Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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O DESAFIO DO TRABALHO MULTIPROFISSIONAL NA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA
Adilson Ribeiro dos Santos, Alba Benemérita Alves Vilela, Rose Manuela Marta Santos, Túlio Batista Franco

Última alteração: 2015-11-23

Resumo


INTRODUÇÃO: A Estratégia Saúde da Família – ESF configura-se como um local de produção do cuidado, inicialmente alicerçado nos pilares da promoção da saúde, ou como porta de entrada preferencial dos usuários do sistema de saúde, mas que ao instalar-se nas comunidades assumiu diversas formas no seu processo de trabalho e um fazer cotidiano singular. Tem na micropolítica do seu processo de trabalho um fazer cotidiano em redes dentro e fora da equipe multiprofissional e no diálogo constante entre os trabalhadores. Seus objetivos baseiam-se na construção de um modelo assistencial de atenção baseado na promoção, proteção, diagnóstico precoce, tratamento e recuperação da saúde em conformidade com os princípios e diretrizes do SUS e dirigido aos indivíduos, à família e à comunidade. A importância da ESF é notória no sistema de saúde brasileiro, principalmente na região nordeste, onde obteve impacto significativo nos indicadores de saúde em razão da pouca oferta de serviços ali existentes. Nessa mesma perspectiva o objetivo do ESF é a reorganização da prática assistencial em novas bases e critérios, em substituição ao modelo tradicional de assistência, centrado no modelo médico hegemônico. Nesse modelo, considerado contra-hegemônico, a perspectiva da atenção foi pensada em um trabalho centrado na família, entendida e percebida a partir do seu ambiente físico e social, de modo a possibilitar às equipes da ESF uma compreensão ampliada das dinâmicas socioafetivas, que se dão no processo saúde - doença. Ao longo de seus 20 anos a ESF vêm dividindo espaços com lógicas paralelas de atenção à saúde, sendo atravessada pelo modelo biomédico e pela lógica produtivista de produção do cuidado em saúde. Desse modo, assistimos hoje os esforços empreendidos por profissionais, pesquisadores e demais interessados na defesa do projeto que nasceu com a perspectiva de promover uma nova ordem na atenção à saúde dos brasileiros, em especial das classes socialmente vulneráveis e sem acesso aos serviços de saúde. Na composição de sua equipe, o aspecto multiprofissional é uma das prerrogativas do processo de trabalho na ESF. De acordo com a Portaria nº2488, de 2012, a equipe é composta por, no mínimo, um médico generalista ou especialista em saúde da família ou médico de família e comunidade, enfermeiro generalista ou especialista em saúde da família, auxiliar ou técnico de enfermagem e agentes comunitários de saúde, podendo acrescentar a esta composição, como parte da equipe multiprofissional, os profissionais de saúde bucal: cirurgião dentista generalista ou especialista em saúde da família, auxiliar e/ou técnico em Saúde Bucal. Como fruto de uma experiência na ESF, este estudo teve como objetivo analisar o processo de trabalho na perspectiva do trabalho multiprofissional.  MÉTODO: Usamos a cartografia para a construção deste estudo. A cartografia pode ser compreendida como uma forma de produção do conhecimento formulado por GuillesDelleuze e Félix Guatarri. A cartografia acompanha e faz-se ao mesmo tempo em que o desmanche de certos mundos, sua perda de sentido e a formação de outros mundos que se criam para expressar afetos contemporâneos, em relação aos quais os universos vigentes tornaram-se obsoletos. Este estudo aconteceu em uma equipe da ESF de um município de pequeno porte do sul da Bahia e como participantes tivemos todos os trabalhadores da equipe. Para a produção dos dados utilizamos a observação participante, a realização de entrevistas e anotações de diário de bordo. De acordo com as recomendações éticas, este estudo foi acompanhado pelo Comitê de Ética da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, atendendo as recomendações da Resolução nº 466, de 2012. RESULTADOS:Como um modelo contrahegemônico, a ESF traz como uma de suas diretrizes o trabalho multiprofissional, balizado pelo diálogo entre os trabalhadores, trabalho em rede dentro da própria equipe e em conexão com outros serviços, na perspectiva de resolução das demandas apresentadas pelos usuários. Com a finalidade de operar o cuidado à saúde na lógica da promoção da saúde e no cuidado integral, tendo o usuário como centro do processo de trabalho, a ESF é atravessada por outras lógicas que tem se apresentado como desafios na consolidação desse modelo. Um dos gargalos ainda presente é a herança da formação de muitos profissionais alicerçada no modelo biomédico e no processo de trabalho centrado nas tecnologias duras e leve-duras, em detrimento das tecnologias relacionais (leves). Imerso no processo de trabalho da equipe da ESF, dando língua aos afetos que pedem passagem, surge um distanciamento dos profissionais da odontologia com os demais membros da equipe. Após seu turno de trabalho, em um diálogo com a equipe da odontologia, com o consultório com uma temperatura muito baixa, começo a observar as relações ali dentro cristalizadas entre os profissionais que promovem a saúde bucal daquela unidade.  Iniciamos o diálogo. Com um sentimento de não pertencimento, o cirurgião-dentista expressa-se: “Não existem interações com os membros da equipe, as minhas dúvidas são tiradas com o coordenador. Acho que a gente aqui, a odontologia, é um pouco excluída das coisas aí de fora, eu acho assim. Só temos dois ACS que dão assistência aqui” (Entrevista 01). Com um processo de trabalho centrado em ações individuais, a equipe da odontologia não consegue se integrar nas atividades da equipe. Ao longo de algumas atividades, saltam-se as investidas da enfermeira em promover essa integração. Apesar de um distanciamento, o profissional reconhece em seu fazer diário a presença dos elementos que atravessam a ESF em sua perspectiva da promoção da saúde. A dinâmica do processo de trabalho é a troca de experiência. A ASB já desenvolve seu trabalho aqui. Ela da conta das consultas, da esterilização do material (Entrevista 01). Muito do que sei eu aprendi aqui. Tanto no consultório com o dentista como com o pessoal lá fora. Algumas diretrizes eu aprendi aqui, trocando conhecimento (Entrevista 02). O trabalho em equipe é um desafio que deve ser enfrentado todos os dias para melhoria da integralidade da assistência. Percebe-se em nossas equipes que os profissionais trabalham isolados, muitas vezes sem discussão de condutas pelos envolvidos, o que compromete a qualidade da assistência e o foco do trabalho na ESF. Como uma problemática percebida no processo de trabalho, a formação em saúde é apontada como um dos fatores que dificultam a interação entre os membros da equipe, uma vez que alguns profissionais citam não terem sido formados em um modelo que considere a interação entre os membros da equipe. CONSIDERAÇÕES FINAIS: Apesar de se constituir como um princípio básico do processo de trabalho na ESF, a atuação multiprofissional, ainda enfrenta desafios reais como a falta de diálogo  entre os profissionais. Além disso, destaca outras lógicas que operam sobre a ESF como o modelo produtivista, biomédico que aceitam o fazer dos profissionais e desestabilizam os caminhos da promoção da saúde. A formação voltada nos pilares do modelo biologista, procedimento centrado também se faz presente como um fator que impede a integração entre os profissionais da ESF. Por conseguinte, percebemos o desafio da promoção de um processo de trabalho dialógico que coloque em cena todos os trabalhadores na promoção do cuidado na ESF.  

Palavras-chave


Trabalho, Atenção Básica, Estratégia Saúde da Família

Referências


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