Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

Tamanho da fonte: 
ENTRE POLÍTICAS (EPS E PNH): POR UM MODO DE FORMAR NO/PARA O SUS
Michele de Freitas Faria de Vasconcelos, Jeane Felix, Célia Adriana Nicolotti, Sônia Lievori

Última alteração: 2015-11-12

Resumo


APRESENTAÇÃO: do que trata o trabalho e o objetivo propõe-se refletir sobre formação no/para o Sistema Único de Saúde (SUS) a partir de nossas experiências junto à Rede Cegonha (RC), no Ministério da Saúde (MS), especificamente no acompanhamento da implantação dos “Centros de Apoio ao Desenvolvimento de Boas Práticas na Gestão e Atenção Obstétrica e Neonatal”. Pensamos que a qualificação do cuidado em saúde passa pela experimentação de um referencial ético-político-pedagógico que se desdobra em diretrizes formativas cuja potência parece se situar na gestação de um certo modo de fazer-saber-produzir formação no SUS que se tece na indissociabilidade entre trabalho-formação-intervenção-gestão. DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO: descrição da experiência ou método do estudo. A RC objetiva fomentar a atenção humanizada ao pré-natal, parto/nascimento, puerpério e atenção infantil (até dois anos de idade). A mirada é a qualificação de práticas de gestão e atenção obstétrica/neonatal, abarcando um conjunto de serviços, práticas de saúde, profissionais e usuárias/os, desde maternidades até atenção básica e as redes de atenção à saúde, além das esferas de mobilização social. A proposta dos Centros diz respeito a um movimento formativo com vistas a: produzir e aquecer uma rede de “maternidades de referência” que possam contribuir com a implementação e a capilarização de boas práticas de gestão/atenção ao parto/nascimento; promover espaços de qualificação na saúde materna/infantil; produzir espaços e coletivos de reflexão e qualificação dessas práticas. A ideia central é que as maternidades possam receber (presencialmente/virtualmente) trabalhadores/as e gestores/as dos pontos de atenção da rede de saúde. Nessa inserção, os profissionais visitantes podem observar/participar do desenvolvimento de atividades cotidianas e compor momentos de discussão coletiva sobre práticas locais, desenhando, um espaço formativo e de corresponsabilização pelo trabalho onde o material pedagógico seja o cotidiano dos processos de trabalho, de modo que essa experiência formativa possa refletir na qualificação de práticas de atenção/gestão obstétrica/neonatal, tanto no local em que atuam quanto nas maternidades visitadas. O referencial ético-político-pedagógico que se desdobra em diretrizes formativas para os Centros gesta-se nas articulações entre a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde (PNEPS) e a Política Nacional de Humanização (PNH), políticas do SUS comprometidas com formação de profissionais do/no/para o SUS. As estratégias de formação na RC, de nosso ponto de vista, mesclam essas duas políticas. A potência dessa mescla, parece se situar na gestação de “um certo”modo de fazer-saber-produzir formação no SUS que se tece na indissociabilidade entre trabalho-formação-intervenção-gestão. A partir de experiências acumuladas na RC pode-se afirmar que mudar modelo de atenção/gestão materna/infantil envolve uma dimensão micropolítica, de construção de vias para produzir alterações de práticas cotidianas inscritas em cenários de trabalho também cotidianos. A (micro) política educacional na qual se respalda a RC coaduna com o sentido construído pela PNEPS e PNH, pois, para ambas, é fundamental que a formação aconteça no próprio espaço de trabalho e seja capaz de provocar mudanças nos processos de trabalho instituídos, desnaturalizando-os, transformando-os, vitalizando-os. A PNEPS e a PNH, cada uma a seu modo, propõem (des) aprendizagens em serviço, onde ensinar e aprender se incorpora nos processos cotidianos de trabalho e nos problemas/fazeres/saberes ali apresentados. Nessa direção, entende-se que o cotidiano dos serviços de saúde, em suas relações com os modos de fazer atenção/gestão, é matéria constituinte e, portanto, primordial na construção de processos deformação que busquem enfrentar os desafios da concretização do SUS. Os Centros são instituições reconhecidas pela implementação de boas práticas em saúde obstétrica/neonatal. Essas boas práticas partem de indicações respaldadas num certo acúmulo de práticas e saberes institucionalizados, mas dizem respeito também a práticas contingenciais e locais, que emergem dos impasses, desafios, limites e possibilidades enfrentados no cotidiano do trabalho e que dão um colorido singular aos saberes e fazeres acumulados. No contexto da RC boas práticas referem-se, a ações críticas e éticas contextualizadas num dado espaço e tempo, num dado serviço com equipe e usuárias/os singulares e práticas conformadas a partir de saberes prescritos que foram acumulados (pelas instituições, seus profissionais e usuárias/os) e que foram ou estão sendo torcidos, repensados, modificados. Muitas dessas práticas, por vezes desumanizadoras, têm sido naturalizadas e banalizadas em nossos serviços e é sobre elas que se quer intervir. Essas experimentações formativas tomam, a reflexão coletiva sobre situações vivenciadas nos cotidianos dos serviços como lócus educativo, entendendo as práticas de gestão e cuidado como processos pedagógicos por meio dos quais se ensina e se (des) aprende coletivamente e cotidianamente. Os processos educativos da RC também intentam se constituir simultaneamente em processos de formação-intervenção. Objetivam abrir espaços coletivos para reflexão e interferência nos processos de trabalho, envolvendo negociação e articulação de saberes e fazeres de gestores/as, trabalhadores/as e usuários/as.   RESULTADOS E/OU IMPACTOS: os efeitos percebidos decorrentes da experiência ou resultados encontrados na pesquisa. A partir das experiências iniciais com os Centros, constatamos que, na articulação formação-trabalho, as equipes mobilizaram esforços para qualificação de práticas de gestão/atenção obstétrica/neonatal. Indicamos aqui alguns caminhos formativos: Implementar (micro) políticas educacionais em consonância com necessidades locais, planejando coletivamente processos de formação; apoiar a constituição e/ou fortalecimento dos espaços de cogestão dos serviços de saúde; seguir o indicativo de construção de processos formativos articuladores de redes de saúde; realizar visitas técnicas a serviços de referência, entendendo-os como espaços de troca de experiências, reflexão de práticas locais, corresponsabilização pelo trabalho e mudanças de práticas; desenvolver estratégias virtuais e editoriais para socialização/publicização das experiências formativas. Num contexto formativo, que articula formação-trabalho-intervenção-cogestão na RC, se quer: ir na contramão de uma atenção à saúde arraigada a prescrições generalizantes técnico-burocráticas e institucionais, que tendem a naturalizar e generalizar necessidades das usuárias; conformar espaços permanentes e coletivos de discussão sobre as práticas produzidas no cotidiano do trabalho; apostar na educação processual em serviço como estratégia para transformação de práticas de atenção em saúde, de mudanças nas relações entre gestores/as, trabalhadores/as e usuários/as e de alteração nas relações entre os pontos de atenção; aumentar a capacidade de acolhimento e cuidado às ‘reais’ necessidades de mulheres e crianças singulares; diminuir iniquidades no acesso e na qualidade da atenção materna/infantil.  CONSIDERAÇÕES FINAIS: Aposta-se que o modo de fazer-pensar formação em saúde que viu-se desenhando/ensaiando por dentro da RC pode ser uma via, dentre tantas outras, para se por em prática princípios do SUS no cotidiano dos serviços e redes de saúde, qualificando modos de gerir e cuidar. Nessa perspectiva, esse modo de fazer-pensar formação em saúde propicia processos de ensino e (des) aprendizagem para os/as profissionais e instituições que se dispõem a utilizar situações/problemas cotidianos na reflexão/elaboração de outras propostas. Temos experimentado espaços na RC propícios para a realização de práticas pedagógicas que se tecem no cotidiano de trabalho de profissionais e que essas práticas são poderosas na direção de interferir e mudar práticas já naturalizadas em nossa cultura, inclusive, na cultura institucional dos serviços e redes de saúde. A intervenção (trans) formativa que estamos aqui propondo pode produzir perturbações no que parece óbvio, no que aparecem nas cenas instituídas da gravidez, parto e nascimento como toleráveis, não tolerando o que a maioria das pessoas acha ‘normal’/natural/tolerável. Intervir, por meio de práticas formativas em saúde, para produzir uma instalação coletiva que possibilite o escamar de ‘lugares-comuns’ no que se refere à saúde, a doença, ao corpo, a normalidade, à mulher, a gravidez, a tolerância.

Palavras-chave


Educação; Saúde Pública; Formação em Saúde

Referências


Barros MEB. Desafios ético-políticospara a formação dos profissionais de saúde: transdisciplinaridade e integralidade. In: Pinheiro R; Ceccim RB, organizadores. Ensinar Saúde: a integralidadee o SUS nos cursos de graduação na área de saúde. IMS/UERJ; CEPESQ; ABRASCO:2005. p. 131-152. Ceccim R; Feuerwerker L. O quadrilátero da formação para a área da saúde: ensino, gestão, atenção econtrole social. Physis, v. 14, n. 1. pp. 41-65. 2004.Ceccim RB. Educação permanente em saúde: desafioambicioso e necessário. Interface (Botucatu). 2005. 9(16). 161-177.Foucault M. A Hermenêutica do Sujeito. São Paulo: Martins Fontes, 2006b.Foucault M. Mesa-redonda em 20 de maiode 1978. In: Motta MB. Organizador. Ditos& Escritos IV: estratégia, saber-poder. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006a. pp. 335-351.Heckert A; Neves C. Modos de formar. Modos de intervir: quando a formação se faz potência de produção de coletivo. In:Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização. Cadernos HumanizaSUS, volume I: Formação e Intervenção. Brasília: Ministério da Saúde, 2010. http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt1459_24_06_2011.html.Acesso em 15 fev. 2015.Lievori S. A origem dos Centros de Apoio ao Desenvolvimento das Boas Práticas de Atenção Obstétrica e Neonatal na Rede Cegonha: uma análise (projeto de qualificação de mestrado). Fiocruz/IFF.2014.Lourau R. A análise institucional. Petrópolis: Vozes, 1995.Machado D. Movimentos na Educação Física: por uma ética dos corpos. Dissertação de mestrado. UFRGS/Programa de Pós-Graduação em Educação.  Porto Alegre: 2011.Machado D; Martin C. Apoio institucional como fiocondutor do Plano de Qualificação das Maternidades: oferta da Política Nacional de Humanização em defesa da vida de mulheres e crianças brasileiras. Interface(Botucatu). 2014; 18(1): 997-1011 Martins C; Nicolotti CA; Vasconcelos M;Melo R. Humanização do parto e nascimento: pela gestação de formas de vida das quais possamos ser protagonistas. In: Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização.Cadernos HumanizaSUS, volume 4: Humanização do Parto e Nascimento. Brasília:Ministério da Saúde/Universidade Federal do Ceará, 2014. Meyer D; Felix J; Vasconcelos M. Por uma educaçãoque se movimente como maré e inunde os cotidianos de serviços de saúde. Interface Comunic. Saúde Educ., Botucatu, v. 17, n. 47. pp. 973-985. 2013.Ministério da Saúde. Portaria GM/MS nº 1.996, de 20de agosto de 2007. Dispõe sobre as diretrizes para a implementação da Política Nacional de Educação Permanente em Saúde e dá outras providências. Diário Oficial [da União]. Brasília, DF, 22 ago. 2007.Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Coordenação Geral de Saúde das Mulheres/Política Nacional deHumanização. Guia dos Centros de Apoio ao Desenvolvimento de Boas Práticas naGestão e Atenção Obstétrica e Neonatal (em fase de revisão final). Brasília,DF: SAS; 2014.Ministérioda Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Coordenação Geral de Saúde das Mulheres.  Guia para Apoio Institucional à implementação da Rede Cegonha. 1ª ed. Brasília, DF: SAS; 2013. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional de Humanização. HumanizaSUS: Documento base para gestores(as)e trabalhadores(as) do SUS. 4ª ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2008.Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde.Política Nacional de Humanização. Cadernos HumanizaSUS, volume I: Formação e Intervenção.1ª ed. Brasília; 2010.Ministério da Saúde. Portaria Nº 1.459, de 24 de junho de 2011. Institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS -, a Rede Cegonha. Paraíso M. Raciocínios generificados no currículo escolar e possibilidades de aprender. In: Leite C. et al. organizadores. Políticas, fundamentos e práticas do currículo. Porto: Porto Editora, 2011. p. 147-160.Pessoa F. O Guardador de Rebanhos. In:Pessoa F. Poemas de Alberto Caeiro. Lisboa: Ática. 1946 (10ª ed. 1993).Santos-Filho SB. Avaliação e Humanização em Saúde:aproximações metodológicas. Ijuí: Ed. Unijuí, 2009.