Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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A utilização da Poesia como um instrumento de feedback na formação em saúde
Ricardo Henrique Vieira Melo, Rosana Lúcia Alves Vilar, Antônio Medeiros Junior, Francijane Diniz Oliveira, Ligiana Nascimento Lucena, Nayara Santos Martins Neiva Melo, Marise Soares Almeida, Tházia Costa

Última alteração: 2015-10-22

Resumo


Apresentação: A oportunidade de dar, receber e retribuir feedback (retroalimentação), durante as atividades pedagógicas na graduação dos cursos da área da saúde, contribui para a prática reflexiva dos discentes e docentes, acerca de suas vivências. Um feedback construtivo, conforme Zeferino et al. (2007), é mais efetivo quando for: assertivo (claro, direto, objetivo); respeitoso (horizontalizado, consensual); descritivo (relato da ação/atividade); oportuno (momento e local adequado); específico (singular). Seus reflexos reverberam importante acuidade na aprendizagem e no desenvolvimento profissional contínuo, por promover conscientizações coerentes sobre o que fora vivido. Para isso, requer um comprometimento recíproco entre quem dá e quem recebe (observador e observado), podendo também ter uma função motivadora na execução de uma ação, intervenção ou tarefa. Uma das maneiras de aumentar a precisão dos seus resultados é modificar a forma de transmissão da informação, via uma troca, interativa, compartilhando ideias, sentimentos e experiências. Bodernave (1991) afirma que todo feedback, enquanto recurso de comunicação, está associado a alguns elementos básicos do ato comunicativo: contexto (situação em que acontece); interlocutores (sujeitos participantes); mensagens (conteúdos compartilhados); signos (simbologia da representação); e meios empregados na interação (diálogo, verbalização). E, por se tratar de uma devolutiva, uma retroalimentação, este tema possui consonância com a Teoria da Dádiva (MAUSS, 2005), em relação aos movimentos de doação, recepção e retribuição. Um Dom ou Dádiva (são sinônimos) significa uma teoria geral da obrigação de dar, receber, retribuir os bens simbólicos e materiais de forma contínua por meio de relações sociais (LACERDA; MARTINS, 2013, p. 195). É um sistema de ação social que enfatiza a dimensão simbólica circulante, aparentemente gratuita, porém interessada. A consciência desses aspectos facilita a concretização da cidadania participativa e dos sentidos da convivência comunitária, assegurando o direito de receber, juntamente com a oportunidade de propor, criar, intervir, retribuir, tornando o processo interativo educador/educando um caminho em direção a uma aprendizagem mútua e significativa. A linguagem poética faz uso de uma combinação de palavras capaz de explorar sentidos, sentimentos e expressões, enfatizando a subjetividade. Apresentamos uma iniciativa que buscou utilizar a força simbólica da poesia para estimular as sinapses subjetivas capazes de mobilizar impulsos criativos nos participantes. Assim, este texto relata a experiência de uso da Síntese Poética enquanto instrumento para feedback no processo ensino/aprendizagem, contextualizada na articulação entre Academia, Comunidade e Estratégia Saúde da Família (ESF), durante a disciplina Saúde e Cidadania I (SACI), nos cursos de graduação da área de saúde da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Desenvolvimento do Trabalho: Trata-se de um relato de experiência, de natureza qualitativa. Cada Grupo Tutorial (Tutor, Preceptores, Monitores, Discentes) acompanhou as ações cotidianas de uma Unidade Básica de Saúde da Família (USF). A disciplina Atividade Integrada de Educação Saúde e Cidadania (SACI) envolve, simultaneamente, ações de ensino, pesquisa e extensão, e se coloca como iniciativa de flexibilização dos Projetos Pedagógicos dos Cursos da Área da Saúde, sendo desenvolvida com um programa estruturante de educação, formalizada e integralizada nos currículos acadêmicos como uma disciplina obrigatória ou optativa e complementar, ofertada semestralmente aos alunos matriculados no primeiro ou no segundo período dos cursos. Inicialmente são feitos passeios exploratórios no território e visitas aos equipamentos sociais da área adscrita (creches, escolas, conselho comunitário, clubes de mães, etc.), contemplando também, nesta aproximação, o processo de trabalho da unidade de saúde acompanhada. Posteriormente os discentes elaboram um mapa social sobre o que foi observado e etnografado e selecionam um problema para enfrentamento, após rodas de discussões acerca dos nós críticos e governabilidade. Em seguida os estudantes fazem a construção coletiva de um projeto de intervenção na comunidade, com o matriciamento (facilitação) dos Tutores e Preceptores, ou participam de projetos de intervenção integrados às atividades das unidades de saúde. Os poemas são recitados após a execução projetos de intervenção na comunidade, e tratam de um enquadramento (frame) poético sobre o percurso do Grupo Tutorial (GT) em cada semestre letivo. Posteriormente foram analisadas as narrativas reflexivas dos discentes, contidas em portfólios de aprendizagem, através da técnica do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC), segundo orientações de Lefevre e Lefevre (2005). Fizemos um tratamento (análise) das narrativas reflexivas dos discentes a partir de rodas avaliativas e de registros em portfólios de aprendizagem, com o intuito de melhor compreender a percepção dos participantes acerca do uso deste instrumento na rotina do Grupo Tutorial de Monte Líbano, no Município de Natal (RN). A questão norteadora foi: o que essa síntese poética oferece a você? Resultados e/ou Impactos: As respostas foram decompostas, recompostas, tabuladas e organizadas, conforme a Técnica de Análise do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC), que permite o resgate de representações sociais acerca de um determinado tema naquela coletividade singular. Sua matéria-prima é o pensamento expresso na forma de discursos feito pelos sujeitos sobre um assunto específico. As ideias semelhantes ou complementares (divergentes) emitidas por cada participante foram agrupadas em categorias. Neste coletivo particular, 11 sujeitos elencaram 21 ideias/registros (iguais ou diferentes), agrupadas em cinco categorias. Em seguida foi registrada a frequência de cada uma indicando o percentual de cada ideia compartilhada pelo grupo. Não encontramos ancoragens nesse corpus de análise. Finalmente, foi elaborado um discurso (em primeira pessoa) como se fosse de um sujeito (coletivo) que avaliou a oferta da síntese poética: “Oferece uma avaliação ampla e poética do processo vivido na intervenção. Resume de forma dinâmica, coerente e alegre, o que foi discutido em cima da reflexão de cada um. Fiquei impressionado ao ver que os versos sintetizavam minha opinião. Identifico que a organização metodológica e o conteúdo qualificam a abordagem da construção coletiva. Sem palavras para expressar tamanha satisfação na realização deste trabalho com nossa equipe. Fiquei muito contente, adorei. Representou fielmente, não apenas os sentimentos do autor, mas também as impressões da turma. Com palavras muito bonitas, em forma de uma bela poesia, sintetizou e concluiu com “chave de ouro”. Meus parabéns. Continue escrevendo” (Turma Saci 2014.1-GT: Monte Líbano). Verificamos que esta prática estimulou um circuito de trocas positivas, integrando instrumentos formais da ciência com a realidade social, numa perspectiva interativa centrada no desenvolvimento de habilidades comunicativas, dialógicas e de solidariedade reflexiva frente a situações comuns. A consciência desses aspectos facilita a concretização da cidadania participativa e dos sentidos da convivência comunitária, assegurando o direito de receber, junto a oportunidade de propor, criar, intervir, retribuir, tornando o processo interativo educador/educando um caminho em direção a uma aprendizagem mútua e significativa. Considerações Finais: A arte de ensinar e de aprender pode ser aprimorada com o uso regular de feedback. A síntese poética foi efetiva enquanto estratégia motivadora; indutora do pensamento crítico sobre a realidade vivenciada; e contribuiu com o ideário de que a formação dos sujeitos ocorre na micropolítica da vida, pela partilha individual e coletiva, transformadora, capaz de mobilizar aspectos subjetivos, emocionais, cognitivos e afetivos nos participantes, associado aos interesses mais instrumentais. As reflexões apresentadas apontaram aspectos relevantes e confluentes com a Teoria da Dádiva, com relação à obrigação e a liberdade de dar, receber e retribuir os benefícios materiais e simbólicos, que fundamentam a constituição de vínculos sociais e facilitam a ampliação das formas de ensino/aprendizagem, através de experiências mais integradoras, participativas, lúdicas, leves e capazes de promover autonomia e emancipação.

Palavras-chave


Retroalimentação; Serviços de Integração Docente-Assistência; Educação.

Referências


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