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Objeto e pesquisador, a produção do conhecimento In-Mundo
Última alteração: 2015-10-30
Resumo
APRESENTAÇÃO E OBJETIVO: A construção do Sistema Único de Saúde tem marcado o esforço de coletivos de trabalhadores que imprimem ao espectro do sistema sua própria e singular forma de agir, e, sobretudo de significá-lo. O resultado da intensa atividade dos trabalhadores e gestores é a de um Sistema de Saúde que tem uma enorme potência de se produzir como tal, atuando com uma força instituíste em interseção permanente com o que está instituído. As recentes diretrizes de construção de um sistema que tenha por base as redes de cuidado, parte do pressuposto de que estas atuam como linhas de produção, acionadas pelos trabalhadores no âmbito do funcionamento cotidiano dos serviços de saúde. Estas redes são operadas por processos de trabalho estruturados pelos trabalhadores na sua micropolítica, isto é, a partir de diferentes projetos que se interpõem em um intenso processo produtivo, em redes, onde opera uma importante capacidade inventiva do trabalhador, o que agrega grande possibilidade de realização ao SUS. Somado a este panorama geral, as inúmeras situações descritas no campo da saúde, como é difícil o acesso aos serviços, as experiências em diversas áreas do Sistema Único de Saúde, com foco nas inovações no modo de produção do cuidado e os numerosos casos de usuários que vivenciam formas e modos de cuidado singulares são focos da pesquisa, “Observatório Nacional da Produção de Cuidado em diferentes modalidades à luz do processo de implantação das Redes Temáticas de Atenção à Saúde no Sistema Único de Saúde: Avalia quem pede, quem faz e quem usa.” Uma investigação em âmbito nacional, mas que neste trabalho, toma como foco a questão construída a partir do problema que se estabelece na prática e nos processos de composição do campo de pesquisa. Um exercício para os pesquisadores que convoca mudanças paradigmáticas na construção do conhecimento. DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO: Ao tomarmos como objeto de investigação a avaliação da produção do cuidado e não uma avaliação sobre o cuidado, ou, ainda, uma avaliação sobre os indicadores epidemiológicos dos impactos do cuidado para as condições de saúde da população, neste caso estamos assumindo que o cuidado é produzido no encontro. Logo, nos remete a um deslocamento do lugar de pesquisador que observa e interpreta para o encontro. Um estar com aquele que demanda cuidado, com o trabalhador de saúde nos seus locais de trabalho e com os gestores em diversos espaços, inclusive nos espaços informais de gestão que acontecem na vida cotidiana dos trabalhadores. A problemática da produção do cuidado em redes de atenção complexas nos convoca a experimentação de modos de investigação que sejam capazes de produzir analise a partir do ato cuidador. Nesta direção, fizemos opção por uma orientação que não aparta sujeito e objeto, mas que implica o pesquisador no seu objeto convoca-o a multiplicidade de mundos e o convida para se encharcar de mundos (Abrahão et. al, 2013). Uma vez que a investigação se dá a partir do encontro, passamos a considerar que o olhar do outro, nesse encontro, compõe o território da investigação, dito de outro jeito é considerar como abordagem para a pesquisa o perspectivismo. O objeto de investigação dessa pesquisa é composto por vários pontos de vista, incluindo aqui a implicação do pesquisador. Uma produção das várias formas de existir no mundo para além da que estamos habituados nos serviços. Um exercício de desaprender, problematizar e colocar em análise as marcas, os constructos centrados e estabelecidos como verdades. O uso das narrativas foram fundamentais neste processo e foram sendo construídas pelos pesquisadores e são um dos planos que se tomou nesta construção da pesquisa, pois como nos diz Réne Schérer (2005) ”Desembaraçar-se de tudo o que imobiliza, que sedentariza: palavra-refrão.” Se há algo, antes de tudo, que aprendemos com ele, que dele guardamos que é sua marca própria e sua luz, é exatamente esse apelo a reativar sem parar o movimento. RESULTADOS E/OU IMPACTOS: O exercício de se experimentar em grupo e singularmente nesta dobra do perspectivismo e da implicação, tem possibilitado, ao grupo de pesquisadores um reposicionamento de conceitos, reconstrução de outros e avanços importantes na construção de conhecimento sobre a constituição de redes dentro dos serviços. A produção de um campo de pesquisa que rompe com a dicotomia objeto/pesquisador, colocou em “destaque as micropolíticas imanentes” (Rodrigues, 2011: 236) do processo de cuidar, deixando vir para a cena os acontecimentos ruidosos, repetitivos, silenciosos e/ou silenciados, presentes e constitutivos das conexões e arranjos produzidos entre os pesquisadores. Assim, está se configurando, pois estamos em processo de produção da investigação, uma produção intensa de conhecimento, entre os pesquisadores e por parte de quem faz o cotidiano acontecer, de quem está ligado ao processo de cuidar, pois é a prática o lugar da produção de conhecimento (Merhy, 2013). Na construção da investigação, buscamos ir para além da lógica do apreender “o engendramento daquilo que, ao tornar-se “objeto”, se vê sujeitado às ações de outro e/ou outrem” (Rodrigues, 2011: 236) em suas diversas racionalidades, lógicas e sentidos, partimos do entendimento de que o usuário não se encontra na condição de objeto e sim se localiza no lugar do protagonista do seu próprio modo de existir. Produz suas próprias conexões e modos de estar na vida. CONSIDERAÇÕES FINAIS: Estamos partilhando os encontros com uma escuta e debate a partir dos microprocessos de cuidar, com muita negociação entre os serviços. Nesse sentido o desafio de conhecer o usuário, identificando os equipamentos por onde transitou, bem como as suas conexões existenciais, ou seja, os vínculos, contatos que ele constrói além do serviço, ampliando o nosso interesse para elementos relativos ao modo de andar a vida, indo para além da lógica da clínica, nesta experimentação em ato no plano do cuidado é viver o nomadismo e o acontecimento no ato. Nesse exercício de olhar em nós essa produção para poder olhar-nos outros e nas redes encontramos conceitos ferramentas, que nos auxiliam, como a noção de afecção espinoziana. Isto porque toda experiência de assistência, de gestão, assim como a da própria vida é uma experiência com as afecções da existência ou com isso que se produz a partir de nossa posição no mundo, como corpo em encontro com outros corpos que assim se afetam de modo alegre ou triste. Reconhecer essas afecções em nós e nos encontros nas redes traz para a cena as produções de sentidos que se encontram em ação sobre o tratar, o cuidar e gerir. Sobre sentidos dos processos coletivos em ato e a forma como suas redes são fabricadas com vistas a produzir o cuidado em saúde. Em conexão com o exercício de desaprendizagem e com a noção de afecção o próprio conceito de rede passou a ser explorado de outra forma. Há um deslocamento do reconhecimento de uma rede somente a partir de seus fluxos e protocolos para o de sua fabricação como rede viva, mutável, dinâmica, imprevisível, em acontecimento, em ato a partir de cada encontro entre o trabalhador, os usuários e a gestão. A partir desse entendimento da rede como um espaço de produção de vida, o encontro da pesquisa nas redes vem produzindo muitas zonas de visibilidade e dizibilidade da forma como essas redes operam.
Palavras-chave
Pesquisa; Redes de Atenção; Micropolitica
Referências
ABRAHÃO, A. L. ; MERHY, E. E.; CHAGAS, M. S. ;GOMES, M. P. C. ; SILVA, E. ; VIANNA, L. . O pesquisador in-mundo e o processo de produção de outras formas de investigação em saúde. Lugar Comum (UFRJ), v. 39, p. 133-144, 2013.
MERHY, E. E. As práticas de cuidado na saúde. Vídeo de xx de xxxx de 2013, Encontro regional Sul da Rede Unida, disponível em XXXXXXXXXXXXXXXX e acessado em xx de xxxx de 2015.
SERRES, Michel. Criar. In: SERRES, Michel. Filosofia Mestiça. (Trad. Mª Ignez Duque Estrada). Editora Nova Fronteira, p.9-44, 1993
RODRIGUES, HBC . Intercessores e narrativas. Por uma dessujeição metodológica em pesquisa social. Pesquisas e Práticas Psicossociais, v. 6(2), p. 234-242, 2011.