Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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OGUATÁ PYAHU (UM NOVO CAMINHAR) E O DESAFIO DE (SUS)TENTAR NA RESIDÊNCIA MULTIPROFISSIONAL EM SAÚDE INDÍGENA
Paula Aparecida dos Santos Rodrigues, Cátia Paranhos Martins

Última alteração: 2015-10-19

Resumo


Apresentação: O Programa de Residência Multiprofissional em Saúde (RMS), da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) do Mato Grosso do Sul, é uma modalidade de ensino em pós-graduação lato sensu voltada à educação em serviço. Teve início em 2010, incluindo as especialidades de Psicologia, Enfermagem e Nutrição no contexto do Sistema Único de Saúde (SUS) com o objetivo de contemplar a integralidade por meio da ação multiprofissional com as ênfases em Atenção Cardiovascular e Atenção à Saúde Indígena. Este relato de experiência traz as contribuições sobre a ênfase em Saúde Indígena que nos convida a vivenciar os movimentos políticos, institucionais e interculturais na construção de espaços de alteridade. Os residentes têm como campos de prática o Hospital Universitário (HU), a Atenção Básica, a Secretaria Especial da Saúde Indígena (SESAI), a Casa de Apoio à Saúde Indígena (CASAI), o Hospital e Maternidade Porta da Esperança - Missão Presbiteriana Caiuá, entre outros espaços, conhecendo as rotinas dos serviços e os usuários indígenas da região de Dourados. O percurso pela rede SUS proporciona novas formas de produzir o cuidado em saúde, através das reflexões sobre temas emergentes, hábitos, cultura, língua, saúde, religião, aspectos socioeconômicos e antropológicos, importância do território, (des)colonização, entre outras considerações produzidas no diálogo entre os profissionais e os povos indígenas. Desenvolvimento do trabalho:  Na RMS, as equipes multiprofissionais são compostas com um residente de cada área (Enfermagem, Nutrição e Psicologia), que conhecem e atuam nos setores do Hospital Universitário (HU), na Atenção Básica, na Secretaria Especial da Saúde Indígena (SESAI), Casa de Apoio à Saúde Indígena (CASAI), no Hospital e Maternidade Porta da Esperança-Missão Presbiteriana Caiuá entre outros lugares, vivenciando a rotina dos serviços e dos usuários indígenas da região de Dourados/MS, de cada ponto de atenção da rede SUS. A RMS possibilita a oportunidade de mobilização daquele que trabalha e está na condição de aluno, instigado à ação reflexiva dos encantos e desconfortos observados e vividos nos campos de prática, compreendendo a singularidade do usuário e sua família, os aspectos políticos e institucionais junto da equipe e a rede de atenção à saúde. Para tanto, é necessário uma formação em saúde pautada nos princípios do SUS, Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas (PNASPI), Política Nacional de Educação Permanente, Política Nacional de Humanização (PNH), entre outras estratégias. A ênfase em Atenção à Saúde Indígena promove a mobilidade, o caminhar, as trocas, os encontros, os estranhamentos, contemplando a educação em serviço na construção de espaço de alteridade. E, assim, a RMS promove o deslocamento e a flexibilidade necessários para o movimento que Da Matta (1987) diz sobre tornar exótico o familiar e familiarizar o exótico, com inspiração no OguataPyahu (um novo caminhar), como chama o povo Kaiowá (BENITES, 2014). Resultados e impactos:   No desafio de SUStentar a saúde como direito, as discussões teórico–conceituais acerca da interculturalidade e antropologia da saúde contemplam os fenômenos que emergem a partir das vivências e fortalece o diálogo com profissionais através de encontros semanais junto ao grupo de residentes, tutores e preceptores. Neste grande grupo considerações e reflexões são tecidas sobre a rotina dos setores e serviços, oferecendo respaldo nas práticas de cuidado e ensino em saúde. A RMS promove espaços coletivos de discussão, fomentando temas emergidos da saúde indígena em que os participantes podem fazer contribuições a partir de suas vivências, no que diz respeito ao olhar do trabalhador aos saberes e costumes indígenas. Temos o Mato Grosso do Sul como uma região de fronteiras, de acolhida e de trânsito, sendo o segundo Estado brasileiro com maior população indígena. Na região de Dourados destacamos os Kaiowá, Guarani e Terena com suas especificidades relacionadas aos conflitos agrários, preconceitos, violências e demais agravos (URQUIZA, 2013). Em uma compreensão do cenário brasileiro, os direitos indígenas são legitimados, porém permeados por brechas (re)colonizadoras. Partindo da Constituição Federal de 1988, temos no Capítulo VIII, art. 231 o reconhecimento dos povos indígenas, sua organização e garantia à demarcação de terras. A Lei n} 8080/90, que regulamenta o SUS, traz a saúde como direito de todos e dever do Estado, apontando no Capítulo V o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena. O controle social indígena é tido na Portaria n° 755/12, onde está no artigo 2 os Conselhos Locais e Distritais e Fórum de Presidentes de Conselhos Distritais de Saúde Indígena. Criada em 2010, a SESAI pertencente ao Ministério da Saúde, sendo responsável por coordenar a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas e a gestão do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena, para garantir atenção integral à saúde, contemplando a diversidade étnica. Tem como diretrizes a organização dos serviços de saúde dos povos indígenas com Distritos Sanitários Especiais e Polos-base (BRASIL, 2002). Compreendendo tal processo, a Política Nacional de Educação Permanente, apresenta a missão de tornar a rede pública de saúde uma rede de ensino-aprendizagem, no exercício do trabalho, com sintonia entre formação, gestão, atenção e participação social (CECCIM, 2005). Nesse sentido, podemos tomar como ferramenta de inovação de práticas a PNH, como a diretriz Cogestão, que possibilita através do diálogo coletivo a corresponsabilidade e a autonomia dos sujeitos no processo do cuidado e autocuidado, incluindo gestores, trabalhadores e usuários de forma democrática e inovando os processos de gestão em saúde (BRASIL, 2003). Para tanto, é necessário que o residente em Saúde indígena adote o olhar de estranhamento e se mobilize a uma imersão cosmológica diante do atendimento ao indígena, deslocando-se de suas familiaridades e se aventurando no desconhecido visto por muitos como o “bárbaro”, “o (não)civilizado”, o que é inscrito num processo de exclusão social e política. Entende-se a necessidade de mudanças nos serviços de saúde, onde novos referenciais possam ser inseridos, reorganizando o pensar sobre a produção do cuidado, os sujeitos de tal processo, além de um novo serviço, construindo a si mesmos e resignificando relações (FRANCO; MERHY, 2013).   Considerações Finais: Assim, a inserção do residente nesse processo oportuniza refletir, a partir de tais vivências, sobre o desafio de SUStentar o trabalhador de saúde no contexto teórico e político, considerando sua inserção institucional, as formas de vínculo, suas expectativas, seu processo de formação, políticas públicas e interculturalidade. A RMS da UFGD é um processo que integra os campos de prática no encontro com a saúde indígena, perpassado pela diferença como riqueza cultural, linguística e social. O residente é instigado ao papel de questionador de verdades engessadas e modelos hegemônicos em busca de uma melhor compreensão do processo que está inserido. É possível observar que a experiência de ser e estar residente se inspira no que o povo Kaiowá chama de Oguatá Pyahu (novo caminhar) como o deslocamento, a mobilidade social e espacial. Nós, que respiramos a Residência Multiprofissional em Saúde, colocamos em trânsito seu caminhar diverso, coletivo e transgressor, na concretude das atividades e no encontro entre subjetividades tão diversas. Buscamos, então, nos mobilizar para o cuidado produzido em rede viva de vínculos e histórias, que se encontram em rodas aquecidas pela partilha de marcantes experiências, na companhia dos que aconselham e reconstroem através dos caminhos percorridos inspirados pelos Kaiowás: na palavra que age. 

Palavras-chave


Saúde Indígena; Residência Multiprofissional; Educação Permanente em Saúde

Referências


BENITES, Eliel. Oguata Pyahu (Uma Nova Caminhada) no Processo de Desconstrução e Construção da Educação Escolar Indígena da Aldeia Te’ýikue. Campo Grande, 2014, 130 p. Dissertação (Mestrado) Universidade Católica Dom Bosco.

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