Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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A SAÚDE MENTAL DO UNIVERSITÁRIO: UM DESAFIO DA FORMAÇÃO PARA O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE
Natali Portela, Catia Paranhos Martins, Elenita Sureke Abilio, Conrado Neves Sathler

Última alteração: 2015-10-19

Resumo


Este relato de experiência apresenta algumas reflexões e questionamentos sobre a saúde mental do estudante universitário a partir das vivências de profissionais inseridos em diferentes contextos na Educação Superior do Mato Grosso do Sul. Os seguintes olhares foram somados aqui da responsável pelo Serviço de Atendimento Psicológico ao estudante da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (SAP/UEMS), de dois docentes do Curso de Psicologia da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) e da coordenadora do Programa de Residência Multiprofissional em Saúde do Hospital Universitário da UFGD. Nossas experiências como docentes na gestão e na assistência estudantil permitem-nos transitar nos espaços de sala de aula, nos campos de práticas e no atendimento psicológico, principalmente com os alunos dos cursos de graduação e pós-graduação oriundos da Psicologia, Enfermagem e Nutrição que apontam aspectos importantes sobre a saúde mental dos futuros trabalhadores da saúde. As questões relacionadas ao mal-estar dos universitários surgidas durante a formação demonstram desafios e dificuldades de adaptação a uma nova realidade. Os estudantes precisam adquirir e conciliar conhecimentos técnicos e éticos com as responsabilidades inerentes à vida universitária: as incertezas ao tomar decisões significativas para o futuro, a carga horária considerada por eles exaustiva, as novas demandas, as dinâmicas curriculares, a constante insegurança nos estágios e demais atividades práticas, o encontro com a diversidade de sujeitos e comunidades são dentre outros fatores apontados como motivos de angústia e sofrimento. Na aproximação dos estudantes de graduação e pós-graduação com o Sistema Único de Saúde (SUS), principalmente nos campos de estágio e na formação em serviço, que caracteriza a Residência Multiprofissional, eles trazem questionamentos sobre como lidar com o que é humano e com os limites éticos, políticos e institucionais. O encontro com as desigualdades sociais e iniquidades, principalmente a miséria de algumas comunidades, e também com a dor, o adoecimento e a morte são dimensões do trabalho em saúde que merece maior escuta e acolhimento na formação universitária. Estudos recomendam às universidades estarem mais atentas ao período da graduação, promovendo discussões em relação aos sentimentos despertos pelo contato com a prática e ações que possam garantir uma visão mais integral do aluno (CASATE e CORRÊA, 2006; SOUSA et al., 2013). Somado a isso, o Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos Comunitários e Estudantis ao mapear a vida social, econômica e cultural dos estudantes de graduação presencial de todas as Universidades Federais Brasileiras, aponta que 43% dos estudantes pesquisados reportaram dificuldades significativas em relação à adaptação às novas situações (mudança de cidade, moradia e separação familiar, entre outras) e 47,7%, portanto quase a metade, relatou ter vivenciado uma crise emocional nos 12 meses anteriores à pesquisa. O estuda destaca também o aparecimento significativo de dificuldades emocionais como ansiedade, insônia, alterações do sono, sensações de desamparo/desespero/desesperança, sensação de desatenção/desorientação/confusão mental, timidez, depressão, medo/pânico e problemas alimentares (FONAPRACE, 2011). Acrescentamos ainda o recente alerta publicado na Revista da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO), por Oliveira e Padovani (2014), sobre a vulnerabilidade e sofrimento psíquico de uma parcela expressiva de universitários indicando a necessidade de desenvolvimentos de novas pesquisas frente às diferentes demandas estudantis que visem “(...) a melhoria do processo de adaptação e consequentemente a melhoria da saúde, qualidade de vida e desenvolvimento das potencialidades dos universitários.” (OLIVEIRA e PADOVANI, 2014, p. 995). Dentre as nossas preocupações, destacamos a importância de formar os futuros profissionais do SUS comprometidos com os princípios de integralidade, equidade e universalidade na construção da saúde como direito e dimensão da cidadania. Nossas atividades e discussões estão alinhadas com a Política Nacional de Humanização - HumanizaSUS (PNH) que visa ampliar as formas de fazer e pensar a clínica, de democratizar a gestão do trabalho e do cuidado. Em síntese, temos nos debruçado sobre as seguintes questões: como ampliar o compromisso ético-político e formar profissionais comprometidos com o SUS e com o enfrentamento das iniquidades em saúde? Como construir estratégias de formação e de cuidado dos futuros profissionais do SUS? E como aproximar a Universidade da comunidade? Para Ceccim e Ferla (2008), no ensino em saúde, a produção de subjetividade é uma dimensão ainda pouco considerada nos processos de formação e destacam que os projetos pedagógicos não estão restritos ao âmbito profissional. Os Projetos atingem, sobretudo, "(...) as relações humanas, o acolhimento e a própria qualidade de vida dos trabalhadores, pois se refletem em seu prazer, sua saúde, sua auto-estima (...) vão além do ambiente de trabalho ou da sala de aula, extrapolando para o mundo da vida" (CECCIM e FERLA, 2008, p.451). Sendo assim, tais projetos indicam quais sujeitos e valores buscaram formar em nossa atuação profissional. Ao focarmos a formação para o SUS, merecem reflexão os discursos e as práticas contrárias à construção da saúde pública de qualidade. Tais posicionamentos apresentam-se na ideia recorrente de usufruir das bolsas oferecidas pelo Estado brasileiro para alcançar um posto de trabalho na saúde suplementar, nas formações ainda centradas nas clínicas individual, biológica e hospitalar e no baixo compromisso dos projetos pedagógicos com as políticas públicas e com a cidadania, dentre outros aspectos. De nossas experiências que almejam uma formação alinhada com os princípios do SUS e da PNH, destacamos as atividades práticas intercaladas com rodas de conversa visando o acolhimento e a escuta do estudante, além das contribuições técnicas e ponderações éticas inerentes ao trabalho em saúde. Ao problematizar o cotidiano do SUS, ambicionamos como resultado contribuir na formação de profissionais implicados com o enfrentamento das iniquidades e demais desafios da saúde pública, exercitando o trabalho em equipe multiprofissional, a ampliação da clínica, a humanização das práticas, o fortalecimento do controle social e o fomento de uma rede de cuidados (BRASIL, 2010). Por fim, consideramos a necessidade de maior debate entre toda a comunidade acadêmica e parceiros sobre a criação e implantação de medidas curriculares e extracurriculares que busquem minimizar conflitos incidentes sobre a vida estudantil e a promoção da saúde mental do estudante. A saúde mental dos futuros profissionais do SUS relaciona-se às mudanças necessárias para democratizar a convivência entre professores e alunos, teoria e prática e aproximar o ensino do serviço.

Palavras-chave


Educação em Saúde; Saúde Mental; SUS

Referências


BRASIL. Ministério da Saúde. Política Nacional de Humanização – HUMANIZASUS. Documento base para gestores e trabalhadores do SUS. Brasília - DF, 2010.

CASATE, J.C.; CORRÊA, A.K. Vivências de alunos de enfermagem em estágio hospitalar: subsídios para refletir sobre a humanização em saúde. Revista da Escola de Enfermagem da USP, 2006 v. 40, p. 321-328. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v40n3/v40n3a01.pdf >. Acesso em: 18 abr 2015.

CECCIM, R.B.; FERLA, A.A. Educação e Saúde: ensino e cidadania como travessia de fronteiras. Trab. educ. Saúde. 2008, vol.6, n.3, pp. 443-456. Disponívelem:<http://www.revista.epsjv.fiocruz.br/upload/revistas/r219.pdf> Acesso: 29 jun 2015.

FONAPRACE. Perfil Socioeconômico e Cultural dos Estudantes de Graduação das Universidades Federais Brasileiras. Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos Comunitários e Estudantil. Brasília, 2011.

OLIVEIRA, N.R.C.; PADOVANI, R.C. Saúde do estudante universitário: uma questão para reflexão. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 19, n. 3, p. 995-996, 2014. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/csc/v19n3/1413-8123-csc-19-03-00995.pdf > Acesso em: 6 maio 2015.

SOUSA T.F. et al. Condutas negativas à saúde em estudantes universitários brasileiros. Ciência saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 18, n. 12, p. 3563-3575, 2013. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-81232013001200013&script=sci_arttext> Acesso em: 6 setembro 2015.