Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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Outras palavras sobre o cuidado de pessoas que usam drogas: O CRR como experiência para qualificação da rede de cuidado, tornando-se um centro de referência
Ândrea Cardoso de Souza, Lorenna Figueiredo Souza, Elisângela de souza Onofre, Maria Alice Bastos, Ana Lúcia Abrahão, Francisco Leonel Fernandes, Júlio Cesar Nicodemos, Sâmara Sila Moura

Última alteração: 2015-10-27

Resumo


O deslocamento do eixo das ações em saúde da doença para a promoção da saúde trouxe consigo a exigência de uma série de transformações que envolvem todos os níveis da organização institucional da saúde, que vão desde a construção de novos equipamentos, a necessidade de novos modelos de gestão, até outra configuração quanto aos modos de agenciar as ações no campo social, implicando um chamado ético que concerne a todos no que tange às responsabilidades relativas à efetividade dos cuidados: a valorização do sujeito implicando em novos modos de participação dos agentes e dos usuários concernidos nos cuidados. Essas reflexões não podem deixar de estar presentes quando se convoca a Saúde a tratar de uma problemática eminentemente cultural como um problema de saúde, como é o caso do uso de drogas em nossa sociedade. Os riscos graves da mistificação que uma posição não advertida dos agentes da saúde pode acarretar no contexto de uma problemática que, nada mais nada menos, é sintomática do ordenamento social de nossa sociedade, de sua composição de classes e das relações de poder que as articula nos planos da política, da cultura e da economia. Não é que os usuários de drogas não devam ser tratados pela saúde, mas uma coisa é acolhê-los em suas dificuldades em torno da vida e da morte, outra é sancionar como categoria patológica um hábito cultural que é determinado e é resposta à composição dos jogos de força que ordenam o campo social. Quanto às drogas, se até hoje vivemos no marco do equívoco que é tratar uma questão sociocultural e política como problema de polícia, através das políticas proibicionistas, não deixaria de ser um equívoco ainda maior e mais grave tratar essa mesma questão como problema médico. Eis então delineado o contorno problemático do modo como encaramos o desafio de inscrever o Centro Regional de Referência para formação em álcool e outras drogas - CRR-UFF enquanto prática de ensino e formadora de profissionais que atuam nos mais diversos níveis institucionais que lidam com a questão das drogas. Como comprometer o que Ceccin e Feurwerker (2004) designaram como quadrilátero da formação – ensino, gestão, atenção e controle social – nesse campo tão problemático e seduzido a fornecer álibis que obscurecem nossas questões sociais, com uma atitude ética no cuidado que efetivamente introduza possibilidades reais de transformação nas relações sociais que a produzem e, nessa medida, seja, de fato, produtora de saúde? Temos tentado trabalhar com essas e outras questões para que o CRR-UFF opere mudanças na atenção aos usuários d e drogas na região metropolitana II do estado do Rio de Janeiro. O objetivo do CRR se constitui em qualificar a formação profissional para as reais demandas e necessidades dos usuários dos serviços. Nosso intuito é apresentar como o CRR UFF tem se instituído como espaço de qualificação para a atenção aos usuários de drogas. Temos uma direção de trabalho comprometida em colocar como foco dos cursos do CRR-UFF os determinantes mais abrangentes de natureza socioculturais que constituem a questão das drogas. Como infletir esse entendimento multifatorial numa iniciativa interna à universidade? É claro, o CRR-UFF se apoiou numa dinâmica de formação interdisciplinar e numa metodologia inspirada em estratégias participativas e em serviço. A formação interdisciplinar convida à interlocução como estratégia que relativiza as certezas impostas pelos enquadramentos especializados em disciplinas e em execução de protocolos fechados – sair da “rotinização”, decidir numa lógica dialógica, implicando o outro e o conflito. Uma perspectiva na qual o saber não já está constituído e na mão de uns poucos mestres e especialistas. Ele é produção do conjunto de pessoas num processo de interlocução, incorporando as experiências de cada um, aberto às devidas retificações em função da enormidade de fatores, muitos dos quais singulares, que concorrem para a determinação das questões relativas ao uso de drogas. O ato de instituir-se como “centro de referência” não garante que uma instituição funcione como tal. Constituir-se como centro de referência é um efeito do tempo e do trabalho realizado em vista de, de fato, termos tido algum êxito no sentido de produzir uma vinculação entre os alunos-profissionais e o discurso encaminhado pelo CRR-UFF. Em conformidade com Aulete (2007) uma das definições de centro: “lugar para o qual muitas pessoas convergem, para onde costumam se dirigir e onde se dá grande parte de determinadas atividades, e que não é necessariamente um centro geográfico”; e de referência, “o que se toma como parâmetro por sua qualidade, eficiência, etc.”, consideramos que CRR-UFF está no processo de se colocar como tal, pelo discurso que encaminha pelo que preconiza através de seus cursos e seminário abertos ao público. Para que não se institua somente como um “centro geográfico”, o CRR-UFF tem investido na divulgação de informações sobre álcool e drogas, através de página em rede social e livro. Além disso, aprofundamos o investimento no trabalho em rede, conforme orientação da Secretaria Nacional sobre Drogas, que elenca entre os princípios fundamentais dos centros de referência:- estabelecer parcerias com a gestão municipal e estadual para realizar diagnóstico das necessidades de formação em políticas sobre drogas das redes locais; - construir conjuntamente com trabalhadores e gestores os conteúdos e métodos de aprendizagem relacionados ao tema; - contribuir para o fortalecimento de redes intersetoriais de base territorial para prevenção, cuidado e inclusão social das pessoas que fazem uso prejudicial de substâncias psicoativas e utilizar o método de formação como instrumento de integração das diversas políticas/redes atuantes no mesmo território. As atividades do CRR-UFF tem se constituído em espaços de educação permanente à medida que favorecem possibilidades de reflexão para que os profissionais e gestores possam repensar suas práticas, entender os processos de trabalho no qual estão inseridos e rever condutas, de modo a buscar novas estratégias de intervenção, superação de dificuldades  concernentes à atenção psicossocial aos usuários de drogas. A formação proposta pelo CRR-UFF visa não só possibilitar a ampliação do cuidado como auxiliar os profissionais na formulação de novos modos de cuidado e assim influenciar nas práticas e na formulação de políticas de cuidado para atenção aos usuários de drogas no espaço da micropolítica. A formação proposta pelo CRR-UFF é tomada como um recurso para a gestão dos processos de atenção em saúde. O CRR-UFF tem possibilitado a universidade se exercitar como indutora de mudanças nos processos de formação, propiciando novos modos de aprender e de ensinar em saúde.

Palavras-chave


Formação; Álcool e drogas; Cuidado

Referências


AULETE, Caldas. Aulete Digital – Dicionário contemporâneo da língua portuguesa: Dicionário Caldas Aulete, vsonline, acessado em 05 de setembro de 2015.

 

CECCIM, Ricardo Burg; FEUERWERKER, Laura C. M.. O quadrilátero da formação para a área da saúde: ensino, gestão, atenção e controle social. Physis,  Rio de Janeiro ,  v. 14, n. 1, jun.  2004.