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Uma análise acerca dos instrumentos de gestão do trabalho nas secretarias de saúde da região Nordeste do Brasil
Última alteração: 2015-10-30
Resumo
Nas duas últimas décadas, o mercado de trabalho passou por diversas transformações que foram ocasionadas, em sua maioria, pela inserção de novas tecnologias oriundas da terceira revolução industrial, conhecida como a “era da informação”. Todavia, o mercado de trabalho manteve como uma de suas principais características a presença intensiva e uma forte dependência do trabalho humano. O sistema público e, por conseguinte, o Sistema Único de Saúde (SUS), não tem acompanhado com a mesma rapidez as transformações e inovações que ocorrem no mundo, sobretudo, no que concerne aos investimentos para o desenvolvimento da força de trabalho. O atual modelo de gestão encontrado nas instituições públicas de saúde é baseado no modelo de administração pública implantado em meados do século XIX, cujos princípios norteadores foram o formalismo, a impessoalidade, o controle rígido dos processos de trabalho, dentre outros. Ademais, as organizações públicas perderam a noção do seu principal objetivo, que é dar respaldo às necessidades da sociedade. Na área da saúde, isso implica diretamente na qualidade da assistência ofertada à população. Em decorrência disso, criam-se ambientes de trabalho complexos, em que os profissionais tornam-se cada vez mais desvalorizados e desmotivados, desenvolvendo de forma insatisfatória práticas de trabalho e, consecutivamente, de prestação de serviço à saúde. Para romper com essa realidade, bem como com a fragmentação e verticalização do processo de trabalho em saúde, o Ministério da Saúde vem incentivando, mais precisamente desde 2003, através da criação da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES) e com a criação da Política Nacional de Humanização (PNH), a implantação de instrumentos de gestão do trabalho nos três níveis de gestão (federal, estadual e municipal) do SUS. Esses instrumentos, tais como a Avaliação de Desempenho; o Plano de Cargos, Carreiras e Salários; a Mesa de Negociação do Trabalho em Saúde; a Política de Educação Permanente em Saúde etc.; oportunizam o desenvolvimento de boas condições de trabalho, através da democratização e flexibilização das relações trabalhistas, qualificação dos profissionais para atuarem frente às exigências de saúde da população e promoção da saúde dos trabalhadores. Esta pesquisa, integrante do Projeto de Apoio a Estruturação da Rede de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde desenvolvido pelo Observatório de Recursos Humanos em Saúde da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (ObservaRH/UFRN) em parceria com o Departamento de Gestão e Regulação do Trabalho em Saúde (DEGERTS) do Ministério da Saúde, teve o objetivo de identificar os principais instrumentos de gestão do trabalho em saúde implantados nas secretarias municipais e estaduais de saúde da região Nordeste do Brasil. Trata-se de um estudo descritivo e exploratório, com uma abordagem quantitativa. A coleta dos dados ocorreu com a aplicação de um formulário, contendo perguntas fechadas, aos alunos do curso de especialização em Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, ofertado pela UFRN na modalidade de Educação a Distância (EaD). Além de alunos do citado curso, os sujeitos respondentes também atuavam nas secretarias de saúde investigadas. O levantamento dos dados ocorreu no período de novembro de 2013 a fevereiro de 2014 e o envio dos formulários respondidos pôde ser feito de duas formas: a) via sistema eletrônico desenvolvido para tal fim, ou b) durante o momento presencial de encerramento do curso. A análise dos dados obtidos foi realizada através da estatística descritiva, utilizando o software Statistic Package for Social Sciences (SPSS) for Windows, versão 20.0. Ressalta-se que esse estudo teve a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Hospital Universitário Onofre Lopes (HUOL), vinculado à UFRN, respeitando as diretrizes e normas regulamentadoras da Resolução n.º 466/12 do Conselho Nacional de Saúde (CNS/MS) para pesquisas envolvendo seres humanos. De acordo com os 128 respondentes dessa pesquisa, 08 representando secretarias estaduais de saúde e 120 representando secretarias municipais de saúde, ficou evidenciado que 42,5% das instituições possuem Avaliação de Desempenho, enquanto 57,5% não possuem. 29,1% das instituições investigadas possuem Plano de Cargos, Carreiras e Salários contra 70,9% que não possuem. No que se refere à Mesa de Negociação do Trabalho em Saúde, apenas 16,1% das instituições investigadas possuem e 83,9% não possuem. 25,2% das secretarias de saúde analisadas possuem atividades de capacitação na área de gestão do trabalho e da educação na saúde, enquanto 74,8% não possuem. Por fim, porém não menos importante, 38,2% das instituições que participaram dessa pesquisa possuem Política de Educação Permanente em Saúde e 61,8% não possuem. Diante dos resultados encontrados, percebe-se que apesar do forte investimento do Ministério da Saúde, por meio da SGTES, para induzir o fortalecimento dos instrumentos de gestão do trabalho em saúde nas instâncias do SUS, as secretarias de saúde estudadas, sejam de âmbito estadual ou municipal, ainda enfrentam dificuldades para implementá-los. Tais dificuldades, que na maioria das vezes são de ordem econômica e estrutural, são reflexos do processo de descentralização do SUS, impulsionado pela Constituição Federal de 1988 e pela Reforma Sanitária Brasileira. O referido processo vem buscando adequar o sistema público de saúde brasileiro às características e singularidades presentes em cada região do nosso país. Todavia, como o Brasil é um país de dimensão continental formado por diferentes “Brasis” e realidades sociais e sanitárias distintas, é preciso criar estratégias diferenciadas para atender às necessidades dos setores de gestão do trabalho e da educação na saúde nos estados e municípios das diferentes regiões da nação. Ademais, partindo do pressuposto de que a saúde do trabalhador não é compreendida somente pela ausência de doenças ocupacionais, mas também pelo estímulo à criatividade, autonomia, protagonismo, participação, construção de boas práticas e condições de trabalho facilitadas por meio dos instrumentos de gestão do trabalho, a ausência de tais instrumentos nas instituições de saúde vinculadas ao SUS compromete a promoção da saúde do trabalhador. Consecutivamente, se o trabalhador da saúde não está saudável e desempenhando as suas habilidades de maneira satisfatória, a prestação da assistência à saúde dos usuários também não será de boa qualidade. Por fim, espera-se que os resultados desse estudo possam corroborar para o fortalecimento da área de gestão do trabalho e da educação na saúde no Nordeste brasileiro e nas demais regiões do país.
Palavras-chave
Recursos humanos; trabalho em saúde; gestão do trabalho.
Referências
- Castro JL, Vilar RLA, Liberalino FN. Gestão do trabalho e da educação na saúde. Natal: EDUFRN; 2012.
- Castro JL. Gerência de pessoal nos serviços de saúde. In: Santana JP, Castro JL, editores. Capacitação em Desenvolvimento de Recursos de Saúde – CADRHU. Natal: EDUFRN; 1999. p. 313-327.
- Assunção AA. Gestão das condições de trabalho e saúde dos trabalhadores da saúde. Belo Horizonte: NESCON/UFMG; 2012.