Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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O AGENCIAMENTO DO CUIDADO EM SAÚDE MENTAL: “medidas disciplinares” aplicadas a usuários por profissionais de saúde num Centro de Atenção Psicossocial Álcool e outras Drogas em Salvador/Ba
Luciana Santos Rodrigues, Cecília de Santana Mota, Lorena Cardoso Mangabeira Campos

Última alteração: 2015-10-28

Resumo


O Programa de Residência Multiprofissional em Saúde foi criado com o intuito de promover formação qualificada a profissionais de saúde através do ensino em serviço. Assim, essa especialização se baseia nos princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS) e nas Políticas Nacionais de Saúde, o que nos proporciona, enquanto residentes, uma visão sistematizada, sob o viés integral das instituições, que não se restringe ao processo saúde-doença, convergindo para uma atuação ética, integral, multiprofissional e interdisciplinar. Diante disso, o presente trabalho relata uma das nossas experiências num Centro de Atenção Psicossocial de Salvador-Ba, voltado para assistência às pessoas com transtornos mentais decorrentes do uso problemático de álcool, crack e outras drogas. Local onde vivenciamos momentos de trocas de experiências e conhecimentos, leituras, emoções e desafios que nos fazem refletir sobre a prática que desempenhamos no cotidiano do serviço. Neste sentido, presenciamos e pudemos participar, ativamente, de uma das mais importantes e necessárias discussões do serviço, cujo tema central era a retirada / suspensão do serviço, a qual é denominada “medida disciplinar”, aplicada por profissionais do CAPSad, aos usuários, como recurso terapêutico, no manejo de situações de conflito. A partir dos questionamentos e inquietações sobre essa prática disciplinar, que partiram, principalmente, de residentes, emergiu a necessidade de se fazer um levantamento e sistematização de dados acerca das medidas disciplinares no CAPSad, com análise documental (prontuários, registros de atas de reunião, livro de ocorrências de plantão) do período de janeiro a julho de 2015, visando conhecer a resolutividade e os motivos de tais medidas. Para tanto, foi construído um instrumento de coleta de dados cruzando os tipos de medidas disciplinares (suspensão do serviço, suspensão da refeição / do banho e retiradas do serviço) com os motivos alegados para aplicação de tais medidas (agressão verbal e/ou física a um membro da equipe ou a outro usuário, dano ao patrimônio, uso de substâncias psicoativas no serviço, dentre outros). Vale ressaltar que muitos registros estavam incompletos e que algumas suspensões não haviam sido registradas. É sabido que outros serviços de saúde mental também utilizam métodos semelhantes, mas, de acordo com pesquisa bibliográfica, não há sustentação, na literatura da saúde, para uso de medidas disciplinares, o que nos permite supor que essas são utilizadas como um dispositivo de poder e não como um recurso terapêutico. Segundo Foucault (1999) no modelo asilar havia uma clara divisão entre o grupo que controla (técnicos especializados) e o controlado (internos) causando submissão dos segundos aos primeiros, o que não raro extrapolaria as medidas ditas terapêuticas consideradas necessárias pelos especialistas, gerando privações extras aos internos. Talvez ainda reproduzimos o que Pelbart (1991) chamou de nossos “manicômios mentais”. Nesse sentido, percebemos o quanto a lógica manicomial que se sustenta no tratamento moral, instituído pela obediência, hierarquização e autoritarismo continua moldando e modulando certas práticas manicomiais dentro dos serviços substitutivos de saúde, reproduzindo velhos modos de cuidado à saúde. 

Palavras-chave


Saúde Mental; Agenciamento do cuidado; Medidas disciplinares; CAPSad

Referências


FOUCAULT, M. (1999). Vigiar e punir: História da violência nas prisões. Petrópolis, RJ: Vozes.

PELBART, P. P. Manicômio mental: a outra face da clausura. In: LANCETTI, A. (Coord.). SaúdeLoucura. v. 2. São Paulo: Hucitec, 1991. p. 131–138.