Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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VER-SUS Heliópolis - Uma análise da participação da comunidade na produção de saúde
Carolina da Silva Buno, Emelyn Hernandez Rosa, Beatriz de Almeida Simmerman, Allan Gomes de Lorena, Pedro Henrique Faria de Caravlho

Última alteração: 2015-10-28

Resumo


O projeto Vivências e Estágios da Realidade do Sistema Único de Saúde (VER-SUS) do Ministério da Saúde (MS) em parceria com Associação Brasileira Rede Unida reativado em 2011, têm como pressuposto estimular a formação de trabalhadores/as para o Sistema Único de Saúde (SUS). No estado de São Paulo, o projeto foi retomado em 2012, porém consolida-se no ano de 2014, com a mobilização e formação de uma comissão de estudantes, de diversas universidades e graduações, pensando em construir as vivências do projeto tendo como prerrogativas a educação permanente em saúde, multi e interdisciplinaridade, construção de redes, olhar vivo ao território e suas complexidades. O objetivo deste relato de experiência é descrever as vivências tidas durante a realização do VER-SUS na edição de inverno de 2015, com foco no projeto realizado na favela de Heliópolis, em São Paulo. Heliópolis nasce de uma trajetória de lutas e, como fruto desses movimentos, conta até hoje com um grande número de lideranças populares. Num breve resgate histórico, a região onde hoje fica a comunidade foi adquirida em 1942, pelo Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários (IAPI) para abrigar seus associados. Desde então, o terreno passa por diversas vendas, permutas, divisões entre grandes empresas, públicas e privadas, com o objetivo de abrigar seus trabalhadores. Em 1970, a Prefeitura Municipal de São Paulo desocupa a favela de Vila Prudente e aloca os moradores desabrigados nessa mesma região. Outros fluxos de ocupação vão tomando a área de Heliópolis, que cresce às margens do ABC Paulista e à mercê do descaso público, fazendo com que seus moradores se organizem em busca de direitos básicos e à vida. (SOARES, 2010) Durante o período passado em Heliópolis, o grupo do projeto VER-SUS vivenciou o território, suas histórias e singularidades, tendo como participante deste caminho a União de Núcleos e Associações de Heliópolis (UNAS), umas das organizações populares mais atuantes na região.  A história do UNAS conversa diretamente com a da comunidade e com militância da população na conquista do direito à moradia e posse de terras. Além da luta habitacional, hoje o UNAS desenvolve ações que buscam a autonomia e cidadania dos moradores de Heliópolis, em parceria com diversos setores da sociedade, nos campos da saúde, educação, esporte, cultura e direitos humanos. No que tange a participação popular em saúde, desde as esferas de gestão a proposição de ações voltadas à assistência, a comunidade mostra-se participante, crítica e ativa. Dentro da gestão em saúde, e das prerrogativas da Lei n.º 8.142/90, as unidades de saúde possuem conselhos atuantes, que disputam as pautas e as necessidades da comunidade junto à gestão local. Entretanto, nas ações propostas à níveis de assistência, prevenção e promoção à saúde, observamos um grande distanciamento entre as falas da gestão e o vivenciado pela população - desde projetos de iniciativa popular, não-reconhecidos pela saúde tradicional, quanto serviços diferenciados e de qualidade que não chegam até os moradores deste território. Durante a imersão conhecemos diversas ações em saúde, de iniciativa das lideranças locais que atinge e mobiliza a comunidade, tanto pela metodologia, linguagem e facilidade de acesso, mas que não dialogam com os serviços prestados pelos equipamentos regionais.  Entre estas ações, a que mais despertou o interesse entre os viventes, foi o projeto "Crack Zero", que aposta em um novo tipo de cuidado à usuários de crack, tendo como eixos centrais a ressocialização do indivíduo e o uso de substâncias não-medicamentosas, como limão e café, como parte do cuidado. Mesmo não-reconhecido tecnicamente pelo setor saúde, é notável o caráter acolhedor e compromissado do projeto, o que nos faz colocar em discussão o “produzir saúde”. Estamos transpondo os muros das unidades e produzindo saúde, de todos, com todos e para todos? Quando conseguiremos envolver os atores sociais, ser pertencentes àquele território, nos comunicando e produzindo saúde a partir da potencialidade das pessoas? Em diversos momentos, tendemos a hierarquizar o saber, reiterando a supremacia do saber científico sobre o popular, o que acaba por nos alienar da realidade. (OLIVEIRA, 2014) O serviço de saúde possui grande dificuldade em se comunicar com a comunidade e muitas vezes, limitam suas ações, anulando parcerias com aqueles que deveriam ser parte viva da produção do cuidado. Na experiência em Heliópolis foi possível também perceber o distanciamento dos serviços com a comunidade durante a visita à Casa de Parto de Sapopemba. Questionou-se nesse momento a utilização deste equipamento, considerado referência nas práticas de parto humanizado na cidade de São Paulo, por gestantes moradoras de Heliópolis, uma vez que este localiza-se em território próximo à comunidade. Na ocasião, o serviço coloca que a principal demanda vem de outras regiões de saúde e em sua maioria, por mulheres de classe média. Enxergamos aqui outra exclusão da comunidade no que tange a participação e até mesmo na utilização de unidades de atendimento regionais, que deveriam ser construídas em conjunto e pensadas pluralmente, caminhando em prol de espaços de encontros entre gestão e comunidade. Em saúde, tanto faz se usuários, trabalhadores ou gestores, enfim, se todos atuam ativamente nos encontros. Interferem. Por isso é que o trabalho em saúde acontece em ato, é um trabalho vivo em ato. Porque todos atuam uns sobre os outros no momento da produção do encontro. Todos disputam sentidos. Todos disputam projetos. E todos tomam decisões. Decisões diferentes dependendo do contexto e dos envolvidos. E por isso mesmo é que todos são gestores, todo mundo faz gestão. Do usuário ao secretário!  (EPS EM MOVIMENTO, 2014) Diante de experiências significativas onde em um projeto como o ‘Crack Zero’ a comunidade têm total liderança e em outro como a Casa de Parto de Sapopemba, onde a comunidade não possui ao menos o conhecimento do serviço, percebemos a importância de se discutir e (re) pensar encontros e arranjos na produção de saúde. Estamos quebrando paradigmas, compartilhando saberes, cuidados, construções e efetivando o controle social em saúde? Estamos sendo bem-sucedidos nas relações entre comunidade-gestão, comunidade-trabalhador e comunidade-saúde? A escuta, a atenção, o interesse, o vínculo, o respeito e a responsabilização estão no cenário da saúde em Heliópolis? Fica desta experiência tais provocações.

Palavras-chave


VERSUS, Educação em Saúde, Participação Popular

Referências


EPS EM MOVIMENTO. Todo mundo faz Gestão. 2014. Disponível em: <http://http://eps.otics.org/material/entrada-textos-em-cena/arquivos-em-pdf/todo-mundo-faz-gestao/> . Acesso em: 16 out. 2015.

OLIVEIRA, Silvia Regina Gomes de; WENDHAUSEN, Águeda Lenita Pereira. (Re)significando a educação em saúde: dificuldades e possibilidades da Estratégia Saúde da Família. Trab. educ. saúde,  Rio de Janeiro ,  v. 12, n. 1, p. 129-147, Apr.  2014 .

SOARES, Cláudia Cruz. Heliópolis: práticas educativas na paisagem. São Paulo, 2010. 237 p. Dissertação (Mestrado).