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Abordagem do câncer de boca por agentes comunitários de saúde: uma construção significativa
Última alteração: 2015-10-28
Resumo
INTRODUÇÃO: O Programa Médico de Família de Niterói (PMF) foi implantado, no município de Niterói em 1992, com a proposta de reorientação do modelo assistencial de atenção à saúde, em conformidade com os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde. O processo de trabalho busca uma relação mais próxima com os indivíduos, famílias e comunidades, pela criação de laços de compromisso e corresponsabilidade entre os profissionais de saúde e a população da área adstrita ao território. Dentre as atribuições das equipes, destaca-se a assistência integral, com ênfase nas ações de promoção da saúde, e o desenvolvimento de processos participativos para a promoção da saúde, incluindo a aposta em graus crescentes de autonomia de indivíduos e famílias. A organização do trabalho proposto pelo PMF envolveu inicialmente equipes formadas por médicos e técnicos de enfermagem, em um espaço privilegiado de atenção à saúde, justificado pela possibilidade de maior aproximação com a população em um território previamente definido. Apenas a partir de 2012 as equipes do Programa Médico de Família começaram a serem ampliadas, com a inserção de enfermeiros, dentistas, auxiliares em saúde bucal e agentes comunitários de saúde. No cenário da Estratégia de Saúde da Família, a educação permanente e o trabalho em equipe são fundamentais no processo de trabalho com a saúde das famílias, sendo porosas a todos os profissionais que compõem a equipe, em contraposição e superação às abordagens convencionais médico centradas, tecnicistas e biologicistas. Este relato tem por objetivo apresentar uma dinâmica de ação integrada envolvendo trabalhadores da saúde em uma Unidade de Saúde da Família do município de Niterói/RJ. A experiência ocorreu em julho de 2015 e envolveu uma dentista e oito agentes comunitários de saúde. Relato foi elaborado com o objetivo de ressaltar a importância educação permanente no contexto do trabalho em saúde.DESCRIÇÃO DA EXPERIÊNCIA: Na comunidade, foram diagnosticados cinco casos de câncer bucal em fase avançada nos últimos três anos. Trata-se de uma comunidade em que a população está exposta a vários fatores de risco para o câncer bucal como o tabagismo, etilismo e exposição ocupacional ao sol, por se tratar de bairro que concentra trabalhadores de estaleiros e pescadores profissionais. Diante dos casos diagnosticados e com o conhecimento da magnitude do câncer como um problema de saúde pública, a equipe de saúde entendeu que uma ação importante seria motivar os agentes comunitários de saúde para a abordagem do câncer bucal durante as visitas domiciliares e em ações de educação em saúde, como por exemplo, em sala de espera na unidade. Em conversas iniciais os agentes comunitários não aceitarem bem a ideia de abordar o câncer bucal, alegando que não se sentiam seguros com o tema, embora já tivessem realizado ações de educação em saúde sobre vários outros temas como câncer de mama e colo de útero, doenças sexualmente transmissíveis, tuberculose, doenças respiratórias, dentre outros. Solicitaram então que a dentista da unidade apresentasse uma aula. Diante da solicitação de uma aula, a equipe começou a debater como abordar a temática com os ACS, fugindo ao modelo tradicional de transmissão de conhecimentos, numa perspectiva da aprendizagem significativa. A aprendizagem significativa é o conceito central da teoria da aprendizagem de David Ausubel. Trata-se de um processo por meio do qual uma nova informação relaciona-se, de maneira substantiva (não literal) e não arbitrária, a um aspecto relevante da estrutura de conhecimento do indivíduo. Em outras palavras, novos conhecimentos vão sendo adquiridos à medida que vão se relacionando com o conhecimento prévio que o aprendiz possui. Nessa lógica, optou-se por uma ação envolvendo as seguintes etapas: a) os ACS foram provocados a pensar sobre o tema, trazendo para uma roda de conversa memórias de casos que tivessem vivenciado; b) na roda de conversa, a dentista estimulou os ACS a pesquisarem sobre o tema, utilizando para tanto questões usualmente feitas pela comunidade; c) os ACS pesquisaram nos computadores da unidade com o apoio da dentista quando solicitado; d) os ACS retornaram à roda com dados de suas pesquisas; e) houve uma intensa troca de informações entre a dentista e os ACS sobre os dados pesquisados em fontes institucionais renomadas como o Instituto Nacional do Câncer e Organização Mundial de Saúde; f) o grupo decidiu confeccionar materiais didáticos para ações de educação em saúde sobre a temática; g) durante todo o mês de agosto de 2015, dois agentes comunitários de saúde abordaram diariamente o tema do câncer bucal com os usuários que estavam na unidade de saúde aguardando por alguma consulta, curativo ou retirada de medicamento; h) a pedidos dos ACS, a dentista acompanhou as primeiras atividades em sala de espera; i) em nova roda de conversa o grupo considerou que a insegurança inicial estava totalmente superada.RESULTADOS: Os agentes comunitários de saúde relataram que com a ação interativa proporcionada pela abordagem nas rodas de conversa, conseguiram se aproximar do tema de forma mais descontraída e acabaram se apropriando do assunto a partir dos debates e da construção coletiva do material educativo. Relataram também que foi a melhor experiência que tiveram de planejamento de sala de espera, atividade que desempenham sobre temas diversos há mais de um ano nesta unidade. A ação mostrou que o estímulo à reflexão coletiva sobre o tema serviu para que os profissionais se empenhassem e valorizassem seu trabalho. A partir da ação dos ACS nas salas de espera, a equipe de saúde bucal pode perceber uma maior demanda por investigações de alterações nas mucosas bucais e por agendamento de pacientes que não faziam consultas odontológicas com regularidade.CONSIDERAÇÕES FINAIS: Dentre todos os envolvidos nas ações de atenção à saúde, o agente comunitário de saúde é o profissional que atua muito próximo à comunidade, e dessa forma o seu trabalho pode se se traduzir em transformações que efetivem a prevenção e a promoção da saúde . Nas atividades de educação em saúde, a atuação do ACS, pela transmissão de informações básicas, pode contribuir para fortalecer a capacidade da população no enfrentamento dos problemas de saúde. O desconhecimento e a insegurança acerca do câncer bucal foram ultrapassados com a ação de Educação Permanente em Saúde, o que reforça a potência desse trabalho nas equipes de saúde. A experiência fortaleceu os laços entre os componentes da equipe e proporcionou maior qualidade na abordagem da temática pelosACS, gerando reflexos positivos para os usuários. Desta forma a equipe superou a perspectiva da reprodução de conteúdos em nome da aprendizagem significativa. A equipe avaliou que a iniciativa relatada foi bem sucedida em especial por ter se baseado na participação ativa, na integração entre teoria e prática e na aprendizagem colaborativa no enfrentamento de situações reais.