Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

Tamanho da fonte: 
Discriminação no processo de recrutamento e seleção de pessoas com HIV/Aids
Maisson da Silva Berg, Gímerson Erick Ferreira, Jorge Souza da Cruz, Ana Paula de Moraes

Última alteração: 2015-10-30

Resumo


APRESENTAÇÃO: Atualmente, tem aumentado o número de pessoas que vivem com HIV/AIDS, e que possuem melhor qualidade vida, sendo este aumento atrelado à cronificação da doença, resultante dos avanços da terapia antirretroviral. A cronificação possibilitou ainda a essas pessoas, uma melhor inserção no mercado de trabalho e consequentemente a realização de planos e projetos em sua carreira. Entretanto, alguns desafios ainda perpassam essa questão, como a discriminação que pode estar envolvida na organização do trabalho, particularmente nos processos de gestão de pessoas, e que afetam diretamente indivíduos com HIV/AIDS que desejam a inserção e o desenvolvimento no trabalho. Nessa perspectiva de análise, a manutenção da qualidade de vida dessas pessoas no ambiente laboral torna-se uma preocupação coerente com as temáticas investigadas em saúde do trabalhador, sendo importante refletir essa questão desde sua gênese. Isso porque o contexto da gestão de pessoas na contemporaneidade expõe uma realidade na qual as denominações de seus processos nem sempre revelam a essência do seu discurso, sendo por vezes imbuídos do aperfeiçoamento de mecanismos conforme as exigências do cenário atual. Essa concepção é visualizada, por exemplo, no processo de recrutamento e seleção (R&S), o qual se norteia tipicamente por uma visão gerencial estritamente estratégica, com foco na eficiência e na eficácia sob a perspectiva organizacional, explorando minimamente questões humanas e sociais que deveriam constituir o verdadeiro gerenciamento de pessoal. Nessa perspectiva, considera-se que o processo de R&S pode ser permeado por armadilhas perversas, a exemplo da discriminação, especialmente em se tratando de grupos historicamente marginalizados, que muitas vezes são vítimas da injustiça social, da repressão e do preconceito, como as pessoas com HIV/AIDS. Assim, tem-se o objetivo de refletir criticamente acerca da discriminação de pessoas com HIV/AIDS no processo de R&S, com vistas à sinalização de propostas de intervenção à qualidade de vida desses trabalhadores. DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO: Apresenta-se uma reflexão teórica sobre a discriminação de pessoas com HIV/AIDS no processo de recrutamento e seleção de pessoas. A discriminação do candidato resulta do preconceito e, considerando que na legislação brasileira não existe uma previsão de quais métodos e técnicas de R&S devem ou não ser utilizadas para que não haja uma conduta discriminatória nesse processo, é comum que o resultado de tudo isto assuma formas de sofrimento no trabalho, assunto de plena relevância. Sob a perspectiva de Christophe Dejours, grande nome da Teoria da Psicodinâmica do Trabalho, o sofrimento consiste numa vivência subjetiva intermediária entre a doença mental e o bem-estar psíquico. Na medida em que o pleno bem-estar não é possível de ser alcançado, a saúde passa a ser concebida como algo inalcançável, conduzindo uma busca constante contra o sofrimento para manter-se na normalidade. Esse sofrimento deriva da racionalidade produtivista que passou a ser disseminada como a única saída para o cenário competitivo atual, não sendo diferente no processo de R&S. Essa lógica da dominação e da competitividade faz com que os métodos de gestão de pessoas se contraponham às conquistas sociais e aos avanços trabalhistas e difunda estratégias gerenciais marcadas pela frieza e perversidade que induzem à discriminação. RESULTADOS: Embora já exista um avanço legal que sinalize a necessidade de reformulação das estratégias de gestão, a gestão de pessoas ainda está muito voltada para os resultados da organização e pouco preocupada em possibilitar a orientação de gestores, candidatos e até mesmo futuros profissionais em relação a possíveis excessos neste processo. Nesse sentido, os modos de obtenção de informações sobre os candidatos, por mais que em um primeiro momento possam parecer inofensivas, em grande parte das vezes podem ser abordadas por técnicas que são consideradas discriminatórias pela legislação brasileira.  Do mesmo modo, a exigência de exames para aferir qualquer doença, mesmo que esteja dentro do poder de comando do empregador, deve estar relacionada à atividade profissional do trabalhador, sendo que, com relação ao HIV, não pode ser exigido exame anti-HIV para admissão no trabalho, embora haja controvérsias sobre isto. Essa perspectiva discriminatória, tanto pode  repercutir no âmbito humano, por atingir diretamente a preservação da liberdade, dignidade e intimidade do trabalhador; como do ponto de vista do profissional de gestão de pessoas, pois pode trazer prejuízos a sua carreira e imagem profissional; como também no âmbito das organizações, uma vez que a falta de discernimento ao adotar condutas discriminatórias, pode levar não só ao exercício de uma conduta pouco ética em relação aos futuros trabalhadores, como também ser gerador de prejuízos legais, financeiros, comprometendo, inclusive, a imagem da organização diante do mercado de trabalho. CONSIDERAÇÕES FINAIS: Embora haja um grande número de casos de pessoas infectadas pelo HIV/AIDS, a discriminação existente no cenário do trabalho atual ainda prevalece, de maneira que é importante refletir essa questão, pois a desinformação da sociedade e de gestores sobre o modo com que esse ponto interfere e impacta na vida e na saúde do indivíduo que vive com esse diagnóstico em seu ambiente laboral, pode ser fator de exposição a cargas psíquicas, e gerador de sofrimento, muitas vezes patogênico. Analisar criticamente a discriminação de pessoas com HIV/AIDS no processo de R&S é importante, pois falta empatia aos representantes das organizações no cenário contemporâneo, englobando o aspecto humano em suas ações, para que os trabalhadores não sejam visualizados como mero recursos, mas como pessoas, independente da sua condição de saúde. Pensando em propostas de intervenção, é importante fazer com que os profissionais responsáveis pelos processos de R&S se dêem conta das ações discriminatórias que podem estar envolvidas em seu trabalho, no sentido de se distanciar desta questão e de buscar novas e diferentes possibilidades de desenvolver tais processos. Contudo, cabe ressaltar que existem fatores históricos, sociais, culturais e econômicos que estão envolvidos nesse processo e que modelam a atuação do profissional, de maneira que muitas vezes, estes profissionais não se dão conta de que estão discriminando. Por tal motivo, é importante fortalecer a informação da sociedade em geral, quebrando paradigmas e buscando medidas que possibilitem o rompimento de preconceitos historicamente impostos. Nesse sentido, faz-se necessário o desenvolvimento de novos estudos que aborde a discriminação de pessoas com HIV/AIDS no mundo do trabalho, de maneira a possibilitar que ações de discriminação sejam extintas deste cenário e contemplem as condições de inserção e a percepção destas pessoas acerca de tais processos.