Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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Trabalho com sexo, preconceito e saúde
Laura Camara Lima

Última alteração: 2015-11-04

Resumo


Estudaremos a temática do trabalho sexual, do ponto de vista da psicologia social e saúde do trabalhador, tanto no que concerne o uso do próprio corpo como ferramenta de trabalho, quanto no que diz respeito às posições sociais e subjetivas de quem trabalha na chamada indústria do sexo. A constituição da prostituição como uma prática estigmatizada se fez ao longo da história onde vários fatores se entrelaçaram. Percebe-se que as mulheres envolvidas na prática da prostituição foram categorizadas como responsáveis pela degradação física e moral dos homens e, por extensão, pela destruição das famílias como instituição. Entre esses se pode falar do vínculo - mais metafórico do que factual - que se faz entre a prostituição e a transmissão de Doenças Sexualmente Transmissíveis. Além disso, a formação do estigma relacionado à prostituição está associada também a fenômenos inaceitáveis como um todo, como é caso do tráfico de mulheres, crianças e adolescentes, da exploração sexual, do agenciamento da prostituição, entre outros. Assim, a prostituta carrega consigo, tanto para a sociedade como para si mesma enquanto concepção, o estigma de diversas práticas consideradas inadmissíveis. Os apelos sexuais são socialmente aceitos e usados como ferramenta pelo mercado financeiro a fim de atrair a atenção dos consumidores na consumação de diferentes produtos.  Entretanto, quando se fala de propaganda relacionadas ao sexo, como anúncios de profissionais do sexo em jornais, revistas, internet e outros meios a aceitação e visão a respeito da propaganda muda de figura. O perfil das garotas de programa publicado em 2001, as descreve como sendo jovens que procuram esconder o que fazem, em função do preconceito social que enfrentam, apontadas como grupo de risco, veículos de doenças, modelos de imoralidade e objetos de opressão de todo tipo. Apesar dos preconceitos, a prostituição tem sido resgatada na tentativa de ser ressignificada, mediante programas de prevenção e tratamento a DST/AIDS, os quais mascaram a motivação pecuniária do Governo, uma vez que a indústria do sexo movimenta milhões. Neste contexto, parece válido perguntar se há conhecimento suficiente sobre os dilemas que atingem o cotidiano desses profissionais. Como esses trabalhadores se sentem tendo que exercer suas atividades em funções socialmente desvalorizadas e «desvalorizantes», em relação às quais existe muito preconceito e às quais estão associadas imagens de imoralidade, sujeira e depravação da moral e dos bons costumes. Como esse trabalhador lida tais dilemas — se é que são dilemas —, como ele se vê e se sente, e como acha que é visto e sentido. Que tipo de relação subjetiva se estabelece com essa imagem a ele atribuída. Utilizamos guia de entrevista semi-aberta, elaborado com a colaboração de estudantes divididos em onze grupos de trabalho com quatro ou cinco membros. As questões abordam temas relacionados à experiência do trabalho: atividade, sentimento, autonomia, reconhecimento, realização pessoal, satisfação, identificação com a profissão, com a função, dificuldades de inserção profissional. Foram entrevistados 22 trabalhadores, metade de cada grupo: trabalhadores diretos do sexo, trabalhadores da indústria do sexo. As entrevistas foram transcritas e compartilhadas entre os pesquisadores. Os grupos de alunos realizaram análises e relatórios escritos que alimentaram o trabalho de síntese aqui apresentado. Existem inúmeras diferenças entre os profissionais entrevistados, tanto no quesito de como o trabalho é realizado, como o local onde ele é oferecido, como a condição socioeconômica do local, o horário de trabalho, o público-alvo e outras peculiaridades. Todos esses quesitos os dividem em diferentes posições e cada uma delas uma imagem diferente. Isso nos leva ao ponto que nos foi bastante claro durante as entrevistas: não existe uma categoria bem definida na qual todos se reconhecem, isto é, todas os profissionais não conseguiram se enquadrar num só lugar, como por exemplo: profissional do sexo. Eles se subdividem em grupos nos quais as diferenças são mais marcantes do que as semelhanças. A aceitação do próprio trabalho e da posição que o profissional assume é algo muito difícil de ser elaborado. Chamou atenção a existência de discursos contraditórios, nos quais são nítidos os conflitos entre o que a pessoa demonstra, o que a pessoa sente e o que a pessoa diz. Encontramos também muita solidão, mais do que imaginávamos. Muitas profissionais do sexo relataram não possuir apoio da família. Esperávamos encontrar também profissionais falando da rede de cuidado criada pelos agentes de saúde que nos ajudaram e apoiaram nessa pesquisa, mas pouquíssimos participantes (apenas seis) declararam em sua resposta receber apoio deles, podemos atribuir esse numero baixo de respostas ao vínculo criado com as agentes, que faz com que as mesmas as enxerguem como amigas não como representantes da saúde. As entrevistas mostraram que o sistema de saúde, no caso o SUS, é pouco receptivo ou pouco procurado para receber as demandas de saúde específicas das profissionais do sexo. A partir apenas de especulações nossas, talvez isso se justifique tanto por uma questão de serviços especializados indisponíveis para o tratamento, por uma questão possivelmente política. É possível que o tratamento recebido pelas profissionais do sexo seja pouco agradável, ou até mesmo hostil, encontrando o preconceito, não por uma questão particular aos serviços de saúde, mas por uma questão estrutural na sociedade na qual esses serviços estão inseridos. As entrevistas de nossa pergunta mostraram também que as próprias profissionais do sexo evitam procurar serviços de saúde especializados, para a profissão para não serem associadas formalmente a profissionais do sexo, sendo que muitas delas têm outras vidas de que precisam esconder a atividade profissional da prostituição. Portanto, os dados detectados pela pesquisa apontam que os desafios existentes no percurso de desconstrução dos processos preconceituosos e de estigma para com os profissionais do sexo ainda necessita de muita implicação e mobilização da sociedade como um todo, para além da aceitação pública em relação à profissão. Vale ressaltar que o reconhecimento da profissão por meio dos órgãos competentes também é um eixo central na luta dos trabalhadores do sexo, pois, para além de sofrerem com preconceito do senso comum, devemos sempre lembrar que não gozam dos benefícios ofertados aos trabalhadores de outras áreas – pelo simples fato de seu trabalho não ser reconhecido oficialmente como trabalho. O que ficou muito claro para nós na realização deste trabalho é que, atrás de cada frase, entrevista e discurso, existia uma história pessoal, um sujeito que se apresentava não como estereótipo nem somente como identidade social, mas como indivíduo, atravessado pela própria história, pela sua concepção de si e pelas diversas forças que atuam na sua profissão – estigma, estereótipo, identidade, profissão, sexo – de forma que estudar as respostas é entrar na vida de cada uma das entrevistadas. As consequências do reconhecimento da profissão poderiam ser relevantes no ponto que permitiriam a segurança profissional em diversos setores, assim como também poderiam permitir políticas públicas, ou de outras iniciativas mais consistentes, específicas e adequadas para as profissionais do sexo. Em nossas entrevistas foi percebido o quanto a ausência, ainda que temporária, como gostaríamos de acreditar, da consolidação dessas iniciativas acabam provocando uma situação de extrema vulnerabilidade para as profissionais do sexo, sendo que o acesso aos serviços de saúde é baixo e outras formas de cuidado são insuficientes ou de baixa adesão.

Palavras-chave


saude do trabalhador, trabalho com sexo, vulnerabilidade