes Comunitários de Saúde (ACS), doze acadêmicos de diferentes cursos de graduação da UFMS e um tutor/coordenador, também desta instituição. A autora deste relato de experiência é uma psiquiatra, que se encontrava como gestora na Secretaria Municipal de Saúde Publica de Campo Grande, como coordenadora da atenção especializada deste município. Trata-se da descrição dos relatos das primeiras seis reuniões realizadas conjuntamente com a equipe da ESF e os componentes do PET-Redes (reuniões preparatórias) e também da descrição de três abordagens conjuntas realizadas pela equipe, com alguns usuários identificados na comunidade que apresentavam problemas relacionados ao consumo de álcool e/ou outras drogas. Vamos nos ater mais as reuniões preliminares, que foram encontros preparatórios para o desenvolvimento da proposta do PET-Redes. O foco deste relato ficou centrado nas principais dificuldades encontradas na execução da proposta de fomento a esse tipo de apoio matricial e nas estratégias elaboradas para a superação dos problemas apresentados. Logo no primeiro encontro, houve a exposição da proposta de trabalho junto à equipe da ESF. Nesse momento o objetivo foi de estimular a identificação das pessoas com intenso sofrimento em função do consumo de álcool e/ou outras drogas, de fomentar a busca ativa destas no território adscrito e também de abertura para que a equipe pudesse trazer questões do seu cotidiano, relacionadas a esse tema.  Os ACS mostraram-se, desde os primeiros encontros, receosos diante da proposta do grupo. Assumindo na maioria das reuniões uma posição de oposição em relação à abordagem proposta. Tamanha resistência por parte de alguns membros chegou a ser manifesta como recusa formal ao trabalho. Várias alegações eram usadas por parte dos ACS, a mais recorrente era a de que não se sentiam seguros para o trabalho com essa população específica, mesmo que o grupo do PET-Redes reafirmasse sua presença constante, para poder apoiá-los em todo o percurso, inclusive na abordagem em campo. Era comum o questionamento: “Quem garante que não vão achar que nós estamos querendo saber essas coisas para contar à polícia?” ou “Vocês estão falando isso, mas depois vão embora e somos nós que ficamos aqui”. O entendimento de que o uso de álcool e/ou outras drogas não traz em si uma questão de saúde e sim uma fragilidade moral também foi uma das questões presentes nesses encontros. Isso ficou evidente devido ao fato de que a maioria dos ACS nem sequer abordavam essas questões com as famílias. Quando questionados quanto ao motivo de não abordarem esta temática, a razão apontada foi de que não se sentiam a vontade para perguntar, de que não sabiam como mencionar o tema ou ainda alegando que: “Essas questões de intimidade não nos dizem respeito”. Esse tipo de entendimento, frente à demanda álcool e/ou outras drogas, demonstra o quanto essas questões não são consideradas um problema de saúde pública, mas um problema do usuário, fato que promove a fragilização do vínculo entre a ESF e a comunidade, bem como com os outros dispositivos da RAS. Essa associação da figura do usuário de álcool e/ou outras drogas como, necessariamente, uma pessoa também envolvida com situações de violência e criminalidade apareceu com frequência no discurso dos trabalhadores. A elaboração do PTS ainda não era parte do processo de trabalho nessa ESF, logo, tal proposta requereu que o grupo elaborasse uma oficina para a participação de toda a equipe antes que pudéssemos efetivamente iniciar o PTS junto aos pacientes e familiares. Resultados: Ao total identificaram-se vinte e nove famílias que tinham mais de um ou pelo menos uma pessoa com problemas relacionados ao consumo de álcool e/ou outras drogas. Planejou-se chamar a cada encontro, seis usuários para uma avaliação pela equipe com o intuito de aproximação destes usuários que possibilitasse o início da elaboração dos PTS. Até o momento foram realizados três encontros, nos quais compareceram nove usuários. Visitas domiciliares consentidas estão sendo agendadas como estratégia de busca para os casos que não compareceram a Unidade de Saúde. Constatou-se com essa experiência, uma grande resistência para a efetivação destes casos na Atenção Básica e que a abordagem que vinha sendo realizada até então, justificada pela dificuldade da equipe da ESF em abordar o tema, era a de se dirigir à família e não diretamente ao usuário que apresentava problemas relacionados ao uso de álcool e/ou outras drogas. Contribuindo para a não efetivação do protagonismo dos usuários, sujeitando-os à ações de saúde prescritivas e muito pouco compartilhadas. Com isso, passou-se a sempre que se pretendesse oferecer ajuda, fazê-lo diretamente aos usuários. Considerações Finais. Consolidar ações de cunho matricial com as equipes da ESF ainda é tarefa incipiente. Sensibilizar os profissionais para o sofrimento relacionado ao consumo de álcool e/ou outras drogas, superando o estigma e o medo dos trabalhadores em lidar com essa temática em seu cotidiano, são as principais dificuldades a serem trabalhadas para que qualquer ação nesse sentido possa ser implementada. Faz-se necessário, instituir práticas voltadas para o acompanhamento dessa clientela, tornando as ações de saúde mental e a abordagem ao sofrimento psíquico como parte integrante das ações na Atenção Básica. Tornar as ações voltadas para as pessoas com sofrimento psíquico em função do uso de álcool outras e/ou outras drogas rotineiras nos dispositivos da Atenção Básica, possibilita o acompanhamento mais efetivo de cada caso. Para tanto, as equipes precisam superar o entendimento de que o encaminhamento para a atenção especializada é a única resposta a ser ofertada. A manutenção de projetos de troca de saberes como o que foi proposto pelas ações do PET-REDES, que fomentem ações intersetoriais e confiram apoio matricial à ESF, consegue modificar a lógica de trabalho instituído, pois possibilita construir junto às equipes e a comunidade novas alternativas de cuidado. Tal iniciativa, inserida de forma contínua no cotidiano do serviço, possibilita modificações bem mais consistentes do que as intervenções pontuais realizadas até então.

Palavras-chave


matriciamento, ESF, álcool e outras drogas.

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