Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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O controle social nas políticas de saúde: controle da sociedade ou pela sociedade?
Michele Rocha A.Kadri

Última alteração: 2015-10-31

Resumo


Apresentação: A Sociologia utiliza o conceito de Controle Social no sentido coercitivo para descrever uma forma de poder do empresariado ou do Estado sobre as massas. Em significado precisamente oposto, a Constituição Brasileira de 1988 utiliza o mesmo termo com sentido democrático de assegurar a participação da população na elaboração, implementação e fiscalização das políticas sociais. Tal entendimento estendeu-se também no campo da saúde, instituindo-se o Controle Social como um dos pilares do SUS (Brasil, 1990). O exercício dessa participação se dá na formulação, fiscalização e também na implementação de recursos da saúde (financeiro, humano, equipamentos) de forma que eles atendam aos interesses da coletividade. O estudo pretendeu analisar esses três componentes do controle social na política de saúde do Amazonas. Para isso, tomamos como unidade de análise a Política de controle de HIV/Aids ao longo da história da epidemia no Estado, desde o primeiro caso em 1986 até 2012, momento de importante mudança nas diretrizes nacionais do Programa. Analisando os dados epidemiológicos da doença no Amazonas, verificou-se que diferentemente do que ocorre no nível nacional, a epidemia no estado não está controlada/ estabilizada. Para citar apenas alguns dados no momento da pesquisa, o Amazonas apresentava a 3ª maior incidência (30,9% por 100.000 hab) do país – levantando a suspeita de falha na prevenção; era ainda o 4º estado em coeficiente de mortalidade (8,0% por 100.000 hab) – podendo ser indício de falha na cobertura do tratamento e; ocupava a 3ª posição no ranking nacional com taxa de 8,1% (por 100.000 hab) de incidência em menores de cinco 5 anos – resultado de falha na prevenção vertical (Brasil, 2012a). Essa situação parece indicar que as estratégias que vem sendo adotadas pelas autoridades de saúde locais não estão respondendo eficientemente no controle da epidemia. Neste sentido a mobilização social encabeçada por grupos populacionais mais vulneráveis à epidemia (LGBT, trabalhadores do sexo, HSH, usuários drogas injetáveis, PVHA, etc.) seriam importantes atores operando na cobrança do poder público para uma resposta mais assertiva do problema, como aconteceu em outros lugares do país, principalmente no início da epidemia.  Método: Considerando que o Conselho de Saúde é a instância máxima de deliberação das decisões de saúde no estado e espaço assegurado para exercício pleno da democracia, utilizamos a análise documental das atas da reunião do CES entre 1993 e 2012, com objetivo de analisar a qualidade da discussão sobre o tema e, portanto, nível de atenção com que a epidemia vinha sendo tratada no estado. Outra estratégia foi realização de entrevistas com ativistas das Organizações da Sociedade Civil – OSC – lideranças sociais de movimentos contra Aids para compreender como eles percebiam o controle social de suas instituições na construção do Programa Estadual DST/Aids. A análise deteve-se exclusivamente na reflexão de que as lideranças das OSC fazem de suas contribuições institucionais e coletivas ao longo da história da epidemia no Estado, sem utilização de qualquer outro método de mensuração e avaliação de processo ou impacto de resultados. Resultados: A partir da análise das atas de reunião do CES constatou-se que: 1) A Aids raramente foi colocada como um problema relevante, mesmo apresentando uma incidência crescente a questão não era apresentada/discutida consistentemente neste fórum; 2) Fraca participação das OSC neste colegiado, diferentemente de outras organizações que sempre traziam suas demandas para discussão, conseguindo ganhos importantes na melhoria da resposta governamental (ex. movimento dos hansenianos, doentes renais, deficientes físicos...); 3) Falta de priorização política sobre o tema, como já apontado por Benzaken et al. (1998). A partir das entrevistas com os líderes das OSC identificou-se 3 momentos da mobilização social: 1986 a 2002 – organização dos primeiros grupos, marcado por dificuldades financeiras e forte preconceito social, embora entendido também como intensa mobilização coletiva para garantir acesso ao tratamento; 2003 a 2005 – início do financiamento de projetos das OSC pelo poder público, com estabelecimento da Política de Incentivo, na qual as coordenações estaduais e municipais receberiam recursos Fundo a Fundo mas também deveriam assegurar uma contrapartida. Para isso deveriam elaborar seus Planos Anuais de Ações e Metas – PAM com a participação da sociedade civil e aprovação nos respectivos Conselhos de Saúde (Brasil, 2012b). Em um primeiro momento, a possibilidade de financiamento contribuiu para fortalecimento organizacional dessas instituições que passaram tanto a intensificar a luta pelos seus direitos (fiscalização) quanto a realizar ações principalmente de prevenção junto do seu público alvo (implementação). Momento de parceria. 2006 em diante – com a possibilidade de financiamento, houve um aumento de OSC legalizadas, o que acabou gerando disputas internas entre as lideranças, que passaram a concorrer pelos mesmos fundos. Algumas delas acabaram por abandonar suas missões institucionais para responder a editais do governo. Essa condição de “PAM-dependência” funcionou como “cala a boca”, nas palavras das próprias lideranças, para a sociedade civil, enfraquecendo o controle social. Desde então, a mobilização social foi marcada pela despolitização do discurso, fragmentação das ações e perda de identidade do movimento social de luta contra Aids no Amazonas (Kadri & amp; Schweickardt, 2015). A respeito do controle social, embora as OSC tenham um discurso afiado sobre o tema, não lhes parece sensível os mecanismos políticos para seu exercício. O Programa de AIDS no Amazonas pareceu girar em torno da Coordenação Estadual, sendo que grande parte das ações inclusive do movimento social eram ditadas pelas orientações de editais de financiamento. Considerações: A experiência do Programa de Aids no Amazonas, demonstra claramente como uma política de saúde pode ser um potente instrumento indutor da resposta social. Por um lado, pode contribuir para estruturação organizacional dos movimentos sociais, que são importantes mediadores entre as ações de saúde e o público-alvo dessas ações, estabelecendo uma parceria com poder público (controle pela sociedade). No entanto ao definir as diretrizes dos editais, o poder público orientou para onde as iniciativas sociais deveriam seguir, de acordo com agenda do governo, não necessariamente convergente com agenda dos grupos vulneráveis, o que acirra disputas internas e fragiliza politicamente o movimento social (controle da sociedade). A partir de 2013, em parte como resultado do reconhecimento dessas distorções, o Departamento DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde sinalizou mudanças na forma de financiamento/ parceria com as OSC. No nível local, as Organizações mostraram-se apreensivas com tal possibilidade, confirmando que a continuidade de suas ações (e até de existência) eram orientadas pela possibilidade ou não de financiamento público. A pesquisa apresenta dois desdobramentos possíveis: prosseguir acompanhando os resultados dessa mudança na história das OSC e; mensurar com instrumentos próprios para monitoria de ações e avaliação de efetividade do trabalho que vem sendo realizado tanto pelo governo quanto pelas Organizações da Sociedade Civil no enfrentamento da AIDS no Amazonas. Ações públicas são potentes catalisadores para impulsionar o controle social nas políticas de saúde, todavia é necessário considerar possível viés dessas ações, especialmente se essa indução for feita a partir de incentivos financeiros.

Palavras-chave


Políticas públicas de saúde, Aids, Participação comunitária, Organizações não-governamentais

Referências


Benzaken, A; et al. AIDS no Amazonas: retrospectiva histórica e situação atual. In: Rojas Luísa B. Iñiguez; Toledo, Luciano Medeiros de (orgs). Espaço e Doença: Um Olhar Sobre o Amazonas. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1998.

Brasil. Lei nº 8.142/90 de 28/12/1990. Dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde e dá outras providências. Diário Oficial de União 1990.

_____. Ministério da Saúde. Boletim Epidemiológico AIDS e DST, ano VIII, n° 1. Brasília: Departamento de DST, AIDS e Hepatites Virais, 2012a.

_____. Ministério da Saúde. A Política de Incentivos. Disponível em http://www2.aids.gov.br Acesso em jun 2012, 2012b

Kadri, M.R; Schweickardt, J.C. As Organizações da Sociedade Civil no enfrentamento à AIDS no Amazonas, Brasil. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 20, n. 5, p. 1331-1339, maio 2015.