Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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Experienciação em rodas e redes: confabulando e construindo coletivos para além da Biomedicina na formação médica
Carla Pontes de Albuquerque, Heitor Guinancio, José Ferreira Lima, Livia Prado, Marianne Guimarães Villela, Marina Baptista Maroja, Nathany Goulart, Priscilla Ramalho Drummond

Última alteração: 2015-10-31

Resumo


APRESENTAÇÃO: A participação expressiva de graduandos na formulação de mudanças curriculares ainda é um processo a ser conquistado. Na centenária Escola de Medicina e Cirurgia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro são muitos os desafios para que deslocamentos aconteçam na cultura docente, no sentido da diversificação dos cenários de ensino e aprendizagem e da constituição de parcerias com as redes de atenção incluindo outros serviços do SUS, além do hospital universitário. Este relato traz a experiência em andamento de um pequeno, mas significativo, coletivo que pretende uma abordagem mais complexa das situações de formação e cuidado, envolvendo interdisciplinaridade, interprofissionalidade e participação social. Iniciado há três semestres, o processo de reforma curricular tem demandado mudanças, as qual grande parte docente se mostra reticente. A constituição do atual projeto político pedagógico, que buscou contemplar as diretrizes curriculares, não contou com uma ampla participação docente, apesar dos incentivos para tal. Por sua vez, não houve também mobilização expressiva discente na problematização do referido processo. Houve um significativo acréscimo curricular de disciplinas do eixo de saúde coletiva com a proposta de atividades práticas na rede de atenção básica do SUS e seus territórios de atuação. A partir do que vem sendo trabalhado no projeto de monitoria "Prática em Saúde 1: territórios existenciais e cartografia de itinerários no cotidiano da vida na interface do cuidado e da saúde" e no projeto de extensão "Educação Popular e Saúde: construção compartilhada para um cuidado criativo e inclusivo", foi constituído um coletivo com estudantes bolsistas e voluntários com a proposta de compartilhar vivências formativas em saúde para além dos muros institucionais e problematizá-las. Desenvolvimento do trabalho Desde o primeiro semestre de 2015, a roda de conversa acontece semanalmente, contando com a docente e estudantes de Medicina, oriundos de diferentes períodos da graduação. É uma roda aberta a todos interessados, contudo em média, são oito estudantes que participam de forma mais continuada. Nos encontros são problematizadas temáticas do campo das ciências sociais, da filosofia, da educação, das artes, da ética, dentre outras, em diálogo com situações vivenciadas na formação e no cuidado em saúde. Os estudantes e a docente também elaboram e participam de dinâmicas criativas a cada encontro. Há a intenção que haja uma experienciação de expressividades pouco familiares à formação biomédica. Cada qual produz um portfólio sobre as suas percepções em relação ao vivenciado na formação e no cuidado em saúde. Há incursões extramuros universitárias, nas quais acontecem interações com diversos coletivos que desenvolvem projetos de inclusão, educação, arte e cuidados (Universidade Popular de Arte e Ciência, Hotel da Loucura, Se Esta Rua Fosse Minha, Sinais que Vem da Rua, Ocupa Escola, dentre outros). A primeira aproximação é feita a partir da problematização dos estudantes sobre seus próprios territórios de moradia. Neste momento, após certo acumulo discursivo e o exercício de narrativas sobre as experiências vivenciadas, os estudantes estão se organizando para constituir um projeto de pesquisa interferência junto ao coletivo Ocupa Escola do Casarão dos Prazeres, no bairro de Santa Teresa, na cidade do Rio de Janeiro. Esta interlocução emergiu a partir dos Coletivos Sinais que Vem da Rua, na Linha de Pesquisa de Micropolítica do Trabalho e do Cuidado em Saúde. O Ocupa Escola é um projeto junto às Secretarias Municipais de Educação e Cultura, promovido por coletivo circense, que propõe potencializar a vida nos territórios onde atua. Está presente em escolas municipais em diversas regiões da cidade e tem promovido eventos locais reunindo as comunidades escolares, famílias e grupos dos territórios no desenvolvimento de atividades artísticas e lúdicas. Novos sentidos e ressignificações têm acontecido no espaço escolar e nas relações entre a escola e o território de vida comunitário. O Casarão dos Prazeres é um espaço de convivência comunitária que há mais de uma década oferece cursos e oficinas para diferentes faixas etárias, nos quais tem sido relevante a quebra das fronteiras referentes à estratificação social no território onde está situado. De suas amplas janelas se vislumbra a paisagem hibrida de moradias de "classe média" no asfalto e as das populações em situações de maior vulnerabilidade social na favela que se expande para o mais alto da encosta. Na sua proximidade, há três escolas municipais, um centro educacional privado e uma creche da prefeitura. Mais distante, no próprio bairro, há um centro municipal de saúde, com equipes da estratégia de saúde da família. Resultados A oportunidade de um espaço de "práxis reflexiva", no qual cada participante do grupo tem a possibilidade de expressar suas percepções em relação ao campo de cuidado diante de uma formação institucional eminentemente referenciada à Biomedicina, tem se desdobrado em experiências significativas intra e extra campus universitário. Os participantes têm organizado fóruns de discussão junto ao centro acadêmico sobre temáticas emergentes no campo da biopolítica. O desenvolvimento de habilidades expressivas mais criativas tem permitido a problematização da razão instrumental que orienta hegemonicamente o campo científico moderno na exclusão do sensível. A objetivação dos processos de cuidado, a retirada da decisão dos assistidos no seu processo de assistência, a mercantilização do trabalho em saúde e a produção de conhecimento na saúde dissociada da vida cotidiana das pessoas emergem nas produções criativas dos integrantes do coletivo através de versos escritos, nos recortes e colagens, nos desenhos, nas dramatizações e nas narrativas compartilhadas. Em fase de composição, o projeto junto ao Casarão dos Prazeres tem sinalizado potentes encontros com os artistas circenses, que lá iniciaram o trabalho há cerca de seis meses, aos quais vieram se agregar artistas locais, educadores, profissionais de saúde, moradores e outros grupos que atuam na comunidade. Enfrentar o desafio em participar de um projeto em território de vida, superando a prática higienista será um exercício de deslocamento importante para a docente e os estudantes que compõem este coletivo. Considerações finais Tem sido bem mobilizador para o coletivo a oportunidade de participar em espaços reflexivos que dialoguem macropolíticas (no que tange a determinantes sociais e iniquidades) e micropolíticas (na emergência de linha de fuga e singularidades de cada processo no cotidiano local), na problematização das situações observadas e vivenciadas. Tais vivências são Educação Permanente em ato, tanto para os estudantes em seus percursos formativos, como para a docente no desenvolvimento do seu trabalho enquanto educadora e profissional da saúde. Um grande avanço pretendido é ampliar este coletivo tendo integrantes docentes e estudantes de outros cursos da saúde (Enfermagem, Nutrição, Ciências Biológicas e Biologia) como dos outros centros existentes (Filosofia, Educação, Direito, Ciências Políticas, Serviço Social, Teatro, Música, dentre outros). A interprofissionalidade e a interdisciplinaridade na formação em saúde são temáticas em outros coletivos que a docente participa. Neste percurso, vão se desdobrando as rodas em redes e assim por diante. O rompimento das fronteiras/barreiras departamentais e disciplinares universitárias é uma agenda fundamental ao conhecimento sobre a complexidade da vida contemporânea. Certamente, isto se coloca com densidade para o campo do cuidado e da saúde. Ainda que em fase inicial, a experienciação nesse coletivo tem invocado um olhar insistentemente cartográfico para uma leitura mais crítica da realidade. A realidade então é tomada como uma construção histórica e social, mas nem por isto linear. A transformação se dá no coletivo e requer reconhecer as diversidades existentes nos territórios que se atua e as singularidades dos/as que habitam e/ou transitam cotidianamente neles.   

Palavras-chave


Educação Médica, Comunidade de Aprendizagem, Integração Universidade Serviço e Comunidade, Cartografia na Saúde

Referências


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