Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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A flor e a náusea no apoio institucional: o processo histórico de organização do apoio institucional na CGGAB/DAB/MS
Sibeli da Silva Diefenthaler, Patrícia Barbará Dias, Adriana Almeida

Última alteração: 2015-10-30

Resumo


“Preso à minha classe e a algumas roupas, vou de branco pela rua cinzenta. Melancolias, mercadorias espreitam-me. Devo seguir até o enjoo? Posso, sem armas, revoltar-me? (...)” Este trabalho tem como objetivo contribuir para a compreensão sobre o Apoio Institucional, a partir das reflexões feitas na Coordenação Geral de Gestão da Atenção Básica do Departamento de Atenção Básica (CGGAB/DAB), no período de 2011 a 2013.  Através da análise do processo de trabalho, trazer a discussão do Apoio como uma estratégia potente de transformação da organização do trabalho e do fortalecimento da Política Nacional de Atenção Básica, na caminhada pela efetivação do Sistema Único de Saúde (SUS). O trabalho busca na metáfora com a poesia de Drummond, a flor e a náusea, demonstrar as contradições dos desafios e das potências do Apoio. O trabalho é fruto da Especialização em Saúde Coletiva e Educação em Saúde (UFRGS/MS). DESENVOLVIMENTO: Esse estudo foi baseado na análise do processo de construção do Apoio Institucional na CGGAB/DAB/MS, a partir de 2011, ano de implantação do Apoio Institucional na CGGAB, através de uma pesquisa qualitativa do tipo descritivo exploratório. A coleta de dados foi realizada a partir da técnica da narrativa. A narrativa não é uma verdade literal do ocorrido, mas a representação que deles faz o sujeito e, dessa forma, pode ser transformadora da própria realidade (CUNHA, 1997). As informações coletadas nas observações foram registradas em um diário de campo, buscando documentar as vivências do pesquisador frente à situação estudada (GOLDIM, 2000). O grande marco instituído na política de saúde no Brasil é a criação do SUS o qual se baseia em um conceito ampliado de saúde para população construído coletivamente. É necessário observar como se apresenta o processo político em saúde contextualizado com a conjuntura e assim buscar formas de enfrentamento necessárias para garantir o acesso legítimo à saúde. (PAIM, 2013). Há uma relação direta das relações sociais com as decisões e direções sociais, Marx já dizia que “o modo de produção da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social, política, intelectual em geral” (MARX, 1988, p.24). Assim pode-se inferir que o Apoio Institucional se produz no seio da contra hegemonia, por produzir sentidos diferentes (horizontalidade, construção coletiva) do que o modo vigente produz. A questão seria mais bem colocada da seguinte forma: Diante de um determinado projeto ético, estético e político que considere o apoio como possibilidade metodológica, em quais relações de saber-poder o apoio deveria necessariamente se inscrever? (NUNES, 2011). Apoio é baseado no encontro entre os sujeitos e na produção das relações dos mesmos de uma maneira horizontal, tendo como intencionalidade a democratização institucional a partir da cogestão. O Conceito apoio pretende capturar todo este significado: não se trataria de comandar objetos sem experiência ou sem interesses, mas sim de articular os objetivos institucionais aos saberes e interesses dos trabalhadores e usuários (CAMPOS, 2000). O apoio institucional tem a capacidade de produzir uma melhor análise institucional e a partir da mesma projetar construções coletivas de novos arranjos institucionais que visem à qualificação do processo de trabalho. O apoio institucional está vinculado ao modo de fazer cogestão. Trata-se de uma prática contra-hegemônica por adotar como diretriz a democracia institucional e a autonomia dos sujeitos (JUNIOR, 2013). Reflexões sobre o apoio a partir da vivência na CGGAB A CGGAB é uma das coordenações do DAB/MS dentro da Secretaria de Atenção à Saúde (SAS). É a coordenação que historicamente possui uma relação interfederativa, com Estados e municípios, por meio do Apoio Institucional. O trabalho também envolve os trabalhadores e os usuários do SUS, por trabalhar com a oferta de cursos de formação, na organização de encontros entre trabalhadores e usuários, tais como Conferências, Fóruns e Mostras. Para implementar o apoio na coordenação, trabalhadores, com experiências prévias, principalmente, no fazer/ser apoio do Estado junto aos municípios, foram convidados a compor a coordenação.  Segundo os trabalhadores, o momento de maior materialização do apoio foi em meados de setembro de 2011 com as oficinas do primeiro ciclo do PMAQ (Programa de Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica). O PMAQ foi um canal com os territórios e gestores, disparou demanda e possibilitou produzir relações no apoio, pois havia um objeto de trabalho definido, a implantação de um novo programa. Ao mesmo tempo, gerou alguns questionamentos por parte dos trabalhadores com relação a que apoio estava fazendo por não utilizaram todos os elementos, que antes usavam no apoio estadual as regionais de saúde ou ainda no apoio municipal com as equipes. O desafio é a compreensão por parte dos trabalhadores que estão na gestão federal, mas já estiveram na gestão municipal e/ou estadual, de outro apoio institucional, do agregar a literatura sobre o tema com o desafio de construir outra forma de fazer. De caminhar na formulação do que é ser/estar apoio no MS e como materializar esse fazer na esfera federal. O fato é que diante de uma estrutura ministerial, há dificuldades de se produzir novas formas de relações, a tensão e conflito fazem parte desse contexto. A cobrança pelo cumprimento de metas estabelecidas é grande e nem sempre o tempo da instituição é o mesmo tempo do processo relacional do apoio, o que gera questionamentos constantes sobre sua efetividade. “O fim de tudo não é o apoio, o fim de tudo é o objeto e esse não pode ser meramente descrito como resultado implantado é a relação, nessa relação o processo vale mais do que o resultado.” Essa fala, verbalizada em uma roda com apoiadores, sintetiza o objetivo do apoio institucional na CGGAB, demonstra a clareza de entendimento sobre o processo de trabalho, considerando os avanços e desafios de se fazer apoio na esfera federal. CONSIDERAÇÕES FINAIS: “Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde e lentamente passo a mão nessa forma insegura. Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se. (...) É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.” Trazer o apoio institucional para a discussão como uma estratégia potente de transformação da organização do trabalho e de fortalecimento da Atenção Básica na caminhada pela efetivação do SUS foi o objetivo desse trabalho. Mas, além disso, o apoio institucional é uma das tantas possibilidades de construção coletiva para transformação do cotidiano nauseante que ainda vivemos. Enxergar e sentir a náusea são fundamentais no processo para projetar e então forjar novos arranjos e construir outras relações sociais, projetar flores, ainda que feias. A náusea se traduz na difícil atividade de produzir vínculo, de implantar programas, de construir agendas, mas que produz a flor. Flor ainda que feia, por não estar completa, por possuir falhas, é uma flor, cria e recria novas formas de relações, produz cuidado e fortalecem os sujeitos na sua autonomia, flor essa chamada de Atenção Básica. Ao mesmo tempo em que, esse apoiador tem ofertas ele tem a abertura, a disponibilidade de escutar o outro no seu território, com suas vivências e assim retornar para a instituição nauseante e formular de forma contextualizada novas possibilidades, novas flores. Por isso reforço que ainda que uma flor feia, o apoio institucional, rompe o asfalto, o tédio, o ódio e o nojo.                                           

Palavras-chave


apoio institucional, Atenção Básica, SUS,gestão federal

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