Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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A SAÚDE ORGANIZADA EM REDE: REFLEXÕES SOBRE A PORTARIA MS 4279/2010
Ilidio Roda Neves

Última alteração: 2015-11-30

Resumo


A saúde é uma questão complexa e de difícil explicação, mas que, entretanto, sabemos que envolve o acesso aos bens de consumo, aos serviços de saúde, à previdência social e à educação, assim como ao meio ambiente, a economia e as relações com o capital. Esta heterogeneidade e complexidade de elementos que se articulam e permeiam no campo da saúde, exprimem-se numa pluralidade de maneiras. Decodificar e atuar na realidade da saúde exige capacidade para lidar de forma produtiva com o diferente, o contraditório e o conflituoso, disponibilidade para o contato, manejo de tensões, senso crítico e autoanálise, estabelecendo um esforço permanente de convivência na diversidade, o que torna a atuação em rede um elemento fundamental e não apenas um padrão de interação. Assim, o objetivo deste trabalho é analisar a portaria 4279 de 2010 do Ministério da Saúde, que propõe a estruturação das Redes de Atenção à Saúde (RAS) no âmbito do SUS, tendo como suporte teórico os pressupostos da Saúde Coletiva. O Ministério da Saúde, a partir da portaria 4279, propõe, com a estruturação das RAS, sobrepujar a fragmentação que existe nos serviços de saúde oferecidos e na gestão do SUS e intensificar as relações em rede. Aponta também neste documento que a regionalização e a organização do sistema sobre a forma de rede é estratégia fundamental para que se cumpram os seus princípios constitucionais de universalidade, integralidade e equidade, destacando “a construção de vínculos de solidariedade e cooperação” como principais atributos. Nela a ideia de pactuação, contratualização e gestão ramificam-se, de tal forma que chega às unidades de serviço. O que se espera com isto é o aperfeiçoamento constante da gestão e, consequentemente, criar um processo contínuo de aprendizagem. Construir de fato uma rede implica estabelecer internamente constantes pactuações da gestão necessárias para que ocorra o envolvimento de diferentes participantes na construção das políticas públicas. O trabalho em rede é uma oportunidade de desenvolvimento de atos que democratizem o acesso e a participação de uma multiplicidade de atores sociais, em constante troca de informações, propicia a conjunção de objetivos comuns e/ou complementares ao potencializar a criação de canais de comunicação entre aqueles que a compõe. As atividades assim planejadas apresentariam um grande potencial de sucesso, sendo muito mais eficientes do que as elaboradas e desenvolvidas a partir do modelo gerencial hegemônico, que quebra e dificulta o estabelecimento de relações entre singularidades, tanto entre os trabalhadores de saúde, como entre usuários e uns com os outros, da repetição e reprodução da realidade e da normatização excessiva e burocratização da organização do trabalho. Contraditoriamente, circulam no meio oficial de governo uma leitura sobre o SUS na qual rede quer significar, simplesmente, uma ligação entre as diferentes esferas de gestão, estruturas de transmissão de normas e produtos de execução. O êxito da organização em rede não pode ser medido por métodos de gestão tradicional, baseada em dados numéricos, mas sim pela competência em estabelecer e cumprir objetivos claramente definidos, que queiram criar, produzir, ampliar no espaço em rede da qual façam parte, de tal maneira que isto mobilize e contribua para compor e articular o grupo, levando a produção de ações cooperadas. As RAS seriam organizações onde o poder de gestão pulverizaria-se por diversos serviços de saúde, sendo os pontos unificadores e de vinculação entre si, os objetivos, propostas comuns, as ações cooperadas e interdependentes, possibilitando oferecer a uma determinada população a atenção contínua e integral necessária. Muito embora o trabalho em rede não seja uma novidade foi com o desenvolvimento nas últimas décadas das redes cibernéticas que se tornou possível o crescimento de uma “inteligência coletiva” nas diversas redes, em especial da área da saúde, possibilitando uma maior difusão das informações e a participação ativa da população, ressignificando o campo e a própria forma como este se organiza, incorporando outra lógica de funcionamento, mais horizontalizado, democrático e participativo. Dentro dos princípios preconizados pela lei orgânica da saúde, apontando alternativas viáveis para o desenvolvimento de processos democráticos de interação, para a construção de políticas públicas, com a interlocução de um amplo espectro da sociedade interagindo e participando das tomadas de decisão, ultrapassando o restrito e fechado espaço dos especialistas e dos grupos que, tradicionalmente, fazem parte das deliberações. Ao tratar de rede em saúde estamos também falando de integração vertical e horizontal, onde a integração vertical se refere à articulação de unidades de saúde de diferentes níveis de complexidade e de focos de ação que são responsáveis por serviços e ações de natureza distinta, ainda assim, complementares. Já a integração horizontal refere-se à articulação entre unidades de mesma natureza de serviços, nível de complexidade, necessidade tecnológica e conhecimento, onde são feitos acordos para troca de saberes e auxílio, buscando assim ampliar o campo de atuação e diminuir os custos com o ganho em escala. A expectativa com este tipo de integração é que as estruturas de saúde trabalhem alinhadas com um objetivo comum, um mesmo propósito, sob uma única linha de comando, uma gestão única e que a comunicação flua entre as diferentes unidades, desenvolvendo suas ações de forma cooperada e interdependente. Este trabalho nos serviços de saúde seria composto por uma grande quantidade e variedade de linhas em conexão nas quais ocorrem encontros que seriam, ao mesmo tempo, operativos, políticos, comunicacionais, subjetivos, uma forma de linguagem que potencializaria a criação e o desenvolvimento de vínculos interpessoais e intersociais, fluxos permanentes plurais e amplos de trocas entre os profissionais e os usuários do sistema. As instâncias de gestão e a sociedade civil organizada, formando uma rede complexa de relações de múltiplas direções e sentidos que ocorriam a partir de pactuações estabelecidas entre si – que poderia tanto se compor a partir de tensões e conflitos como de acordos consensuais – que atuariam no desenvolvimento das linhas de cuidado, a partir das quais se materializariam e adquiririam valor de uso perante o usuário do SUS, possibilitando acontecer às ações em saúde bem como o desenvolvimento de políticas públicas de saúde. Isso daria às redes ao mesmo tempo um caráter caótico e um potencial revolucionário de ações de transformação institucional. Se esta rede for pactuada e desenvolvida de forma colaborativa, de fato, a complexidade de fatores, questões e elementos que a englobarão e a ela estarão ligados poderão produzir em quem participa um forte sentimento de pertença. Os trabalhadores, assim como a equipe, poderão se sentir como parte de algo maior, que se interconectará com outras equipes, serviços, pessoas e redes, a aqueles que vivem nos territórios de saúde. As exigências e desafios existentes no campo da saúde demandam o trabalho interdependente de vários profissionais, com diferentes níveis e graus de formação, não só atuando conjuntamente, mas em rede. Assim, o envolvimento dos profissionais na rede, as contratualizações, pactuações e participações na gestão dos serviços são fundamentais para a sua valorização como trabalhadores da saúde: a saúde como campo de pesquisa e trabalho é extremamente complexo e deve envolver o conjunto dos seus profissionais. Sendo um dos grandes desafios e característica das redes a busca por articular desejos e interesses pessoais e profissionais com as necessidades e anseios da sociedade na medida em que são usuários do sistema de saúde.

Palavras-chave


Gestão em Saúde; Administração de Serviços de Saúde; Descentralização; Sistema único de Saúde; organização & administração