Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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Formação das equipes de Saúde da Família: pensando a violência dos territórios e seus efeitos na Saúde Mental
Deison Fernando Frederico, Eunice D'Assumpção Lima Rangel, Marília Verdussen

Última alteração: 2015-10-29

Resumo


Neste relato vamos apresentar o trabalho desenvolvido na Zona Norte na Área de Planejamento - AP 3.3, na cidade do Rio de Janeiro, com os profissionais da Estratégia de Saúde da Família (ESF) na temática de Saúde Mental e Violência no território. O trabalho começa a partir de um projeto desenvolvido pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha - CICV em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro – SMS-RIO. Esse foi um projeto piloto, construído a partir da realidade dos territórios do município, e seus constantes conflitos armados e adoecimento decorrente deste fato. Segundo o relatório de “Mortes Matadas por Armas de Fogo”, do mapa da violência de 2015, aponta que a cidade do Rio de Janeiro ocupava no ranking das capitais brasileiras, a terceira posição de óbitos por armas de fogo no ano de 2002, somando um total de 3.126 mortes neste ano, em 2012 houve uma redução para 1.066 mortes por armas de fogo, com isto a capital passou a ocupar a vigésima primeira posição. As estatísticas apontam que 95,9% destes óbitos estavam ligados a homicídios. Fica evidente que apesar da queda brusca dos óbitos em 10 anos, ainda temos um grave problema social, com relevante impacto na saúde mental da população que de forma direta ou indireta é afetada por está realidade. O projeto do CICV com a SMS-RIO objetiva formar os profissionais da ESF para prestarem cuidados às situações de sofrimento em Saúde Mental, desencadeadas pela violência armada cotidiana no território. Na primeira fase foram formados profissionais apoiadores matriciais (articuladora de saúde mental da área de planejamento, e os dois psicólogos do NASF), abordando técnicas da abordagem interpessoal, e como estes seriam instrutores, foram desenvolvidas algumas atividade de cunho pedagógico para instrumentalizar os futuros instrutores na aplicabilidade do conteúdo trabalhado no curso.  Em seguida os autores deste resumo começaram a planejar a formação dos profissionais da ESF. Inicialmente foram eleitos profissionais (médicos e enfermeiros) que trabalham em territórios de conflitos armado. Na sequência foi estipulado que a formação duraria 3 dias inteiros, distribuídos em 3 semanas.  Como pensado desde o início desta proposta de formação, a metodologia foi bastante dinâmica, por meio de discussão e elaboração de casos, dramatizações, rodas de conversas, exposições dialogadas, dinâmicas de grupo, vídeos entre outras atividades. Tendo como foco, situações que fossem semelhantes às vividas no cotidiano das equipes de ESF na cidade do Rio de Janeiro.  Ao final de cada dia era realizada reunião entre os instrutores, para avaliar o processo de trabalho e ajustar as próximas atividades, considerando o que vinha sendo construído no decorrer das atividades. Constatou-se nas atividades realizadas, com o relato dos profissionais o sofrimento dos trabalhadores dos serviços de saúde, que também são vítimas da violência, desde os Agentes comunitários de Saúde, como os demais profissionais que não moram no território e por vezes são obrigados a fechar a unidade de saúde e se abrigar em um local seguro. Em outros momentos os profissionais não conseguem nem se quer chegar ao local de trabalho, ou ficam impedidos de deixar o território, perante o confronto armado entre traficantes e policiais, ou entre quadrilhas rivais por disputa pelo território. Ao final dos 3 dias, foi realizado uma avaliação com os participantes, esses disseram terem se surpreendido com o modo que a Saúde Mental foi trabalhada, e que agora eles se sentiam mais preparados a lidar com algumas demandas de Saúde Mental. Vários profissionais relataram que não entendiam porque tinham sido escolhidos para fazer a formação e que foram sem grande entusiasmo, mas que se surpreenderam positivamente com os conteúdos trabalhados e as metodologias utilizadas, visualizando o conteúdo do curso com grande utilidade para as demandas dos seus territórios. Foi acordado que após a formação, haveria encontros mensais de supervisão, onde todos poderiam apresentar as ações que estavam desenvolvendo em suas unidades de saúde.  Nos encontros posteriores tivemos algumas ações desenvolvidas pelas equipes da ESF, como grupos de convivência, onde é proporcionado um espaço de acolhimento as angústias e dificuldades dos usuários que foram afetados por situações de violência no território onde vivem, bem como a inserção de ações referentes a temática do curso que foram inseridos em grupos já existentes nos serviços. Este primeiro curso ocorreu no mês de outubro de 2014. Neste momento (outubro de 2015), estamos planejando a formação de uma nova turma, com novos profissionais. Decidimos por reduzir o curso para 2 dias inteiros, distribuídos em duas semanas consecutivas, considerando a necessidade de diminuir os dias dos profissionais fora de suas unidades, devido ao grande número de cursos de formação oferecidos no município neste período. Nesta edição do curso também foi planejado que entre o primeiro e o segundo encontro os profissionais vão estruturar relatos de casos acolhidos com temática referente a sofrimento psíquico, decorrente de situações de violência, deste modo envolvendo mais os profissionais e trabalhando as experiências dos serviços. Os profissionais também ficaram incumbidos de trazer no segundo encontro um breve planejamento de como pretendem aplicar o conhecimento construído no curso em sua unidade de saúde. Deste modo, os instrutores podem acompanhar e prestar apoio às atividades desenvolvidas no território. Ainda serão nesta etapa novos matriciadores (profissionais das equipes NASF do território), para que formem médicos e enfermeiros das unidades por eles apoiadas. A metodologia segue a utilizada no primeiro curso, com as dinâmicas de grupo, dramatização, exposições dialogadas... O cronograma desta nova edição esta previsto para o mês de novembro de 2015, e tem o intuito de aumentar o número de profissionais da ESF formados e melhor instrumentalizados para o cuidado dos casos de sofrimento em saúde mental decorrentes da violência armada, que é uma realidade presente no cotidiano dos moradores do município do Rio de Janeiro, sobretudo com maior frequência em comunidades vulneráveis. Está programado um evento para o mês de novembro de 2015, que busca reunir para o debate as diversas experiências realizadas em várias áreas de planejamento do município, com o intuito de conhecer de algum modo os efeitos deste projeto que ainda é recente, porém bastante ambicioso na busca de uma melhora na qualidade dos acolhimentos dos casos de sofrimento psíquico decorrente da violência. 

Palavras-chave


Formação continuada; Saúde Mental; Violência.