Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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Como é o atendimento em Saúde Mental feito pelas Equipes de Saúde da Família do Pará?
Eric Campos Alvarenga, Paulo de Tarso Ribeiro de Oliveira, Lorena Cunha de Souza, Regina Fátima Feio Barroso

Última alteração: 2015-11-23

Resumo


Esta pesquisa tem como objetivo avaliar o atendimento em Saúde Mental realizado pelas equipes de Saúde da Família do Estado do Pará. Analisando estudos que descrevem práticas de atendimento em saúde mental na Atenção Básica, é possível observar que, entre estes profissionais, ainda há certa insegurança em lidar com casos de sofrimento mental. A formação destes, por ser mais generalista em sua grande maioria, leva a dúvidas quanto ao cuidado que deve ser realizado. O que nos leva a constatação de que estes profissionais precisam de um acompanhamento mais próximo. Nos atendimentos em saúde mental na atenção básica, ainda se observa vasta utilização de benzodiazepínicos. Os benzodiazepínicos são medicamentos cujo efeito é ansiolítico e, em muitos casos, amplamente receitado e esta prática produz a "resolução mágica" de problemas pessoais, sócio-afetivos e profissionais, encontrados no medicamento. O uso continuado provoca tolerância (organismo necessita de doses maiores para manutenção de efeitos terapêuticos) e dependência (recaída dos sintomas quando este é abruptamente suspenso). Outros efeitos são os déficits cognitivos que tendem a se instalar no curso da utilização desses medicamentos. Diante disso, para analisar o atendimento em saúde mental na atenção básica do Estado do Pará, utilizamos dados coletados através do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ), coletados no  primeiro ciclo do PMAQ (2012/2013),  que gerou um banco de dados de todas as equipes de atenção básica contextualizadas nos termos do programa. Este banco de dados foi inicialmente convertido para um formato de planilha eletrônica que foi analisada  no software Microsoft® Office Excel® 2010. Realizou-se uma filtragem destes dados, selecionando as variáveis referentes à atenção à Saúde Mental realizadas por estas equipes, que se encontram no questionário de avaliação profissional (módulo II), do bloco "Saúde Mental e Atenção ao Usuário com Transtorno Mental" (item II.29 do módulo II). Os dados destas variáveis foram transferidos para o software IBM® SPSS® Statistics 20, a fim de realizar uma Estatística Descritiva com o cálculo das frequências absolutas e relativas destas. Segundo informações da Sala de Apoio a Gestão Estratégica do Ministério da Saúde no ano 2014,existem 1149 equipes de Saúde da Família no estado do Pará. Deste total, foram analisados os dados de 353 equipes nesta pesquisa. De acordo com nossas análises, 46,7% (n=165) das equipes entrevistas responderam que agendam consultas com pessoas em sofrimento mental em qualquer dia da semana e em qualquer horário. Já 8,8% (n=31) delas fazem agendamento em qualquer dia da semana, mas em horários específicos. Os agendamentos em dias específicos fixos em até três dias na semana e em dias específicos fixos em mais de três dias na semana obtiveram 5,9% (n=21) e 1,7% (n=6) de frequência respectivamente. Outros tipos de agendamentos correspondem a 36,8% (n=130) do total. Apesar de estas informações mostrarem que não há tantas dificuldades em uma pessoa em sofrimento mental conseguir uma consulta com as equipes, em 64,9% (n=218) das equipes não há consulta específica com "tempo maior" para este tipo de atendimento. Somente em 34,8% existe este tipo de consulta. Ou seja, poucas equipes oferecem um cuidado que se pretenda mais peculiar, com uma duração adequada que pode oferecer mais tempo para o vínculo entre usuário e trabalhador da saúde, algo essencial para situações de saúde mental e também para o próprio cuidado na estratégia de saúde da família. Em 61,2% (n=216) das Equipes de Saúde da Família,a atenção à saúde mental ocorre sem uma inserção de um profissional no campo que lhe dê suporte para o atendimento. Somente 35,4% (n=125) conseguem fazer este atendimento comprofissionais especializados na área. Apesar de poucas equipes oferecerem atendimento com profissionais qualificados para atenção em Saúde Mental, 76,5% (n=270) afirmam receber apoio ou auxílio de profissionais para a resolução de casos mais complexos, sejam eles vindos dos NASF ou do CAPS locais. As equipes, em sua maioria, não possuem registros dos atendimentos voltados para a atenção à saúde mental. 59,5% das equipes dizem não possuir qualquer registro do número dos casos mais graves de usuários em sofrimento mental, contra 35,4% que possui estes dados. Em 83% das equipes não há registro dos usuários com necessidade decorrente do uso de crack, álcool e outras drogas, contra somente 13,6% que possuem. Já a respeito do registro de usuários que estão em uso crônico de benzodiazepínicos, 30,3% dizem possuir estes dados, ao passo que 67,1% não possuem. Há também poucas equipes fazendo promoção de saúde com prevenção e tratamento ao uso, abuso e dependência decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas. Apenas 20,4% relatam fazer tal ação. Da mesma forma, apenas 7,6%  fazem ações de promoção de saúde com prevenção e tratamento ao uso, abuso e dependência de ansiolíticos e benzodiazepínicos, como referido anteriormente. Este é um acontecimento que possivelmente tem relação com a baixa qualificação das equipes no atendimento em saúde mental. O atendimento a situações de saúde mental realizado pelas Equipes de Saúde da Família que avaliamos no estado do Pará mostra-se ainda insuficiente. É importante potencializar ainda mais o apoio matricial e ampliar a formação e qualificação dos trabalhadores e trabalhadoras para que possam acolher de forma mais adequada os usuários que demandem atenção no campo da saúde mental.  Apesar de boa parte das equipes receberem apoio de profissionais especializados, é preciso qualificar o trabalho em direção à promoção e prevenção, não somente ao atendimento da demanda espontânea. É preciso se criar uma cultura de fazer registros dos atendimentos, pois estes são de extrema importância principalmente para a continuidade do cuidado, que é um dos cernes da Estratégia Saúde da Família. Dar visibilidade ao problema é essencial para criar novos dispositivos de atenção que acolham de forma mais adequada os usuários.  Por exemplo, se a maioria não possui registro dos seus casos mais graves, ou também dos casos de pessoas que possuem necessidade de uso de substâncias psicoativas, há umacompanhamento inadequado dos casos centrado na medicalização e afastando-se da perspectiva de cuidado integral, ou sequer, encaminhando de forma adequada os usuários no sistema de referência e contra-referência preconizado pelo SUS. É preciso investir em um cuidado mais "demorado", menos engolido pela pressão da demanda espontânea.  Mas, para isso, o Estado do Pará necessita aumentar a cobertura das equipes de saúde da família e da atenção básica, que hoje  cobre um pouco  mais da metade (51,15%) da população paraense. Incentivos  estaduais como o reforço ao Piso de Atenção Básica,  baseados em indicadores e anteriormente pagos pelo governo estadual, precisam voltar a ser efetivos, já que os municípios são os entes da federação que mais gastam percentualmente o seu orçamento com a política de saúde.  Por fim, há a necessidade também de mais profissionais especializados em saúde mental, especialmente de médicos psiquiatras e equipes qualificadas para dar atenção aos usuários.  Sem trabalhadores e trabalhadores que compreendam a importância e estejam preparados para entender as demandas desse campo não há como avançar e superar os desafios postos neste artigo.  Um dos maiores bem dos serviços de saúde são os seus trabalhadores e trabalhadoras.

Palavras-chave


Saúde Mental; Atenção Básica; Equipes de Saúde da Família