Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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Percursos Formativos na RAPS: aprendendo e ensinado entre pares
Jaqueline Tavares Assis, June Correa Borges Scafuto, Rubia Cerqueira Persequini Lenza, Roberto Tykanori Kinoshita

Última alteração: 2015-10-22

Resumo


Apresentação: Atualmente, o Ministério da Saúde tem se esforçado para consolidar em todo território brasileiro a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). A RAPS propõe a atenção psicossocial em perspectiva integrada, articulada e efetiva em diferentes pontos de atenção à saúde para atender as pessoas com necessidades decorrentes de transtornos mentais e/ou do consumo de drogas. Nesse contexto, um grande desafio para Política Nacional de Saúde Mental – PNSM é a qualificação de profissionais para o trabalho dentro das diretrizes preconizadas para essa política e para o SUS. Sendo assim, tendo como base a necessidade de qualificação da RAPS, a Coordenação Geral de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas (CGMAD) do Ministério da Saúde lançou em novembro de 2013 Chamada Pública contemplando apoio financeiro ao desenvolvimento de projetos de educação permanente no âmbito específico da troca de experiência entre profissionais. Esse projeto intitulou-se Percursos Formativos na RAPS: intercâmbio entre experiências e teve como objetivo proporcionar um espaço para mediação, discussão e problematização do trabalho, a partir da reflexão sobre a atuação da equipe no território e sua articulação com a gestão e com a Política. Neste trabalho, o objetivo é descrever essa experiência como prática inovadora para formação no SUS, a partir da percepção dos trabalhadores participantes. Proposta do Projeto: Como parte do da Política de Educação Permanente e Qualificação da Atenção em Saúde Mental no SUS, o Ministério da Saúde publicou a Portaria GM 1174/2005 que destina incentivo financeiro para qualificação da RAPS. De acordo com a portaria, os Programas de Qualificação devem incluir, entre outros, projetos de estágio e de treinamento em serviço. No escopo dessa ação, o Projeto de Percursos Formativos na RAPS foi lançado, tendo como documento base uma chamada pública para seleção de projetos. Participaram dessa chamada redes de atenção psicossocial de 21 estados das cinco regiões do Brasil, envolvendo quatro ações distintas: a) intercâmbio profissional entre redes de atenção psicossocial; b) oficinas de integração do processo de trabalho em rede; c) desenvolvimento de um plano de educação permanente; d) circulação de saberes e experiências através da mediação de um profissional (engrenagens da educação permanente). O projeto encontra-se em fase de desenvolvimento e tem como meta: a) realização de intercâmbio profissional por 1.700 profissionais; b) realização de 82 oficinas de integração; c) desenvolvimento de planos de educação permanente em 96 municípios; d) circulação de saberes em saúde mental em 96 municípios. O intercâmbio entre experiências acontece por meio de módulos de formação, constituídos por um município que se organiza como rede receptora e cinco municípios que se organizam com redes visitantes. As redes receptoras recebem profissionais dos municípios visitantes, apresentando propostas e estratégias desenvolvidas por meio das práticas em seus territórios. As redes visitantes ofertam uma oficina de integração para trabalhadores, gestores e usuários em seu território, com a participação da rede receptora. Ao final desse processo todos os municípios participantes tem como responsabilidade organizar um plano de educação permanente para RAPS, além participar do componente de engrenagens da educação permanente. Resultados: Até o momento 75% da primeira etapa do projeto foi realizada. Cerca de 1300 profissionais já passaram por intercâmbio profissional nas redes receptoras e responderam um questionário avaliativo sobre o processo. Cerca de 740 profissionais responderam a essa avaliação. Foi pedido aos trabalhadores que descrevessem qualitativamente de que forma o projeto poderia contribuir com o trabalho. Depois de categorizadas as respostas, obteve-se o seguinte resultado: 15% dos respondentes afirmaram que o projeto ajudou no conhecimento das portarias da RAPS.23% disseram que o projeto contribuiu para um aprofundamento teórico sobre a linha de ação do módulo.44% responderam que o processo contribuiu para a reflexão sobre a humanização do cuidado em saúde mental47% disseram ter aprendido sobre a história da reforma psiquiátrica no Brasil58% revelaram que o projeto possibilitou a transposição do paradigma asilar para o psicossocial no que tange o cuidado em saúde mental. Além disso, a maior contribuição para o processo de trabalho percebido pelos trabalhadores foi o aprendizado de uma nova prática que não era executada no município de origem (71%). Algumas reflexões propostas na avaliação sobre aprendizado de novas práticas contemplaram princípios gerais de organização dos serviços da RAPS: Organização do Projeto Terapêutico Singular Atuação do profissional de referência. Realização de reuniões de equipe Realização de assembleias Organização de fóruns sobre saúde mental no município Desenvolvimento de atividades no território Papel das visitas domiciliares Matriciamento Perspectiva de trabalho voltada para conquista da autonomia. Desenvolvimento de trabalho com famílias Cerca de 65% das respostas também indicaram que uma boa articulação do trabalho da rede é necessária para o bom funcionamento do trabalho. Contudo, o resultado que mais chama atenção é a reflexão sobre a quebra de paradigmas em saúde mental (58%), a partir do aprendizado sobre a reforma psiquiátrica, dentro de um contexto de práticas inclusivas. Percebe-se que o projeto possibilitou uma mudança de percepção e postura em relação ao usuário de saúde mental permitindo construções que superam o paradigma asilar viabilizando a construção de um paradigma de garantia e exercício de direitos e conquista da cidadania. Considerações finais A Reforma Psiquiátrica e a PNSM se colocam para além das questões da assistência clínica, demandando dos profissionais instrumentos de compreensão e análise da pessoa que sofre inserida no contexto social, e a capacidade de transformação das instituições para que se tornem efetivas promotoras dos Direitos Humanos. Neste contexto, entende-se o Projeto Percursos Formativos como uma formação que possibilita tanto reflexões coletivas sobre os paradigmas em saúde mental como construções individuais que superam o paradigma asilar, sendo assim coparticipante na transformação das instituições. O projeto tem como potência trazer novos sentidos às equipes, que encontram no espaço do “encontro entre pares” à possibilidade para compartilhar angústias que vão desde problemas de estrutura do serviço a conflitos relativos ao funcionamento do grupo e reavaliação dos impasses no processo de trabalho. Se, de um lado, a incorporação de novos padrões de compreensão dos fenômenos e o desenvolvimento de novas atitudes para a ação neste cenário de mudanças depende de deslocamentos emocionais, desterritorializações e reterritorializações. (Guattari& Rolnik, 1986), de outro, o processo de aprendizagem passa pela mobilização de recursos emocionais e corporais para compor novas racionalidades que permitam articular ações concretas para a mudança. Em síntese, entende-se que as ações de formação e educação permanente no âmbito do SUS são fundamentais para o desenvolvimento de estratégias e práticas consonantes com os desafios cotidianos da atenção em saúde. Nesse sentido, espera-se que as quatro ações do projeto, em conjunto, possam gerar mudanças de prática profissional e de estrutura de funcionamento nas RAPS, trabalhando no sentido de formar profissionais e estabelecer práticas condizentes com a reforma psiquiátrica e com os princípios de regulamentação da RAPS.

Palavras-chave


Saúde Mental; intercâmbio profissional; qualificação da RAPS

Referências


Guattari, F & Rolnik, S. (1986). Micropolítica: Cartografia do Desejo. Petrópolis: Vozes.

BRASIL. Ministério da Saúde. (2005). Portaria GM/MS nº 1.174, de 07 de julho de 2005 que destina incentivo financeiro emergencial para o Programa de Qualificação dos Centros de Atenção Psicossocial - CAPS e dá outras providências. . Diário Oficial da União, Brasília, DF.