Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

Tamanho da fonte: 
A escuta e os encontros: potências e desafios na formação médica
Marien Édina Foresti, Ana Maieli Hoinatz Schmitz, Alexandre Amorim

Última alteração: 2015-10-19

Resumo


Apresentação: Frente a tantos desafios existentes na formação médica, este trabalho trata de uma reflexão acerca destas trincheiras que permeiam a realidade de futuros profissionais da saúde. Partindo da visão de duas estudantes do terceiro semestre do curso de Medicina da Universidade Federal da Fronteira Sul – campus Passo Fundo, o principal objetivo deste relato é apresentar a forma como os atuais desafios impactam na carreira médica e os modos como podemos enfrentá-los. A experiência prática e teórica de um ano de Saúde Coletiva, as vivências intensivas no Sistema Único de Saúde (SUS) e a relação com profissionais que nos instigam a melhorar a implementação da Estratégia de Saúde da Família (ESF) é o que nos oferece embasamento para desenvolver a válida reflexão. Desenvolvimento do trabalho: Frente às novas configurações dos cursos de Medicina do país, aquilo que já foi barreira no que diz respeito à formação de futuros profissionais da saúde caminha para a desmistificação. É através da aproximação com o SUS, via imersões e práticas de vivências, que nos é permitido, desde o princípio da academia, treinar um olhar mais acolhedor e compreensivo. Despertar a sensibilidade em estudantes da área da saúde compõe-se como uma tarefa eminentemente desafiadora. Ter a sensibilidade despertada - o corpo afetado - não é tarefa menos árdua na composição deste duplo desafio. Se partirmos do pressuposto da troca, na perspectiva da produção do cuidado, somos lançados a oferecer ao outro aquilo que temos dentro de nós (com todos os nossos nós). Percebemos o quanto é fundamental, por exemplo, conquistar e manter vínculo com as famílias do território. A prática do acolhimento é uma ferramenta que humaniza essa dinâmica do cuidado para com o outro. E é através das múltiplas formas de escuta, diálogo e percepção que se estabelecem os encontros. A escuta, neste caso, pode ser entendida como um processo solidário, capaz de produzir autonomia e libertação. Para tanto, considerando o ensinar e o aprender sobre o cuidado como o principal itinerário pedagógico e a relação disto com o desenvolvimento de sensibilidades, faz-se necessário pensar sobre as tecnologias utilizadas nestes processos. Para Merhy, as tecnologias podem ser classificadas como leve, leve-dura e dura. As tecnologias leves são as das relações; as leve-duras são as dos saberes estruturados, tais como as teorias, e as duras são as dos recursos materiais. (COELHO & JORGE, 2009). Elencamos então como desafiador e potente o desenvolvimento da habilidade de escuta do futuro profissional médico. Essa tecnologia leve - comunicacional, afetiva, relacional - promove uma melhora na qualidade do atendimento, e se traduz de maneira mais efetiva no tocante à produção do cuidado. Ressaltamos também neste movimento a necessidade de valorização da atenção primária, bem como o seu ensino-aprendizagem, pois o profissional médico atuante nesse segmento consegue ser mais efetivo na resolução de problemas crônicos e complexos que aparecem junto com o avanço da idade, cenário típico da contemporaneidade. Nesse contexto, os profissionais da saúde precisam estar preparados para acompanhar e decidir a melhor estratégia de manejo clínico dispensada aos pacientes, bem como a disponibilização de informações acerca dos riscos e medidas preventivas a serem adotadas, sem esquecer de que estes corpos inscrevem-se num cenário maior, composto por seus desejos, percursos próprios, percepções de corpo e de vida. As tecnologias leves são aí extremamente significativas, uma vez que são produzidas no trabalho em operação, condensam em si as relações e subjetividade, possibilitando produzir acolhimento, vínculo, responsabilização e autonomização. São, enfim, tecnologias produtoras de encontros. Nesse sentido, defendemos que as melhorias no método de ensino que aproxima os acadêmicos do SUS podem ser potencializadas se incorporarmos no processo de trabalho e no processo formativo as tecnologias leves, no encontro entre trabalhadores, estudantes e usuários. Por meio das vivências em território com a qual o nosso curso tem se organizado, a troca de experiências de vida tem nos solicitado a urgência de repensar os espaços de encontro como produtores de outros olhos e ouvidos. Invenções que nos permitam impulsionar transformações reais, mediante o estabelecimento de transversalidades e conexões entre atores - docentes, profissionais, estudantes e usuários (AMORIM, CHARNEY & CECCIM, 2014). A vivência, diante disso, acontece nos territórios e comunidades, transformando esses em espaços pedagógicos, onde são desconstruídas neste processo quaisquer relação de passividade do(s) ator(es) que participam. (AMORIM & CHARNEY, 2008). Vivenciamos, por exemplo, a potência da realização de mapeamento dos municípios, auxiliando na identificação de microáreas mais vulneráveis a exposição às DSTs. Trabalhos que promovam diálogos sobre sexualidade, diversidade sexual e direitos humanos, suscitam a formação de jovens mais comprometidos com o autocuidado. Tais ações difundem os esclarecimentos e formas de prevenção, potencializando o trabalho das equipes da atenção básica articulando políticas públicas como saúde e educação. Há a necessidade de trabalhar o despertar da sensibilidade emocional daqueles que nos cercam, no entanto percebe-se, que em quase totalidade dos métodos de ensino no país, isso compõem-se de forma quase que irrelevante. Como define BOFF: “O que se opõe ao descuido e ao descaso, é o cuidado” e assim nos faz pensar o cuidar como uma atitude de ocupação, preocupação, de responsabilização e de envolvimento afetivo com o outro. E, através dessa troca de experiências entre profissionais e pacientes, prima-se pela reflexão e constante busca por soluções criativas e adaptáveis para os embargos de acesso com qualidade aos serviços de saúde. As ininterruptas melhorias na produção do cuidado nos serviços prestados que constituem o principal ponto de contato dos usuários com o SUS - atenção básica - revelam-se como produto dos inovadores projetos pedagógicos de cursos em saúde no país. Novidade esta que estimula, tanto o futuro profissional, quanto os trabalhadores a investirem seu afeto no cuidado à população que procura as ESF’s. Resultados e/ou impactos: Percebe-se, portanto,  que existe uma tendência de não valorização da escuta e dos encontros. Ouve-se, mas nem sempre se escuta de fato o outro. Cabe lembrar ainda que formas de ensino-aprendizagem tradicionalistas tem apresentado baixíssima capacidade de produzir cuidado integral, pois o impacto da atenção medicalizada e do aprendizado fragmentado é a verticalização, o uso do comando e o baixo desenvolvimento de autonomias ou da capacidade de invenção (AMORIM, CHARNEY & CECCIM, 2014). Nenhuma técnica ou tecnologia dura são capazes de surtir efeito isoladamente. Elas só são úteis quando complementam a tecnologia leve. Todo e qualquer usuário, merece uma saúde de qualidade e esse é, sem dúvida, o maior desafio, sejamos “ensinantes” ou “aprendentes”. Considerações finais: Consideramos, por fim, a necessidade de valorizar a “porta de entrada” das inúmeras demandas em saúde - a Atenção Básica. Implicados em uma formação diferente da clássica, podemos interagir de forma efetiva (e afetiva) com o SUS percebendo o quão importante é o trabalho em equipe que tem nos permitido um conjunto de experiências vividas, inscritas num determinado quantum de tempo, e num platô espacial, que deixam marcas, transformam quem as vive. (AMORIM & CHARNEY, 2008). Neste contexto, o trabalho multidisciplinar suscita os diferentes saberes e modelos possíveis que ativem a capacidade de tais atores intervirem de maneira criativa no pensar, sentir e querer aprendizado e cuidado em saúde. (AMORIM, CHARNEY & CECCIM, 2014). 

Palavras-chave


Formação, Medicina, Desafios, Acolhimento

Referências


AMORIM, Alexandre; CHARNEY, Alessandra e CECCIM, Ricardo Burg. Percursos para a produção do aprender e atender na Atenção Básica desde a gestão estadual do sistema de saúde. In: FAGUNDES, Sandra et al. (Org.) Atenção básica em produção: tessituras do apoio na gestão estadual do SUS. Porto Alegre : Rede UNIDA, 2014.

AMORIM, Alexandre; CHARNEY, Alessandra. Campos de prática ou de possibilidades?: vivências em comunidade como potência transformadora da educação médica. 2008. 51 f.. Monografia (Especialização em Saúde da Família com enfoque multiprofissional) - Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2008.

BOFF, L. Saber cuidar: ética do humano, compaixão pela terra. Petrópolis: Vozes, 1999.

BRASIL. Ministério da Saúde. Acolhimento à demanda espontânea. v. 1. Brasília: Ministério da Saúde, 2011. (Série A. Normas e Manuais Técnicos) (Cadernos de Atenção Básica n. 28, Volume I)

 

COELHO, Márcia Oliveira; JORGE, Maria Salete Bessa. Tecnologia das relações como dispositivo do atendimento humanizado na atenção básica à saúde na perspectiva do acesso, do acolhimento e do vínculo. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro , v. 14, supl. 1, p. 1523-1531, Oct.  2009.