Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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Lei nº. 12732/12 e o cuidado do paciente com câncer bucal na rede municipal do Rio de Janeiro
Elisete Casotti, Evelyn Lima de Castro, Manuella Pires do Santos

Última alteração: 2015-11-23

Resumo


APRESENTAÇÃO: São consideradas câncer de boca as neoplasias que afetam lábios e o interior da cavidade oral (gengivas, mucosa jugal, palato duro, língua e assoalho bucal). A incidência de câncer de boca é um problema de saúde pública no mundo, com taxa anual estimada em aproximadamente 275 mil casos, sendo dois terços destes em países em desenvolvimento. No Brasil, a estimativa para o ano de 2014 era de 11.280 casos novos de câncer da cavidade oral em homens e 4.010 em mulheres. Ainda que avanços no diagnóstico e tratamento de várias formas de tumores malignos tenham resultado no aumento de sobrevida aos pacientes, os indicadores epidemiológicos do câncer da boca não têm apresentado melhora. A natureza silenciosa das lesões e o atraso no diagnóstico são fatores relacionados com a identificação tardia e, consequentemente, com o estadiamento avançado das lesões. O atraso do diagnóstico pode estar associado ao tempo que o paciente leva para perceber o seu adoecimento e procurar auxílio profissional; às dificuldades de acesso aos serviços de saúde bucal; e à falta de informações associada a maior vulnerabilidade social do grupo. O objetivo do trabalho foi analisar a atenção ao paciente portador de câncer bucal, considerando a aplicação da Lei nº. 12732/12, na rede pública de saúde bucal da cidade do Rio de Janeiro. Envolveu entrevistas com profissionais e gestores implicados com o cuidado oncológico ou que indiretamente são responsáveis pelas garantias dos direitos e deveres propostos pela lei. METODOLOGIA. Pesquisa de natureza qualitativa, descritiva e exploratória, com coleta de dados documentais e por meio de entrevista semiestruturada, com foco nos múltiplos olhares dos atores que interagem na produção de cuidado em saúde. Foram entrevistados: gestor da Política Municipal de Saúde Bucal da Cidade do Rio de Janeiro, cinco chefes e cinco especialistas em estomatologia de unidades de referência para apoio diagnóstico, cinco cirurgiões-dentistas da atenção primária em saúde e a chefia, além de um cirurgião de cabeça e pescoço de uma unidade de tratamento. RESULTADOS E DISCUSSÃO. A rede municipal de saúde do Rio de Janeiro conta com 314 equipes de saúde bucal na estratégia Saúde da Família, alocadas em 212 unidades de atenção básica, e 17 Centros de Especialidades Odontológicas (SAGE, 2015). Serviços de alta complexidade para tratamento do câncer, com oferta de vagas para a especialidade Cabeça e Pescoço, são cinco: INCA I; Hospital dos Servidores do Estado; Hospital Geral de Bonsucesso; Hospital da Lagoa e Hospital Mário Kroeff. Há protocolo clínico próprio para a atenção e organização do fluxo dos pacientes entre a atenção primária e a média complexidade (CEO); para o encaminhamento para tratamento, não foi identificado documento escrito, mas as regras são conhecidas. Há profissional especialista em estomatologia, responsável pelo diagnóstico oral, em pelo menos um CEO por Área de Planejamento (AP) (divisão regionalizada da rede de saúde). A ocupação dessas vagas seguem dois fluxos: usuário encaminhado diretamente ao CEO, com guia de referência e contrarreferência e vagas solicitadas via Sistema de Regulação (SISREG). No último caso, cada unidade básica tem acesso ao Sistema e uma senha de solicitante: a avaliação da solicitação, a busca da vaga e a comunicação do agendamento ao solicitante é feita por um regulador regional (um por AP). O profissional comunica ao usuário dia, hora e local da consulta – via telefone ou visita domiciliar realizada pelo Agente Comunitário de Saúde. Em ambos os casos o protocolo define que é responsabilidade do profissional o monitoramento do itinerário do usuário na rede de cuidado, incluindo sua busca ativa. Em caso de confirmação da malignidade da lesão, a solicitação de vaga para o tratamento é feita exclusivamente via SISREG. Há diferenças regionais no fluxo entre a média e a alta complexidade, quais sejam: alguns CEO encaminham o usuário com o resultado do histopatológico para o profissional da atenção primária e este solicita vaga para o tratamento. Em outros casos, o CEO regula o pedido de vaga, agenda e comunica ao usuário diretamente. Entretanto, em ambos os casos, cumprida a função de conseguir a vaga, nem os profissionais da média complexidade, nem da atenção primária (salvo exceções), assumem a coordenação do cuidado do usuário, fazendo seu acompanhamento ou mesmo mantendo um registro adequado para fins de vigilância e monitoramento dos casos. O tempo de espera para uma consulta com o estomatologista no CEO é de, no máximo, uma semana e a obtenção do diagnóstico histopatológico se dá em tempo oportuno (entre 10 e 30 dias). Há comunicação direta entre os profissionais das equipes de saúde bucal e a chefia do CEO, e entre essas chefias. Entretanto, o tempo de espera por uma vaga para tratamento ainda é muito demorado e não é mantida a vinculação do usuário com seu serviço de origem – descaracterizando a ideia de uma rede de atenção e da responsabilidade de seguir. A coordenação municipal de saúde bucal informou que realiza reuniões mensais com as chefias dos CEO e tem trabalhado junto ao SISREG para melhorar a oferta de vagas para cabeça e pescoço – uma vez que é uma fila que não inclui exclusivamente casos de câncer de boca. No último ano, o número de vagas dobrou e há um trabalho de monitoramento e qualificação das solicitações feita pelo setor que coordena a regulação na Secretaria. CONSIDERAÇÕES FINAIS. Os protocolos oficiais são parcialmente conhecidos, mas há regras comuns que regem o relacionamento entre um nível e o outro de atenção e há esforço, recente e crescente, da gestão setorial (central e regional) de organizar a atenção ao paciente com câncer bucal. Há redes fortes informais (whatsapp, telefone) que ligam chefes dos CEO numa perspectiva de apoio, trocas e discussão. Ainda que a coordenação central reúna os chefes uma vez ao mês para discutir a gestão da rede e os serviços, poucas APs têm reproduzido esse nível de trocas entre as equipes de saúde bucal da Estratégia Saúde da Família. Os chefes e os especialistas (estomatologistas) dos CEO sugerem certa desconfiança em relação à capacidade dos dentistas das ESF para assumirem a coordenação do cuidado do paciente. Ainda que o fluxo de pacientes entre a atenção primária (caso suspeito) e média complexidade (diagnóstico) seja rápido e efetivo, o mesmo não acontece com a alta complexidade (tratamento). Os profissionais da unidade de tratamento (profissional da assistência e chefia) entrevistada posicionam-se como se estivessem fora da rede de cuidado: alegam desconhecer as estruturas e atribuições de outros níveis assistenciais (APS e MC) e mesmo dos fluxos operados. Diferente da APS e MC, que estabelecem canais de comunicação, não existe comunicação com a alta complexidade (AC), indicando que a despeito do esforço da gestão municipal para que os serviços funcionem em rede, ela ainda não foi capaz de incluir a atenção terciária. É fraca/inexistente a coordenação do cuidado do usuário atendido na rede assistencial e pode estar associada com o modelo de gestão que não é usuário centrado, mas protocolo centrado. Os entrevistados não reconhecem que a Lei nº 12732/12 tenha produzido algum tipo de mudança no funcionamento dos serviços. Concluiu-se que questões referentes tanto à macro quanto à micropolítica ainda precisam ser tratadas para garantir o cuidado ao paciente portador de câncer bucal na rede SUS da cidade do Rio de Janeiro.

Palavras-chave


câncer bucal; coordenação do cuidado; cuidado