Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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O CUIDAR EM CASA: A EXPERIÊNCIA DO SERVIÇO DE ATENÇÃO DOMICILIAR EM JOÃO PESSOA-PB
MARCOS OLIVEIRA DIAS VASCONCELOS, Adriana Nascimento Gomes, Michelly Santos de Andrade

Última alteração: 2015-11-23

Resumo


APRESENTAÇÃO: A assistência domiciliar surgiu como prática institucionalizada nos Estados Unidos em 1947, motivada pela necessidade de descongestionar os hospitais e criar um ambiente mais favorável à recuperação do paciente. Porém, a utilização do domicílio como espaço de cuidado à saúde só expandiu-se mundialmente nas últimas décadas devido ao avanço da biomedicina. Tal fato gerou mudanças importantes na atenção à saúde, também relacionada a uma crise no modelo hospitalocêntrico, que impactou nas políticas e nas instituições de saúde. Levando os hospitais a ampliarem seus serviços em direção às comunidades e ao domicílio do paciente. Deste modo, o hospital passou a oferecer equipes de saúde e equipamentos necessários para a realização do cuidado domiciliar, almejando a redução de gastos (RREHEM, 2005; OLIVEIRA, 2014). A peculiaridade da atenção domiciliar (AD) de João Pessoa de objetivar, além do apoio aos pacientes egressos de serviços hospitalares, o suporte a pacientes com determinadas necessidades de saúde. Selecionados pela atenção básica, torna o estudo da experiência de sua implementação importante para analisar o movimento de ampliação da abrangência dos serviços de atenção domiciliar no Brasil para além da desospitalização dos serviços hospitalares. Experiências municipais de aproximação e de suporte de equipes de AD com a atenção básica - como a do Serviço de Atenção Domiciliar (SAD) de João Pessoa - foram importante para a redefinição da AD no âmbito do SUS, fortalecida pela promulgação pelo Ministério da Saúde da Portaria 2527 de 2011. Nesse sentido, esse trabalho se propõe a enunciar a experiência do SAD do município de João Pessoa, refletindo, a partir do relato da implementação deste serviço, algumas potências, limites e desafios atuais para a produção do cuidado no domicílio.   DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO:  A coleta de dados ocorreu de novembro de 2014 a outubro de 2015 a partir do acompanhamento semanal da atenção domiciliar de João Pessoa. Trata-se de uma pesquisa qualitativa. O percurso metodológico foi desenvolvido através do uso de quatro estratégias metodológicas: 1) Análise documental a partir de consulta aos documentos produzidos pelos organismos oficiais relacionados ao Ministério da Saúde e a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de João Pessoa. 2) Mapeamento do histórico da atenção domiciliar no município, através de entrevistas semiestruturadas com gestores, trabalhadores e usuários do serviço com informantes - chave que atualmente ocupam ou ocuparam cargos de gestão ou de assistência na época do início da AD no município. 3) Registro em caderno de campo. Todos os dados coletados relativos à pesquisa (entrevistas, oficinas, acompanhamento das equipes nos atendimentos, participação nas reuniões técnicas e conversas no corredor do serviço ou durante deslocamento para os domicílios) e observados pelo pesquisador foram anotados no caderno de campo. RESULTADOS: O início da Atenção Domiciliar (AD) no município de João Pessoa aconteceu em junho de 2006, quando a SMS realizou a contratação de cinco fisioterapeutas para prestar assistência domiciliar. A necessidade do cuidado fisioterápico mais intensivo para alguns pacientes restritos ao leito já era uma demanda cobrada por usuários do SUS e por seus familiares e cuidadores. Este movimento de mobilização popular e de articulação com a gestão municipal de saúde ganhou força a partir da situação de Rafael [1], um adolescente de quinze anos, que há quase quatro anos estava hospitalizado, decorrente de complicações de uma neurocirurgia de descompressão medular em sua coluna cervical, que o deixou tetraplégico e dependente do auxílio de um respirador. Com o início da AD em João Pessoa, Rafael começou a receber acompanhamento fisioterápico em domicílio, além da atenção da equipe de saúde da família. Apesar de este primeiro paciente caracterizar-se por um caso clássico de desospitalização, a assistência domiciliar em João Pessoa concentrava-se principalmente na relação de suporte a pacientes selecionados pela atenção básica. Esta peculiaridade de João Pessoa diferencia-se das primeiras experiências de AD no Brasil, que, desde a década de 90, foram criadas para responder a demandas institucionais por desospitalização (BRASIL, 2014). A partir da organização da AD, observou-se que a demanda era imensa e que com um fisioterapeuta por distrito seria impossível de prestar uma assistência integral para quem precisava do serviço. A partir de 2009, a SMS de João Pessoa atentou para a necessidade de se fortalecer a assistência domiciliar com o acréscimo de um técnico de enfermagem e um enfermeiro em cada distrito sanitário. Apesar dos avanços na AD de João Pessoa entre 2006 e 2011, a necessidade de cuidados integrais de saúde no domicílio ainda era excessiva em relação à oferta. Mas, com a publicação da Portaria 2.527 do Ministério da Saúde em 2011, surgiu, pela primeira vez, a possibilidade de financiamento federal para a implementação e fortalecimento de serviços de AD (BRASIL, 2011). Deste modo, viabilizou-se a reestruturação deste serviço, dentro dos moldes desta portaria, seguindo-se um processo de implantação gradual, com a aquisição de recursos materiais e a seleção dos profissionais de saúde para as primeiras cinco Equipes Multiprofissionais de Atenção Domiciliar (EMAD) - que são equipes de referência da AD, formadas por médico, enfermeiro, fisioterapeuta (ou assistente social) e técnicos de enfermagem - e três Equipes Multiprofissionais de Apoio (EMAP) - que são compostas por outros profissionais de saúde que dão suporte a até três EMADs. Atualmente, a AD é regulamentada pela Portaria 963 do Ministério da Saúde de 27 de maio de 2013, que redefiniu atenção domiciliar no âmbito do SUS, através do Programa Melhor em Casa. Hoje através do Programa Melhor em Casa, o SAD dá cobertura a todo o território de João Pessoa, através de sete EMADs e três EMAPs, que dão suporte e complementam as ações das EMADS. CONSIDERAÇÕES FINAIS: A partir de nossa pesquisa, vimos que o entendimento da AD como modalidade de cuidado ainda é marcada pela compreensão de troca de nível de atenção, nos casos da necessidade da desospitalização, ou a de atenção complementar e expansão da cobertura, quando dá suporte aos pacientes acamados das equipes da saúde da família. Há ainda uma pequena reflexão - tanto por parte dos profissionais e gestores da AD, quanto dos demais serviços de saúde do município - de que a atenção domiciliar pode representar uma modalidade substitutiva do cuidado, através da apreensão de tecnologias necessárias para renovar as práticas de saúde tradicionais influenciadas pelo modelo tecno-assistencial biomédico, de forma a produzir um cuidado cooperado com a população e preocupado com sua autonomia e integralidade. Mas, os pesquisadores envolvidos com a produção do cuidado, têm acompanhado e se surpreendido com a potência de diversos encontros entre trabalhadores, usuários e familiares no domicílio. A atenção domiciliar permanece como um campo fértil para a criação de novas práticas de produção de cuidado, que tenham como foco a autonomia e integralidade dos sujeitos para mudanças nos processos de trabalho e gestão, de forma a valorizar práticas interdisciplinares, cooperativas e criativas.

Palavras-chave


atenção domiciliar; cuidado; implantação

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