Anais do 12º Congresso Internacional da Rede Unida
Suplemento Revista Saúde em Redes ISSN 2446-4813 v.2 n.1, Suplemento, 2016
ATENDIMENTO A UMA MÃE PELA ÓTICA DA VULNERABILIDADE: VIVÊNCIA DE UMA ENFERMEIRA INTENSIVISTA NEONATAL
Elisângela Luna Cabrera, Cibele de Moura Sales, Fabiana Perez Rodrigues Bergamaschi
Última alteração: 2015-11-23
Resumo
Apresentação: A contemporaneidade traz inúmeros desafios aos profissionais de saúde, dentre eles a incerteza. A leitura atual da sociedade, em seu contexto ideológico, social e geográfico aponta uma alteração entre risco/proteção, segurança/insegurança sugerindo que o risco se tornou generalizado. Sendo necessária a percepção da capacidade de resposta do indivíduo [1], dos fatores que podem promover a diminuição do risco, assim como aqueles que podem aumentá-lo. Apesar de toda complexidade observada em Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN), nas relações entre os profissionais de saúde e entre esses e os usuários, ainda há predominância de um processo de trabalho mecanizado, tecnicista, rotinizado e focado em modelo biologicista e curativo do cuidar, gerando uma necessidade de uma abordagem aos indivíduos sob a ótica do conceito ampliado de saúde. Objetivo Relatar a assistência prestada pela enfermeira à mãe sob a luz da vulnerabilidade visando uma atenção holística, com uma concepção ampliada de saúde. Método: Trata-se de um relato de experiência, que busca ilustrar uma prática assistencial, prestada a uma mãe de um neonato internado na UTIN do Hospital Universitário da Universidade Federal da Grande Dourados (HU/UFGD), no mês de agosto de 2015. Para subsidiar ações/reflexões o fio condutor será a multidimensionalidade da vulnerabilidade empregada por Marandola Júnior e Hogan. Contextualização do Cenário da Prática e Individualização da Participante A UTIN do HU/UFGD conta com dez vagas para atendimento aos neonatos nascidos na macrorregião de Dourados[2]. A equipe multiprofissional é composta por enfermeira, técnica de enfermagem, neonatologista, psicóloga, fisioterapeuta, fonoaudióloga, assistente social, além de suporte de outras especialidades pediátricas. Em 21 de agosto recebemos um neonato prematuro, nascido de parto cesáreo com múltiplas malformações: onfalocele, ânus imperfurado, agenesia de genitália, extrofia de bexiga, meningomielocele fechada e pé torto congênito. À avaliação materna, mãe com 21 anos, casada, inativa, G2, P2, A0, moradora da cidade de Bela Vista, porém abrigada em uma casa de apoio no município de Ponta Porã em razão do tratamento para HIV, HTLV, Toxoplasmose, na rede de assistência especializada, referiu estar tratamento com antirretrovirais desde o pré-natal até o momento. Relatou não ter planejado a gestação, ter utilizado preservativo e contraceptivo de uso de emergência, pois percebeu que aquele estava roto. Complementou que sabe da importância do uso do preservativo devido sua condição sorológica, mas que não consegue se adaptar ao uso de contraceptivo oral. Seu esposo também é soropositivo. Sua outra filha de 20 meses estava sendo cuidada pela avó materna, em Bela Vista, porém teve que ser trazida para Dourados, em função de aquela estar em risco de perder o emprego. O esposo está desempregado, buscando uma ocupação. Têm benefícios sociais do governo como fonte de renda. Atualmente mudou-se para Dourados devido à longa permanência esperada para internação de seu filho. Resultados e Discussão Na avaliação da vulnerabilidade, de acordo com Marandola Júnior e Hogan fazem-se necessárias algumas compreensões, a saber: Compreensão do perigo envolvido (eventos que causam dano), do contexto geográfico e da produção social (as relações sociais, culturais, políticas, econômicas e a situação das instituições), que revelarão os elementos constituintes da capacidade de resposta, absorção e ajustamento que aquela sociedade ou lugar possuem para enfrentar o perigo. Na avaliação da escala espacial, é necessário compreender as interações espaciais e a rede de relacionamento entre pessoas, lugares, regiões e na escala temporal contextualizar os recursos disponíveis para responder ao perigo e capacidade de resiliência. Observou-se que devido sua condição sorológica (HIV/HTLV) e sua gravidez, a mãe teve que deixar seu lar e viver em uma casa de apoio. Agora em Dourados, devido à internação de seu filho em UTI, teve que se mudar para um quarto e trazer sua outra filha para não perder outra fonte de auxílio financeiro, sua mãe. Pela concepção sociológica há necessidade de saber quais processos levaram a essa situação de risco. Verificou-se que apesar de grande compreensão existente sobre a situação sorológica sua e de seu esposo, não sabia como evitar uma gestação indesejada, pela noção de redução de danos, percebendo um escapismo. As dimensões psicológica e cultural são essenciais para aferir a aceitabilidade de certos riscos em detrimento de outros, evidenciando a proteção e tolerância da pessoa diante do risco. O escapismo observado pelo pouco cuidado com sua saúde, ao não praticar sexo com proteção ficou evidenciado pelo sentimento de culpa após o nascimento de seu filho com múltiplas malformações. Após vários atendimentos onde essa fala foi trazida pela mãe conseguimos em consenso com ela estabelecer seu plano de cuidados. Encaminhamo-la ao planejamento familiar e aconselhamento de contracepção do Serviço de Atenção Especializada (SAE); solicitamos junto ao Conselho Tutelar apoio para matricular a filha em uma creche municipal extemporaneamente; semanalmente é acompanhada pela enfermeira sendo abordadas todas suas dúvidas relacionadas à sua situação de saúde e de seu filho e solicitamos acompanhamento psicológico para trabalhar todas suas culpas internalizadas e permitir que sua formação de vínculo não seja tão dolorosa. As ações foram propostas em conjunto com o serviço de assistência social. Considerações finais: Percebeu-se que as ações em rede são as fragilidades encontradas em nosso sistema municipal reforçando a necessidade de estabelecer diálogos permanentes com os órgãos de apoio primário e secundário de saúde, numa visão ampliada de saúde. Observa-se a necessidade por parte de todos os profissionais de uma postura acolhedora e de uma escuta sensível à mãe, permitindo que essa exponha suas dúvidas e dificuldades para que as ações ultrapassem a visão curativa e biológica, mas que respondam também às necessidades sociais e emocionais. Todo esse aparato visa contribuir para a troca de informações entre profissionais de saúde e mãe, almejando que as lacunas de conhecimento, percebidas no déficit de seu autocuidado, sejam sanadas ou minimizadas. Esse processo permite atenuar o risco e a vulnerabilidade para ela e sua família, dentro da estrutura existente, proporcionando um melhor enfrentamento, por acionar mecanismos internos de proteção e resiliência. [1] Segundo Marandola Júnior e Hogan1 se refere à capacidade que o indivíduo tem de absorção e ajustamento para enfrentamento do perigo, ou seja, sua resiliência na recuperação de algum dano. [2] É composta por 34 municípios do estado de Mato Grosso do Sul, incluindo Dourados.
Palavras-chave
Vulnerabilidade em Saúde; Enfermagem Neonatal; Neonatologia.
Referências