Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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“Estamos arrumando ou desarrumando a casa?”: reflexões sobre a construção-desconstrução-reconstrução do trabalho em saúde mental em uma UBS “tradicional” do município de São Paulo
Valéria Monteiro Mendes, Lourdes Aparecida D Urso, Tatiana Julio, Jaize Costa Aquino, Laura Camargo Macruz Feuerwerker, Angela Aparecida Capozollo, Débora Cristina Bertussi, Alexandre Pereira Cruce

Última alteração: 2016-01-06

Resumo


APRESENTAÇÃO: “Vamos arrumar a casa ou desarrumá-la de vez?” Com as mudanças introduzidas pelo novo contrato de gestão da Secretaria Municipal de Saúde com as organizações sociais, o que vai mudar no serviço e nas ações em Saúde Mental? “será que o jeito que construímos nosso trabalho especialmente na Saúde Mental terá a ver com a nova lógica instituída?”; “qual o papel da UBS “tradicional” neste modelo de gestão?”; “como acolher e cuidar para além do imediatismo da consulta e da medicação? “O princípio do acolhimento a partir da nova gestão é mesmo acolhimento ou seria uma triagem da demanda?”; “qual será o futuro do trabalho em fonoaudiologia, psicologia e serviço social nas unidades tradicionais?”; “o que faremos diante das relações controladoras, competitivas, imediatistas e pouco solidárias que têm nos atravessado?”“. Estas foram algumas das questões pautadas nos encontros entre os trabalhadores do serviço de saúde mental (SM) da UBS Jardim Seckler, os profissionais da Rede de Atenção Psicossocial da região que realizam apoio matricial na Atenção Básica e os pesquisadores vinculados à pesquisa “Avalia quem pede, quem faz e quem usa”. Esse estudo de natureza cartográfica, conduzido por pesquisadores da Faculdade de Saúde Pública da USP tem como intuito discutir a produção do cuidado nos diferentes serviços que compõem a rede de saúde nos municípios de São Paulo (Região Sudeste), Campinas e São Bernardo do Campo. Uma das unidades estudadas em São Paulo, a Unidade Básica de Saúde (UBS) Jardim Seckler foi inaugurada em 1985, sendo denominada tradicional por não contar com estratégia de saúde da família. Responde por um território de abrangência bastante heterogêneo. Há grande parcela de usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) com condições de vida indicadoras de privação social e vulnerabilidades diversas, mas ao mesmo tempo há um capital social relacionado aos movimentos organizados da população. O presente trabalho pretende discutir o momento de transição a partir do segundo semestre de 2015 com a mudança da gestão municipal para o regimento por contrato de gestão com a participação pela primeira vez  de uma organização social (OS). DESENVOLVIMENTO: Um primeiro movimento foi a escuta dos profissionais estatutários e da gerente para conhecer o histórico e o funcionamento atual do serviço, com destaque para o processo de construção de um modo de operar o cuidado em Saúde Mental (SM). A unidade constituiu um pequeno núcleo de SM, que se tornou referência de atendimento para além da área de abrangência, incluindo outras UBS e a impulso comunidade de Heliópolis, entre 2002 a 2009. A insatisfação dos profissionais, o desejo de transformar o modelo de atenção após o desmonte do SUS (1996 a 2001) deu um primeiro para a mudança de processo de trabalho. O princípio do Acolhimento, pensado a princípio para ser um dispositivo de humanização e de abertura de acesso aos poucos, foi transformando o modelo na direção da inter/transdisciplinaridade, da clínica ampliada, da grupalidade e da construção de projetos terapêuticos com base na vulnerabilidade individual e coletiva. A partir de 2009, a perda de funcionários tornou inviável a manutenção desse modelo para a SM.  Mesmo com apenas três profissionais (assistente social, fonoaudiólogo e psicólogo) e com o apoio de matriciadores da rede a equipe de SM mantêm até hoje princípios do modelo anterior, com ênfase na interdisciplinaridade, a clínica ampliada e formação de grupos, como grupos de acolhimento para crianças e familiares e grupo família (quatro encontros para a reflexão com os pais sobre rotina, história e proposições de ação em relação às questões identificadas no acolhimento de crianças que perpassam à família), convivência e alongamento/relaxamento para idosos. Ocorrem encontros com equipamentos educacionais e de outros setores para proteção à criança e ao adolescente. Para os profissionais de saúde mental que os conduzem os grupos são estratégias importantes para aprofundamento da escuta, combatendo a medicalização e caminhando em direção a produção de saúde. Entretanto, percebe-se que nem sempre há compreensão de todos os profissionais para o alcance e potencial desse modo de cuidar. RESULTADOS E/OU IMPACTOS: A partir do compartilhamento e da interação entre os pesquisadores e a equipe foi possível compreender os sucessivos momentos da história da unidade. Considerando que se trata de uma fase de transição e de reorganização do trabalho, percebe-se que os impactos têm sido pouco discutidos. Mesmo com algum investimento da gestão há poucos espaços contínuos de reflexão coletiva no serviço. Percebe-se ainda que a entrada da OS tem sido vista de forma positiva por alguns profissionais e usuários, principalmente pela possibilidade de contratação de profissionais. Contudo, outras questões, como os valores que orientaram o processo de trabalho já construído, não têm sido objeto de problematização, especialmente considerando o sentimento de abandono/desamparo e os relatos de pouca integração entre os trabalhadores do serviço. Assim, os movimentos de problematização decorrem de alguns profissionais vinculados ao serviço de SM, particularmente no que se refere à necessidade de produção de implicação pelos trabalhadores que vem sendo contratados. Fica claro que presença de mais profissionais não garante a produção de práticas acolhedoras, humanizadas e contextualizadas em relação às necessidades, aos interesses e os modos de vida dos usuários. O Acolhimento proposto a partir da vigência da OS necessita de refinamento da escuta e do aprendizado/produção de um processo de trabalho não fragmentado, de modo integrado aos outros espaços/ações do serviço como os grupos de SM. Seria essencial aproximação com as questões do território, em oposição ao imediatismo e à instrumentalização do cuidado, que produzem “triagem” e não acolhimento. Dados os sucessivos movimentos de construção-desconstrução-reconstrução do SUS em São Paulo, evidencia-se a necessidade de produção de sentidos sobre o cuidado a ser construído na UBS pelos trabalhadores e pela gestão. Fica evidente a necessidade de se valorizar espaços de trocas interprofissionais para a composição de projetos de cuidado mais sintonizados com os usuários e o território.  CONSIDERAÇÕES FINAIS: É possível perceber a abertura para o diálogo e o interesse para tal “construção-reconstrução”, por exemplo, a partir da nova gerência e de alguns profissionais, o que reforça a ideia de que cuidado e gestão não caminham dissociados. Entretanto, é necessário perceber que o futuro sobre o cuidado a ser produzido não está determinado simplesmente pelo novo contrato de gestão. Uma questão que surgiu dos encontros é a ausência de um projeto claro para o modelo de UBS tradicional.  Enquanto a Estratégia de Saúde da Família tem instituído o cuidado em SM por meio dos Núcleos de Saúde da Família, o modelo tradicional é pouco discutido, considerado e valorizado. A partir do entendimento que cuidado e gestão são indissociáveis e que o cotidiano do trabalho é um lugar de produção de disputas, de escolhas e no qual todos governam – profissionais, gestores, usuários – é premente que agenciamentos acerca de outros modos de cuidar sejam problematizados e fabricados coletivamente.

Referências