Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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Percepção de Acadêmicos de Medicina Sobre a Avaliação por meio de Portfólio
ISABEL CRISTINA BELASCO, Fábio Gonçalves, Indianara Keila Pastorio, Thiago Souza Rosado

Última alteração: 2015-10-19

Resumo


Apresentação: Este trabalho trata-se de um Estudo Descritivo Exploratório Transversal, tendo como objetivo descrever a percepção dos alunos sobre a utilização do portfólio na educação médica em atividades de Prática em Saúde Coletiva. Desenvolvimento: No que tange à Medicina, a formação tradicional, ainda hoje hegemônica, decorre das recomendações elaboradas por Flexner, em 1910, que foram amplamente difundidas e resultaram em uma espécie de “modelo” a ser assumido pelas instituições formadoras. Historicamente, a formação dos profissionais de saúde tem sido pautada no uso de metodologias conservadoras (ou tradicionais), sob forte influência do mecanicismo de inspiração cartesiana-newtoniana, fragmentado e reducionista. A divisão entre o saber manual e intelectual proporcionou o surgimento de um novo método de ensino voltado às linhas de produção. Esse método tradicional segue uma prática de avaliação baseada em exames e na transmissão de informações de forma oral, na qual o aluno, um agente passivo, tende a armazenar informações num processo de memorização, sem intercâmbio externo ou experimentação ativa. Porém, a exigência de profissionais cada vez mais qualificados para a transição tecnológica, acarretou mudanças no paradigma educacional, inclusive na área da saúde, pois o paradigma vigente mostra-se insuficiente para formação humanista, já que forma profissionais mecanicistas, individualistas, acríticos e reprodutivos do trabalho em Saúde. Assim, o método tradicional vem dando espaço para o aprendizado baseado na problematização, que visa a integração do mundo externo com o mundo interno do aluno, tornando-o um agente ativo, responsável pelo seu próprio aprendizado. Tendo a subjetividade gradativamente incorporada ao indivíduo do século XXI, a reestruturação produtiva flexível cobra habilidades advindas de uma qualificação baseada na integralidade. Esse aprendizado baseia-se na avaliação da capacidade individual de cada estudante em fazer julgamentos, avaliar, e saber identificar os problemas mais relevantes e como resolvê-los. Esse método cumpre um papel mais eficaz e sustenta a importância da formação numa perspectiva reflexiva, de acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais brasileiras para formação de profissionais compatíveis com as exigências do Sistema Único de Saúde. Nesse contexto surgiu o portfólio enquanto instrumento que pode favorecer a reflexão contínua do aluno e do professor sobre a qualidade das práticas educativas. No presente trabalho, foram estudados acadêmicos do curso de medicina, de uma universidade privada do interior do estado de São Paulo, que estão inseridos nos dez primeiros termos, por serem os que utilizaram da avaliação por portfólio em uma disciplina teórico prática. A coleta de dados foi realizada através de questionário semiestruturado e a análise dos dados feita de forma a verificar os pontos mais consistentes em termos qualitativos, sendo realizada a análise por categorização das respostas, seguindo o referencial de Minayo, de análise de conteúdo. Resultados: Acerca da opinião dos sujeitos sobre a definição de portfólio emergiram as categorias: Relato, Registro, Diário, Resumo/Síntese, Método de Avaliação/Auto avaliação, Possibilidade de Reflexão, Relacionado a obtenção de nota, Espaço para expressão de sentimentos e impressões e relacionado a aspectos negativos. Dentre os achados da pesquisa, verificamos que grande parte dos sujeitos concebe o portfólio como um relato das atividades vivenciadas, alguns deles o percebem como uma possibilidade de reflexão sobre sua prática, no entanto, não houve dentre os sujeitos, quem descrevesse o portfólio como possibilidade de interrelação entre teoria e prática, o que poderia se definir como metacognição, uma das metas do portfólio enquanto instrumento de avaliação. Percebemos também dentre as respostas certa resistência a esse instrumento de avaliação, demonstrados por respostas como "um trabalho maçante", "método de avaliação inútil", o que torna a utilização do mesmo infrutífera frente ao projeto de construção do conhecimento. Algo que nos chama a atenção é a fala de alguns estudantes quando referem que não houve orientação exata sobre a estrutura do portfólio, denotando talvez que o próprio docente tenha dúvidas com relação a este aspecto, o que ficou evidenciado em outros momentos quando os estudantes referiram que os docentes não fazem a leitura do portfólio com cuidado.  Para os estudantes pesquisados, os critérios que avaliariam melhor o portfólio seriam a organização, a reflexão, o conteúdo, a pesquisa, a redação, o interesse, a estrutura, a participação nas aulas, pontualidade na entrega. Alguns sujeitos expressaram seu descontentamento com o instrumento, não acreditando que o portfólio possa avaliar verdadeiramente o aluno, e outros também referiram a incompreensão dos critérios utilizados, expressando a opinião de que "Não entendo muito bem os critérios, então quanto mais enrolação, melhor".  A esse propósito, Silva e Sá-Chaves (2008) chamam atenção para que quando o formando não está familiarizado com a estratégia do portfólio e/ou com mecanismos que permitam refletir sobre a própria aprendizagem, podem ocorrer alguns impactos negativos iniciais com a sua utilização. Segundo Sá de Carvalho (2010), o portfólio visa oferecer ao estudante a oportunidade de documentar sua história como uma forma de acesso ao conhecimento de si, tanto quanto ao conhecimento em geral, sendo um meio de se aprofundar, de se interrogar, de se tocar no fundo de si mesmo, sobretudo de se tentar saber quem se é. Nesse sentido, observamos entre as respostas que um estudante referiu que um critério para ser avaliado deveria ser de "explicação e conclusão do que foi aprendido em aula juntamente como o que o aluno determinou de importante para ele". Um fator importante a se destacar na confecção do portfólio é a regularidade nos registros. Torna-se imprescindível que o estudante se debruce sobre sua vivencia de forma reflexiva e se existe uma lacuna entre o que é vivenciado e o registro, muitas informações e percepções se perdem, prejudicando a o aproveitamento do instrumento em uma de suas finalidades que é a perspectiva de reflexão sobre o processo de trabalho. Isso implica em que a prática cotidiana deva ser registrada sistematicamente para que nenhum aspecto relevante se perca. Quando a maioria dos estudantes refere que fazem anotações em seu portfólio na véspera da entrega, presume-se que muitos dados se perdem e a reflexão sobre a prática fica prejudicada. Apenas um estudante de toda a população estudada refere fazer as anotações diariamente. Quando abordados acerca do que é registrado no portfólio, emergiram nas respostas dos estudantes as categorias, Experiências vivenciadas no campo, Aulas, Pesquisas, Reflexões sobre a vivência e Aspectos importantes para o aprendizado. Um dos grandes empecilhos referidos pelos estudantes para a confecção do portfólio foi a falta de tempo. Além disso, também emergiram as categorias Falta de motivação, Dificuldade de reflexão, Dificuldade de escrever, Dificuldade em compreender o instrumento, e muitos alegaram não lembrar dos fatos. Entre as dificuldades alegadas pelos alunos também surgiram a dificuldade de expressão e de formulação de sínteses, além do que, alguns alunos referiram que não existe critérios claros para a correção dos mesmos, e que estes são desvalorizados pelos docentes. Considerações Finais: O registro diário no Portfólio, logo após as atividades é de suma importância para que nenhum dado se perca e o processo de ação/reflexão seja efetivado, porém, com a falta de compreensão do potencial do instrumento, muitos alunos deixam de aproveitar a riqueza do mesmo para sua formação. Concluímos que o portfólio como instrumento de avaliação é potencialmente inovador e enriquecedor para a formação, porém subutilizado no contexto do curso estudado tanto pelos docentes como pelos discentes.

Palavras-chave


Educação Médica; Avaliação; Portfólio

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