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Humanização em saúde: problematizações críticas
Última alteração: 2015-11-23
Resumo
O presente estudo tem por objetivo problematizar os caminhos seguidos pela humanização em saúde a partir da sua conformação enquanto política nos anos 2000. Tal discussão vai ao encontro das indicações dos Parâmetros de Atuação do Assistente Social na Política de Saúde que apontam que os assistentes sociais, no quadro atual dos serviços de saúde, são chamados a atuar diretamente com a política de humanização, e por isso, necessitam ter clareza das diversas concepções de humanização, das compreensões distorcidas que levam a uma análise romântica e/ou residual da atuação, e que conduzem à ações focalizadas na escuta e redução de tensão, sem problematizar o processo saúde/doença, as condições de trabalho e os modelos assistenciais e de gestão. Desta forma, o estudo é fruto de uma revisão bibliográfica e documental sobre o tema da humanização que buscou compreender o arcabouço ideoteórico que o sustenta e sua intencionalidade política, a partir da análise das principais diretrizes da Política Nacional de humanização (PNH). A temática da humanização na área da saúde avançou no Brasil a partir dos anos 1990 por meio de diversas iniciativas focalizadas, e se tornou política pública em 2003, com a proposição da PNH. Desde esse período, a humanização vem sendo proposta como um dispositivo capaz de gerar mudanças no trabalho e gestão da atenção à saúde, através da gestão participativa e cogestão, acolhimento, trabalho em equipe, fomento de redes, valorização do trabalhador, ambiência, defesa dos direitos dos usuários, entre outras estratégias. A justificativa para a proposta de tal política encontra-se nas debilidades no SUS que, apesar dos avanços trazidos com a sua implementação, possibilitou o acesso à saúde de modo universal, estando pautada em princípios como a integralidade e a equidade, havendo ainda questões e problemas que necessitam ser respondidos e solucionados. Dentre esses problemas estão a fragmentação do processo de trabalho e das relações entre os profissionais, a precária interação entre as equipes, dificuldade de lidar com a dimensão subjetiva da atenção, desrespeito aos direitos dos usuários, entre outros, os quais demandam um olhar mais abrangente sob a atenção e gestão no SUS. A partir da revisão de literatura, identificou-se que as novas requisições postas aos trabalhadores, assim como as temáticas/conceitos que se apresentam nas produções teóricas são disseminados, especialmente, pela política de humanização que tem como eixos centrais: cuidado em saúde, gestão participativa e cogestão, valorização do trabalhador, ambiência, trabalho em equipe, defesa dos direitos dos usuários, redes e protagonismo, corresponsabilidade e autonomia dos sujeitos. Estes elementos são postos como aqueles que devem orientar a gestão e o trabalho em saúde, tornando-se motes no interior das diversas políticas da área da saúde. A questão central identificada é que esses eixos não são polemizados nos seus elementos de fundo: no âmbito das contradições da política de saúde e do próprio modelo assistencial empregado pelas instituições de saúde no que tange à sua lógica privatista. Toda esta lógica é vista prioritariamente como avanço, já que tem como direcionamento mudanças nas relações entre a equipe de saúde/usuários, gestão e atenção, promovendo a cultura de um atendimento humanizado na área da saúde. No entanto, a PNH não é problematizada nos seus limites, no que concerne à precarização das condições e relações de trabalho, fragmentação do trabalho entre as equipes de saúde, dificuldades de acesso aos serviços de saúde, entre outros – que têm interferências diretas nos programas/política de humanização na saúde. Essa problematização é importante, uma vez que as propostas de humanização são realizadas em um quadro, principalmente nos governos Lula e Dilma, em que a política de saúde afirma-se como fonte de investimento e lucratividade para o capital, acompanhando os ditames dos organismos internacionais que indicam a sua inserção em âmbito privado, a adequação da política ao ajuste fiscal, e a construção de um discurso centrado no combate à pobreza. No âmbito do arcabouço teórico para análise dos elementos constitutivos do debate da humanização, avança-se na utilização de um referencial incorporado e fortalecido pela Saúde Coletiva a partir dos anos 1990, que se respalda em autores (Foucault, Deleuze, Guattari) que realizam uma crítica ao projeto da modernidade e aproximam-se do campo pós-moderno. Esse campo teórico tem em sua base a crítica ao projeto de reforma sanitária (construído nos anos 1970) vincado na tradição marxista. A PNH (2003) será fruto do movimento teórico, prático e político do campo da Saúde Coletiva que, apesar de seu hibridismo, aponta o tema da humanização da atenção e da gestão das práticas de saúde, destacando os sujeitos e o cuidado. “É nesta tradição e desta origem que a Política de Humanização emerge e se constitui como política pública de saúde”. As hipóteses lançadas sustentam-se no entendimento de que a humanização, apesar de um mote do movimento progressista da área da saúde, torna-se uma estratégia de combate à crise do capital, sendo destacadas a sua função mercadológica, a transferência da responsabilidade estatal para sociedade civil, responsabilização/culpabilização dos trabalhadores e usuários pelas dificuldades existentes nos serviços de saúde, as alternativas possibilistas para enfrentamento da crise da saúde e a incorporação de uma perspectiva restrita de humanização que coaduna com a lógica de um “capital humanizado”. Na PNH, o conceito de humanização estabelecido incorpora o arcabouço ideoteórico construído pela Saúde Coletiva a partir dos anos 1990, essencialmente, o debate da micropolítica e do cuidado em saúde, sendo enfatizados: a corresponsabilidade na produção de saúde e de sujeitos, a mudança na cultura da atenção dos usuários e da gestão dos processos de trabalho, a troca e construção de saberes entre profissionais, o trabalho em equipe, e o desejo dos sujeitos. É necessário estar atento aos limites da política de humanização e solidificar uma ação que tenha como prisma os direitos e a cidadania, e que esteja cotidianamente respaldada nos preceitos do projeto de reforma sanitária, construído nos anos 1970, e na determinação social do processo saúde-doença. Deve-se efetivar também uma visão de subjetividade ligada aos aspectos sociais, históricos, econômicos e políticos, invertendo a queixa da psicologização das relações sociais. Desta forma, esse debate da humanização deve ter como centralidade: os determinantes das condições de saúde da população; as políticas intersetoriais; as tecnologias estratégicas à qualidade da atenção à saúde; a formação de recursos humanos, gestores e conselheiros de saúde; a expansão da informação em saúde; a regionalização da rede de serviços; a participação popular; a educação em saúde e na área da saúde; a formação de profissionais capazes de refletir sobre o acesso universal, a qualidade e a humanização da atenção à saúde.